Mateus é um dos quatro relatos no Novo Testamento da biografia de Jesus. Como os outros, ele relata poucos episódios das muitas coisas que Jesus fez durante 33 anos na terra. Mateus inclui muitas citações do Velho Testamento, mostrando que Jesus cumpriu as grandes profecias da antigüidade.
Mateus 1
1:1-17
A genealogia de Jesus: de Abraão até Jesus.
**Obs.: Esta genealogia é diferente, mas não contradiz, a genealogia de Lucas 3. Mateus destaca a posição de Jesus em relação aos hebreus, enquanto Lucas começa com Adão e mostra o relacionamento de Jesus com todos os homens. Uma explicação comum e provável é que Mateus traçou a linha através do pai (José) e que Lucas seguiu a linha de descendência da mãe (Maria). Assim, Mateus apresentou o lado legal e Lucas o aspecto biológico da linhagem de Jesus.
**Obs.: Esta lista inclui cinco mulheres:
Tamar (que fingiu ser prostituta e concebeu gêmeos do próprio sogro).
Raabe (a prostituta poupada na destruição de Jericó).
Rute (viúva moabita que casou com Boaz).
Bate-Seba (não chamada por nome, mas era a mulher de Urias que cometeu adultério com Davi).
Maria (virgem que concebeu pelo Espírito Santo).
1:18-25
Maria, desposada com José, ficou grávida pelo Espírito Santo.
José, achando que ela tinha cometido imoralidade com outro homem, ia rejeitá-la.
Um anjo do Senhor explicou o que tinha acontecido, e falou para que ele não fizesse isso.
O filho teria o nome de Jesus (o Senhor salva).
Seria chamado, também, Emanuel (Deus conosco) para cumprir a profecia de Isaías 7:14.
José foi obediente e não rejeitou Maria. Não teve relações íntimas com ela antes do nascimento de Jesus.
Mateus 2
2:1-12
Jesus nasceu em Belém, ao sul de Jerusalém, nos dias do rei Herodes.
**Obs.: Herodes, o Grande, reinou de 37 a 4 a.C. e foi conhecido por sua crueldade e paranóia. A idéia de um futuro rei nascer no território dele o deixou apavorado, como veremos neste capítulo.
Vieram "magos" do Oriente (provavelmente semelhantes aos magos e encantadores do livro de Daniel).
Eles buscaram revelações no lugar errado (olhando para as estrelas), mas Deus o conduziu à verdade (revelada nas Escrituras–versículos 5 e 6) e na pessoa de Jesus (versículos 9-11).
Quando Herodes ouviu falar de outro rei, ele ficou perturbado e começou procurar uma maneira de eliminar esta "ameaça" ao seu poder.
Os sacerdotes e escribas ajudaram os magos, citando a profecia de Miquéias 5:2 sobre o nascimento do Cristo em Belém.
**Obs.: A profecia citada foi feita aproximadamente 700 anos antes do nascimento de Jesus. De todos os lugares em Israel, a pequena aldeia de Belém foi escolhida como o lugar onde Jesus nasceria.
Herodes perguntou sobre este rei dos judeus, fingindo que queria honrá-lo.
Os magos foram até Belém e entraram na casa onde Jesus estava.
**Obs.: A visita dos magos não aconteceu ao mesmo tempo da visita dos pastores (veja Lucas 2). Os magos foram algum tempo depois, até talvez dois anos mais tarde. A família de Jesus já estava numa casa, e Herodes achou necessário matar crianças até dois anos depois de perguntar para os magos sobre a aparição da estrela (versículo 7).
Obedecendo a advertência divina, os magos não voltaram para Jerusalém e não falaram mais para Herodes sobre Jesus.
2:13-18
Deus mandou que José levasse Jesus e Maria para o Egito.
Ficaram no Egito até a morte de Herodes (que aconteceu nos primeiros três anos da vida de Jesus).
Herodes mandou matar todos os meninos de Belém de dois anos para baixo.
2:19-23
Depois da morte de Herodes, um anjo de Deus apareceu a José num sonho, e mandou que ele voltasse para a terra de Israel.
José fez o que Deus mandou, e foi guiado até a Galiléia.
O novo rei foi Arquelau, filho de Herodes, o Grande. Arquelau reinou de 4 a.C. a 6 d.C.
José levou sua família para morar em Nazaré.
Mateus 3
3:1-10
João Batista começou seu ministério, pregando no deserto da Judéia.
A pregação dele incluiu dois temas principais (veja a mensagem de Jesus em 4:17):
(1) O arrependimento.
(2) A chegada iminente do reino dos céus.
João veio como precursor de Jesus, cumprindo a profecia de Isaías 40:3.
**Obs.: A citação de Isaías 40:3 aqui (3:3) é importante. João veio para preparar o caminho do Senhor (Jesus). Na profecia original, a palavra "Senhor" é o tetragrama (YWHW) que é usado como um dos nomes mais comuns de Deus (traduzido como Senhor, Jeová, etc.). É uma de muitas provas bíblicas da divindade de Jesus. As pessoas hoje que negam a divindade de Jesus não aceitam o que a Bíblia afirma: Jesus é Jeová! (Para uma explicação mais completa deste ponto, veja o livrete "Jesus e a Natureza de Deus").
O "jeito" de João Batista foi diferente, até estranho. Mas, não devemos nos preocupar com a aparência ou o jeito do mensageiro. Devemos julgar pela fonte da mensagem.
Muitos judeus saíram para serem batizados por João no rio Jordão.
João questionou os motivos deles e ensinou que devessem produzir "frutos dignos de arrependimento". Ele deixou claro que ninguém seria salvo por meramente ser judeu.
**Obs.: O arrependimento é uma decisão de mudança, que deve ser acompanhado pelos frutos que mostram a sinceridade da decisão.
As árvores que não produzem bons frutos seriam cortadas e lançadas ao fogo.
3:11-12
João frisou um ponto muito importante: a superioridade de Cristo.
(1) João não era digno de levar as sandálias de Jesus (serviço de escravo)
(2) João não possuiu o poder que Jesus tem. João tinha poder para batizar nas águas, mas Jesus batizaria com o Espírito Santo e com fogo.
**Obs.: Os comentários de João em 3:11 sobre os batismos têm sido usados para defender várias idéias erradas sobre o batismo com o Espírito Santo. Preste atenção neste trecho para observar:
(1) Que João não está dizendo que o batismo com o Espírito Santo é mais importante do que batismo nas águas. A comparação não está entre batismos, e sim entre pessoas. João tinha poder sobre um pouco de água. Jesus tem poder sobre o Espírito Santo e sobre o fogo.
(2) O sentido de "fogo" neste contexto. Muitas pessoas associam o fogo daqui com as "línguas, como de fogo" do dia de Pentecostes (Atos 2:3). Mas o contexto de Mateus 3 mostra que o batismo com fogo é o castigo eterno dos malfeitores (leia, de novo, 3:10 e 3:12).
3:13-17
Jesus foi da Galiléia ao rio Jordão para ser batizado por João.
A conversa entre João e Jesus destaca um fato importante: o propósito do batismo de Jesus era diferente do que o dos outros que foram batizados. Jesus não tinha pecado, mas se batizou para "cumprir toda a justiça", obedecendo a vontade do Pai para trazer a salvação aos homens pecadores.
Logo após o batismo de Jesus, encontramos três pessoas divinas fazendo coisas diferentes em lugares diferentes ao mesmo tempo:
- Jesus saiu da água.
- O Espírito desceu como pomba.
- Deus Pai falou do céu.
Jesus se mostrou obediente, e o Pai declarou sua satisfação com ele: "Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo."
Mateus 4
4:1-11
Depois de ser batizado, Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, onde ficou 40 dias em jejum.
O diabo, aproveitando o estado enfraquecido de Jesus, apareceu para o tentar.
As tentações nesta ocasião foram três:
(1) Tornar pedras em pão
(2) Lançar-se do pináculo do templo
(3) Adorar ao diabo para receber todos os reinos
As respostas de Jesus foram sempre das Escrituras, que Jesus usou como a fonte da qual aprendemos a vontade de Deus.
**Obs.: O diabo se mostrou esperto, e também começou a usar as Escrituras para tentar Jesus. Hoje, muitas pessoas usam as Escrituras, tirando algum versículo do contexto e interpretando-o de uma maneira errada, para apoiar doutrinas falsas. Tais professores aprenderam bem do diabo!
A terceira tentação ofereceu para Jesus um atalho ao seu alvo. Jesus veio para ser rei, para ter toda autoridade. Mas, o caminho escolhido por Deus envolveria muito sofrimento e dor. O diabo ofereceu um atalho. O fim não justificou o meio errado. Jesus ficou firme na sua determinação de fazer a vontade do Pai.
**Obs.: A resposta de Jesus no versículo 10 é importantíssima para entender questões sobre louvor e divindade. Somente Deus merece adoração. Homens e anjos recusaram a adoração em outras ocasiões. O fato que Jesus, com pleno entendimento deste fato, aceitou a adoração diversas vezes mostra que ele se considerou divino. Jesus é Deus.
4:12-17
Quando João Batista foi preso, Jesus saiu da Judéia e voltou para a Galiléia. Ele mudou para a cidade de Cafarnaum.
Ele começou a pregar naquela região, repetindo a mesma mensagem que João pregava (veja 3:2).
4:18-22
Jesus chamou os primeiros quatro seguidores:
Simão Pedro
André
Tiago (filho de Zebedeu)
João (filho de Zebedeu)
Eles deixaram as redes (eram pescadores) e foram imediatamente com Jesus para se tornarem pescadores de homens.
**Obs.: Quando estudamos os quatro relatos do evangelho, é interessante colocar algumas coisas na seqüência da história. Dá para ver como João preparou o caminho de Jesus, até o apresentando aos discípulos dele. Depois, quando Jesus chamou, eles estavam prontos a seguir.
4:23-25
Jesus ficou bem conhecido nas regiões de Galiléia, Síria, etc. Ele estava pregando o evangelho e curando os enfermos.
Começamos agora o estudo do sermão do monte, no qual Jesus descreve o caráter do cidadão do reino dele (compare 4:17).
Mateus 5:1-16
5:1-12
Jesus começa o mais famoso sermão da história com as "bem-aventuranças", uma série de afirmações sobre as qualidades do verdadeiro discípulo de Cristo.
Algumas observações ajudarão no estudo deste trecho:
(1) Ele quer que desenvolvamos todas estas características. Esta mensagem não é um tipo de "restaurante por kilo" onde cada pessoa escolhe a qualidade que mais lhe agrada. O servo do Senhor precisa manifestar todas estas qualidades.
(2) Jesus começa com o coração. Diferente de muitas pregações de hoje que começam com regras de comportamento, Jesus começa com o coração. Atingindo o coração do discípulo, ele causará mudanças radicais no comportamento. A mensagem de Cristo age de dentro para fora.
(3) Jesus está falando de qualidades espirituais. As bem-aventuranças não tratam de fome e sede físicas, mas de fome e sede de justiça.
5:13-16
Jesus utiliza aqui duas ilustrações para falar sobre o efeito do discípulo no mundo:
(1) Sal da terra. O sal conserva. O cristão traz uma qualidade diferente ao mundo, que serve para conservar e salvar almas.
(2) Luz do mundo. A luz ilumina e expele a escuridão. A vida do cristão no mundo de trevas é assim.
**Obs: Obras para ser vistas? Alguém poderia interpretar versículo 16 para dizer que devemos chamar atenção às nossas boas obras. Mas, ele mostra no início do capítulo 6 que não é o sentido. Nunca devemos fazer as coisas com o intuito de sermos vistos por homens mas, ao mesmo tempo, não é possível esconder as boas obras feitas por servos fiéis.
Mateus 5:17-48
5:17-20
Obs.: Jesus já havia se tornado uma figura polêmica, e faz questão de esclarecer alguns pontos importantes antes de entrar numa série de contrastes. Muitas pessoas da época respeitavam os fariseus como fiéis defensores da lei do Velho Testamento (dada por Deus através de Moisés). Jesus já tinha discutido diferenças com os fariseus em várias ocasiões, principalmente sobre o sábado. Antes de desafiar diretamente os ensinamentos deles, ele quer deixar bem claro que ele respeita totalmente a vontade do Pai, o qual revelou a lei do Velho Testamento.
Ele veio para cumprir, não revogar. A lei de Moisés preparou o povo para a vinda de Jesus. Estava cheia de sombras, tipos e profecias sobre o Messias. Jesus não ia negar nem jogar fora aquelas palavras significantes. Ele veio para cumprir o propósito da lei, e trazer a solução para o problema que a lei revelou nitidamente: o pecado.
Nada passaria até cumprir tudo.
Obs.: Muitas pessoas esquecem do significado da palavra "até". A mesma palavra grega é usada em Mateus 1:25 (traduzida "enquanto" na RA2 e "até" na RC e na BLH). Mateus 1:25 não afirma que Maria permaneceu virgem para sempre, mas que ela não teve relações com o marido até o nascimento de Jesus. De semelhante modo, Mateus 5:18 não está dizendo que a lei de Moisés continua em vigor para sempre, mas que nenhuma palavra dela passaria até que tudo se cumprisse. Jesus veio para cumprir a lei, e não removeria nenhuma palavra dela antes de cumprir esta missão.
Jesus não estava contradizendo a lei, nem incentivando outros a rejeitá-la. Ele mesmo guardou os mandamentos.
Mas, ele chamou seus discípulos a praticar uma justiça maior que a dos fariseus e escribas. A série de contrastes que segue mostra a diferença entre os ensinamentos de Cristo (nos quais ele vai ao coração do servo) e os dos fariseus e escribas (os quais inventaram muitas regras externas sem respeitar os princípios maiores da lei).
5:21-26
Tradição dos fariseus: Não pode matar, mas pode odiar.
Palavra de Jesus: Nem pode odiar; precisa resolver diferenças com outros.
5:27-32
Tradição dos fariseus: Não pode cometer o ato de adultério.
Palavra de Jesus: Além de não cometer o ato de adultério, precisa evitar outras formas do mesmo pecado: (1) Pensamentos impuros; (2) Adultério "legalizado" pelos homens na forma de casamentos ilícitos.
5:33-37
Tradição dos fariseus: Se usar o nome de Deus, tem que cumprir seu juramento.
Palavra de Jesus: Fale a verdade sempre, não procurando alguma saída através de juramentos menos solenes.
5:38-42
Tradição dos fariseus: Pratique a vingança justa.
Palavra de Jesus: Não se vingue.
5:43-48
Tradição dos fariseus: Ame ao próximo e odeie seu inimigo.
Palavra de Jesus: Ame a todos, até aos inimigos.
Mateus 6:1-18
6:1-8
Jesus entra numa nova parte da mensagem, falando sobre o perigo de fazer as nossas obras para sermos vistos por homens. Ele não está dizendo que o discípulo esconderá todas as boas coisas que faz (compare 5:16), mas que nunca devemos fazer as coisas apenas para sermos vistos por homens. Devemos servir a Deus, e nos comportar de uma maneira agradável a ele.
Esmolas devem ser dadas para servir a Deus e para ajudar aos necessitados, não para glorificar a pessoa que dá.
Orações devem ser dirigidas a Deus, não aos homens. Aqui, ele não está condenando orações feitas em público e nem está sugerindo que a oração não terá algum benefício para os ouvintes (compare João 11:41-42). Ele está criticando as orações feitas para impressionar os homens, ao invés de comunicar com Deus.
Jesus inclui nesta advertência algumas práticas comuns na época: (1) a tendência de alguns judeus de fazer orações na rua para serem vistos dos homens, e (2) a prática de alguns gentios (pagãos) de usar muitas vãs repetições nas orações.
**Obs.: Algumas pessoas, determinadas a fazer regras onde Jesus faz apelos aos corações, têm distorcido a mensagem do versículo 5. Inventam regras dizendo que é pecado orar em pé, mas isso não é o ponto de Jesus. Em Lucas 18:13-14, o homem justificado orou em pé.
6:9-13
Jesus ofereceu um exemplo de como orar. Ele não estava sugerindo que usássemos as mesmas palavras ou que repetíssemos sempre a mesma oração (lembra-se do versículo 7). Mas, nesse exemplo, ele mostra o respeito que devemos mostrar e dá exemplos das coisas que podemos incluir em nossas orações. Considere os elementos básicos dessa oração:
Expressão de reverência e louvor para com Deus.
Ênfase na vontade de Deus acima da nossa.
Reconhecimento da nossa dependência de Deus pelas necessidades do dia-a-dia.
Pedidos de ajuda na vida espiritual (perdão dos pecados e proteção das tentações)
**Obs.: Aprendemos como orar. A oração é nossa comunicação com Deus (e o estudo da Bíblia é a comunicação dele conosco). Para comunicar bem com Deus, devemos aprender das orientações dadas por Jesus, aquele que havia comunicado com o Pai desde eternidade.
6:14-15
A importância de perdão. O ensinamento de Jesus sobre perdão é absolutamente claro. Se não perdoarmos às pessoas que nos ofendem, não seremos perdoados por Deus (veja 18:21-35).
6:16-18
Jesus ensinou que jejuns não devem ser feitos para ser vistos por homens. Ao invés de chamar atenção ao sofrimento durante o jejum, a pessoa deve agir de uma maneira que ninguém perceba que está de jejum.
Mateus 6:19-34
6:19-23
Jesus introduz seu discurso sobre prioridades desafiando cada discípulo a examinar seu coração e sua maneira de olhar para as coisas da vida. Temos que ser pessoas espirituais, depositando nossos tesouros no céu.
6:24-34
Cada servo precisa escolher entre dois possíveis senhores.
Se optarmos servir às riquezes, não seremos servos de Deus.
O problema de servir às riquezas não é só dos ricos. Até os pobres, na ansiedade sobre as necessidades da vida cotidiana, facilmente acabam servindo as riquezas.
O mesmo Deus que cuida das plantas e dos passarinhos cuidará de nós, se servirmos a ele de coração.
Jesus proíbe a ansiedade (veja Filipenses 4:6-7).
Ele exige que busquemos em primeiro lugar o reino de Deus. Fazendo assim, teremos as necessidades da vida.
**Obs.: Ele não sugere a busca do reino como meio de adquirir bens materiais. Muitas pessoas hoje não estão buscando o reino de Deus e sua justiça, e sim, o reino do "eu" e seu dinheiro. Entram numa igreja, não para servir a Cristo, mas para resolver problemas financeiros, de saúde, etc. E, infelizmente, muitos pastores são lobos vorazes aproveitando a fraqueza de tais pessoas. Jesus nos chama para outras prioridades. Vamos seguí-lo.
Mateus 7
7:1-5
Jesus condena o julgamento hipócrita. Não devemos condenar as falhas dos outros e defender os nossos próprios erros. Para ilustrar o ponto, Jesus usa uma figura engraçada de uma pessoa tentando tirar uma coisa insignificante do olho do outro quando ela mesma tem um grande pedaço de madeira no próprio olho.
**Obs.: O versículo 1 é, freqüentemente, usado para dizer que nunca devemos criticar ou julgar nada, e que não devemos dizer que uma pessoa está errando. Não é o ponto, como fica claro no próprio contexto e em outros trechos bíblicos. Mateus 7:6 exige julgamento para identificar cães e porcos. 7:15-20 exige julgamento pelos frutos para identificar falsos profetas. 1 Tessalonicenses 5:20-21 diz que devemos julgar todas as coisas. Jesus não condenou o julgamento (discernimento) de coisas nem de pessoas. Ele proibiu o julgamento hipócrita para destruir ou condenar.
7:6
Quando pessoas claramente mostram desdém pelo evangelho, não devemos continuar insistindo e forçando-as a aceitar a palavra. Algumas pessoas, cauterizadas pelo pecado, não conseguem apreciar o grande valor da palavra de Deus.
7:7-12
Deus nos assegura do poder do Deus que ouve as nossas orações. Ele ouve e responde.
**Obs.: Isso não quer dizer que ele sempre dará a resposta que queremos. O mesmo Deus que deixou o Filho beber o cálice de sofrimento (Mateus 26:36-46) e que deixou Paulo sofrer com seu espinho na carne (2 Coríntios 12:7-10), pode achar melhor não dar o que pedimos. Ele faz melhor ainda: ele dá o que precisamos!
**Obs.: Estes versículos são usados, muitas vezes, para defender o "evangelho da prosperidade", ou seja, a doutrina popular e errada que Deus quer a prosperidade financeira e a boa saúde física de todos os fiéis. O próprio contexto é suficiente para provar que não é o ponto. Jesus mesmo condenou a busca de riquezas e pregou o contentamento (Mateus 6:19-21,25,31-34).
7:13-27
O discípulo de Cristo escolhe entre:
(1) Duas estradas (13-14).
(2) Dois tipos de profetas ou professores (15-23).
(3) Dois fundamentos (24-27).
**Obs.: Entre as muitas lições deste trecho, encontramos os seguintes pontos importantes:
(a) Jesus ensinou sobre uma separação eterna que depende da escolha de cada pessoa.
(b) Existem falsos profetas, que se disfarçam em ovelhas, que podem ser julgados pelos ensinamentos.
(c) Algumas pessoas chegarão ao julgamento final, confiantes da salvação, só para serem rejeitadas por Jesus.
(d) A única maneira de ter segurança espiritual é edificar a vida sobre o alicerce da palavra de Deus.
7:28-29
A mensagem conhecida como o sermão do monte é maravilhosa. A pessoa que a pregou é maior ainda!
Mateus 8
8:1-4
Depois do sermão do monte, multidões seguiram a Jesus.
Um leproso veio a Jesus e foi curado.
**Obs.: O leproso adorou a Jesus. Jesus entendeu bem que a adoração pertence somente a Deus (4:10). Bons homens e anjos recusaram tal adoração (Atos 10:25-26; 14:11-18; Apocalipse 22:8-9). Quando Herodes aceitou a glória que pertencia a Deus, ele foi ferido por um anjo do Senhor (Atos 12:12-23). Jesus não recusou a adoração, e ainda foi exaltado pelo Pai. Existe apenas uma possível explicação: Jesus é divino; ele é Deus.
**Obs.: Durante sua vida aqui, Jesus obedeceu a lei de Moisés e ensinou que outros fizessem a mesma coisa. Aqui, ele enviou o homem curado a fazer a oferta que a lei exigia.
8:5-13
Voltando para Cafarnaum, Jesus encontrou um centurião que veio pedindo que ele curasse seu servo paralítico.
Jesus falou que iria até à casa dele, mas o centurião demonstrou entendimento e fé no poder da palavra de Jesus. Jesus elogiou a fé dele, e curou o servo de longe.
**Obs.: O significado dos versículos 11 e 12, provavelmente, passou despercebido pelo povo. Jesus predisse a inclusão dos gentios no reino dele, mas os judeus continuaram pensando em termos nacionais.
8:14-17
Jesus curou a sogra de Pedro.
**Obs.: Pedro já era casado. Paulo disse em 1 Coríntios 9:5 que os outros, também, eram homens casados. Uma das qualificações de presbíteros ou pastores (mas não de apóstolos, 1 Coríntios 7:8) é que eles sejam casados (1 Timóteo 3:2; Tito 1:6). Pedro, mais tarde, serviria como presbítero (1 Pedro 5:1).
Jesus realizou várias outras curas.
**Obs.: O comentário no versículo 17 tem sido usado para sugerir que Jesus veio para curar enfermos. Mas, no contexto dos evangelhos e dos outros livros do Novo Testamento, percebemos que o argumento de Mateus aqui é um pouco mais complexo. Isaías 53:4 está falando sobre o sacrifício de Jesus para curar a doença espiritual do homem. As curas físicas serviam para demonstrar o poder dele, assim confirmando a palavra que ele pregou. Jesus mesmo nos dá esta explicação em 9:18, que fará parte do nosso próximo estudo. O ponto é este: as curas e os outros milagres de Jesus tiveram um papel secundário no trabalho dele, mostrando sua capacidade de cumprir seu principal objetivo: vencer o diabo, o pecado e a morte que vem por causa do pecado.
8:18-22
Jesus mostrou que não é fácil ser discípulo dele. Muitas pessoas falam da boca para fora sobre seu desejo de servir a ele. Jesus enfatizou as dificuldades do caminho para desafiar cada pessoa a fazer os sacrifícios necessários para seguí-lo.
8:23-27
Jesus dormia no barco durante um temporal que assustou os discípulos.
Quando eles o acordaram, Jesus os repreendeu e, depois, acalmou o mar.
Eles ficaram admirados, pois este milagre mostrou seu poder sobre uma coisa muito maior (fisicamente) do que ele.
**Obs.: Este capítulo contém dois milagres extraordinários, mostrando que Jesus dominava não apenas doenças de indivíduos, mas também tinha poder a longa distância e sobre a própria natureza.
8:28-34
Jesus chegou ao outro lado do mar da Galiléia, à região de Decápolis.
Dois endemoninhados saíram ao seu encontro, e gritaram para ele.
**Obs.: Os relatos de Marcos e Lucas falam de um endemoninhado, enquanto Mateus afirma que houve dois. Algumas pessoas citam casos como este para sugerir que há contradições entre os evangelhos. Mas o que encontramos aqui é uma diferença em ênfase, e não uma contradição. Marcos e Lucas falam sobre um, mas não dizem que houve apenas um. Talvez um dos dois era mais conhecido pelo povo, e eles não comentam sobre o companheiro. Mateus, neste caso, fornece um detalhe a mais.
Os demônios pediram que ele não os lançasse fora (para o abismo, Lucas 8:31). Pediram que ele os mandasse para uma manada de porcos.
Jesus fez isso, e os porcos se jogaram no mar e morreram.
As pessoas da cidade ficaram sabendo desse milagre e pediram que Jesus saísse da terra deles.
**Obs.: Os gadarenos mandaram Jesus embora. Pode ser que temiam o poder do Santo de Israel no meio deles, um povo pecaminoso. Pode ser que meramente não queriam perder mais dinheiro por causa dele (imagine o valor da manada de porcos que já perderam). Eles não aceitaram Jesus. Marcos (5:18-20) e Lucas (8:38-39) dizem que Jesus deixou o homem curado para trás para testemunhar àquele povo.
Mateus 9
9:1-8
Jesus voltou para Cafarnaum.
Um paralítico foi levado a Jesus para ser curado.
Ao invés de falar sobre a enfermidade física do homem, Jesus disse: "Estão perdoados os teus pecados".
Os escribas o acusaram de blasfêmia, pois somente Deus pode perdoar pecados (veja Marcos 2:7).
**Obs.:Na sua discussão com os escribas, Jesus não negou a sua própria divindade. Ele deixou bem claro que ele tem poder para perdoar pecados.
**Obs.: A cura física aqui serviu para demonstrar seu poder para curar doenças espirituais. Jesus é capaz de perdoar pecados.
9:9-13
Jesus chamou Mateus, um cobrador de impostos, para ser discípulo dele.
Jesus comeu na casa de Mateus, e foi criticado pelos fariseus.
Ele disse que veio para procurar os pecadores, e não os justos.
9:14-17
Os discípulos de João perguntaram sobre o jejum, e Jesus disse que os discípulos dele ainda não tinham motivo para jejuar, pois ele estava presente.
Com duas ilustrações (pano e odres), ele mostrou que os ensinamentos dele nunca poderiam caber nos costumes antigos conhecidos pelo povo. Jesus trouxe coisas novas, até radicais.
9:18-26
Um chefe da sinagoga, Jairo (veja Marcos 5:22-24), pediu que Jesus fosse para salvar a sua filha.
Jesus foi, mas demorou porque uma mulher tocou na veste dele para ser curada de uma enfermidade que havia a perturbada durante 12 anos. Jesus elogiou a fé dela.
Chegando na casa do chefe, Jesus disse que a menina não estava morta. As pessoas riam-se dele.
Jesus ressuscitou a menina.
9:27-34
Jesus curou dois cegos, e mandou que eles não falassem com ninguém. Eles, porém, saíram espalhando a notícia da cura.
Jesus expulsou um demônio de um mudo, e os fariseus alegaram que o próprio diabo deu-lhe este poder.
**Obs.: Esta acusação surgirá outras vezes. Veremos a resposta de Jesus no capítulo 12.
9:35-38
Jesus viu as multidões e teve compaixão das pessoas perdidas, como ovelhas sem pastor. Ele comentou sobre a grande seara e a necessidade de trabalhadores.
**Obs.: Hoje, devemos ter a mesma compaixão e orar diligentemente que Deus mande trabalhadores para a seara.
Mateus 10
10:1-4
Jesus escolheu doze dos seus discípulos (seguidores) para serem apóstolos (enviados).
10:5-15
Ele os orientou, dando uma "comissão limitada" a eles.
Eles foram enviados aos judeus, para pregar o evangelho do reino e realizar milagres.
Ele proibiu que levassem seu sustento, dizendo que o trabalhador é digno do seu alimento.
Ele mandou que sacudissem o pó dos pés se a palavra for rejeitada em algum lugar.
**Obs.: As instruções de Jesus aos apóstolos antes de sua ascensão são geralmente conhecidas como a "grande comissão" (veja Mateus 28:18-20). Nela, os apóstolos foram enviados ao mundo. Nesta comissão limitada, eles foram enviados somente aos judeus.
10:16-23
Jesus os avisou que o trabalho seria difícil e que enfrentariam perseguições e rejeição.
10:24-33
A perseguição era coisa normal, como a própria vida de Jesus demonstrou.
Mas, ele os consolou, dizendo que Deus nunca esqueceria deles.
10:34-39
Jesus mostrou um lado da pregação do evangelho que é importante e freqüentemente esquecido: a palavra de Deus causa separação e divisão, até entre famílias.
Temos que amar a Jesus acima de família, e tomar a cruz para o seguir.
10:40-42
Mas, por outro lado, as pessoas que recebem e apóiam os servos de Deus receberão a recompensa de Deus.
Mateus 11
11:1-6
Jesus enviou os apóstolos para pregar e ele, também, saiu para pregar em várias cidades.
João Batista ouviu sobre Jesus e seu trabalho, e enviou seus discípulos para perguntar se ele era, de fato, o Messias.
Jesus respondeu com as provas do seu próprio trabalho: os milagres e o fato que o evangelho foi pregado aos pobres.
**Obs.: João, sofrendo por causa do evangelho, enfrentou algumas dúvidas. Talvez achou que Jesus estava demorando para cumprir sua missão. A resposta de Jesus relembrou João das profecias importantes do Velho Testamento, mostrando que Jesus estava, de fato, cumprindo seu propósito.
11:7-19
Jesus aproveitou a ocasião para falar sobre o trabalho de João.
Depois desses comentários, ele falou sobre a atitude do povo, que rejeitou João e também rejeitou Jesus. Os dois vieram com estilos bem diferentes, e os judeus recusavam ouvi-los.
11:20-24
Jesus deu advertência forte às cidades que não aceitaram o evangelho, dizendo que seriam julgadas pela descrença.
11:25-30
Jesus agradeceu ao Pai por ter se revelado (através dele) aos pobres e humildes.
Jesus convidou os cansados e sobrecarregados ao descanso que ele oferece.
Mateus 12:1-21
12:1-8
Os fariseus criticaram os discípulos de Jesus por colher espigas para comer no sábado.
Jesus respondeu à crítica com vários argumentos:
(1) Davi e seus homens comeram os pães da proposição, mas isso não era lícito.
(2) Os sacerdotes, sob a lei de Moisés, trabalham ao sábado, assim "violando" a lei sem culpa.
(3) Deus dá mais importância à misericórdia do que aos holocaustos.
(4) Jesus é senhor do sábado (e, também, maior que o templo).
**Obs.: O argumento de Jesus sobre Davi e os pães de proposição é difícil de entender. Qual o sentido? Considere duas possibilidades para ver qual cabe melhor no contexto:
(1) Enquanto foi tecnicamente errado comer os pães do templo, Davi, seus homens e os sacerdotes não pecaram porque agiram de um modo misericordioso, salvando as vidas dos homens.
(2) Davi e seus homens pecaram enquanto os discípulos de Jesus não pecaram. Mas, os mesmos fariseus que defenderiam Davi como grande servo de Deus condenaram os discípulos de Jesus!
Eu acho a segunda explicação mais forte, por causa destes quatro motivos: (a) Jesus mesmo disse que o ato de Davi não era lícito (versículo 4); (b) Ele afirmou que os discípulos eram inocentes (versículo 7); (c) Jesus não considerou fome motivo para fazer coisas erradas (Mateus 4:2-4); (d) Ele ensinou a obediência completa aos mandamentos de Deus (Mateus 5:19).
**Obs.: Jesus é senhor do sábado. Alguns usam este versículo para defender a prática de guardar o sábado hoje em dia. Mas, no contexto, o ponto é outro. É uma afirmação da autoridade de Jesus. Ele é maior do que o templo e maior do que o sábado. Ele, sendo Deus, era a fonte das leis de Deus. Qualquer dúvida sobre a lei deveria ser resolvida por ele, e não pelos fariseus.
12:9-14
Uma vez que Jesus se declarou "senhor do sábado", os fariseus não demoraram em prová-lo. Quando foi apresentado no sábado um homem com uma mão defeituosa, eles perguntaram: "É lícito curar no sábado?"
Jesus respondeu com uma ilustração simples: Qualquer um tiraria uma ovelha de uma cova no sábado, e o homem vale mais do que a ovelha.
Jesus curou o homem, aparentemente sem "fazer" nada. Ninguém considera pecado falar no sábado, e os fariseus saíram frustrados. Eles não venceram pela palavra, então procuraram oportunidade de vencer pela violência.
12:15-21
Jesus não enfrentou seus inimigos. Ele não temia a morte, mas sabia que ainda não havia chegado a hora certa.
Deus escolheu Jesus, e ele se mostrou misericordioso, olhando para os frágeis e rejeitados.
**Obs.: Reflita no ponto de vista do Pai quando ele considerou o trabalho do Filho. Jesus era: (1) servo, (2) escolhido, (3) amado pelo Pai e (4) foi lhe agradável.
Mateus 12:22-50
12:22-32
Quando Jesus expulsou o demônio de um homem possesso, os fariseus alegaram que ele havia feito esse milagre pelo poder do diabo.
Jesus respondeu com estes argumentos:
(1) Um reino dividido não sobrevive: Será que o diabo estava se destruindo?
(2) A crítica deles atingia não apenas Jesus, mas os filhos deles que expulsavam (ou alegavam expulsar) demônios.
(3) Era necessário arramar o valente (Satanás) para roubar os bens dele (livrar as pessoas do domínio do diabo).
Em contraste com as alegações falsas dos fariseus, Jesus ofereceu algumas conclusões corretas:
(a) A expulsão dos demônios foi evidência nítida que o reino de Deus estava para chegar.
(b) Os homens ou apóiam ou se opõem a Jesus: não há meio termo.
(c) A blasfêmia contra o Espírito Santo é um pecado imperdoável.
**Obs.: O trabalho principal do Espírito Santo foi a revelação e a confirmação da palavra de Deus. Ele revelou o evangelho e o confirmou com sinais e prodígios. Esta palavra é o meio escolhido por Deus para perdoar e salvar (Romanos 1:16). Alguém poderia falar contra Cristo e, depois, ser convencido pelos sinais e pela palavra dele e se arrepender. Tal pessoa seria perdoada. Mas, a pessoa que se endurece contra Deus, absoluta e finalmente rejeitando a palavra que o Espírito Santo, não teria possibilidade de ser salva. A blasfêmia contra o Espírito Santo é uma atitude irreversível de rejeição da revelação de Deus. Se recusar durante a vida toda a palavra que o Espírito revelou, não tem promessa nem esperança de ainda outro Consolador.
12:33-37
A pessoa é julgada pelos frutos que ela produz.
Os fariseus eram maldizentes porque os corações estavam cheios de maldade.
As próprias palavras justificam ou condenam a pessoa.
12:38-42
Alguns escribas e fariseus, talvez querendo justificar sua lerdeza em acreditar, pediram mais um sinal.
Jesus ofereceu um só: o sinal de Jonas. A ressurreição dele seria evidência suficiente para levar qualquer pessoa honesta à verdade sobre o Cristo.
12:43-45
Jesus advertiu as pessoas sobre o perigo de perder a sua salvação, deixando o diabo tomar posse delas de novo.
12:46-50
A família de Jesus chegou e Jesus foi avisado. Ao invés de parar o seu trabalho para atender a sua família, Jesus enfatizou a importância de ser família espiritual, fazendo a vontade do Pai.
**Obs.: A Bíblia fala aqui, e em outros lugares, sobre a mãe e os irmãos de Jesus. Destas passagens aprendemos que Maria teve outros filhos depois do nascimento de Jesus, provando que a doutrina católica que ele era virgem perpétua não tem apoio bíblico. Se ele tivesse recusado manter relações conjugais com José, assim ficando virgem durante a vida toda, teria pecado contra ele e contra Deus (compare o ensinamento sobre a importância e a pureza das relações sexuais entre marido e esposa, 1 Coríntios 7:3-5; Hebreus 13:4).
**Obs.: Podemos estranhar com o tratamento que Jesus deu a sua família aqui, mas alguns comentários em outros relatos ajudam. Marcos 3:21 mostra o motivo que os parentes foram até Jesus: queriam o prender, achando que ele havia enlouquecido. Os próprios irmãos de Jesus, até então, não acreditavam nele (veja João 7:5). Lucas 8:19 acrescenta outro fato: eles não conseguiram chegar perto por causa da multidão, e Jesus deu importância as pessoas que estavam buscando a palavra dele.
Mateus 13:1-23
**Obs.: O estudo de hoje é sobre uma das parábolas mais importantes que Jesus falou. A parábola do semeador ensina muito sobre o poder do evangelho e sobre as atitudes diferentes dos ouvintes.
13:1-9
O semeador saiu para semear. Na época, eles semearam lançando sementes e as deixando cair. Assim, algumas caíram em lugares bons e férteis, e outras em lugares duros ou secos.
A semente caiu em quatro tipos diferentes de solo:
(1) À beira do caminho: as aves comeram a semente.
(2) Rochoso: nasceu, mas foi queimada pelo sol.
(3) Espinhoso: nasceu, mas foi sufocada pelos espinhos.
(4) Bom: cresceu e deu fruto.
13:10-17
Jesus explicou seus motivos por usar parábolas no seu ensinamento.
Algumas pessoas não entendem as parábolas, pois seus corações são duros e os olhos fechados.
Mas os discípulos de Jesus entendem suas mensagens.
13:18-23
Jesus explicou a parábola do semeador, ilustrando o ponto ensinado nos versículos 10-17. A diferença não está na semente e sim nos solos.
O solo à beira do caminho representa as pessoas que não aceitam a palavra. O evangelho não entra no coração.
O solo rochoso representa as pessoas que aceitam a palavra com alegria, mas que não desenvolvem raízes. Quando vêm perseguições e problemas, a pessoas desiste.
O solo espinhoso representa pessoas que ouvem a palavra mas que deixam seu interesse em coisas espirituais ser sufocado pelas preocupações desta vida.
O solo bom representa os corações bons que aceitam a palavra e produzem frutos na sua própria vida.
Mateus 13:24-58
13:24-30
A parábola do joio.
Um homem plantou boa semente no seu campo, mas seu inimigo semeou joio no meio do trigo. O trigo e o joio cresceram juntos.
Os servos pensaram em arrancar o joio, mas o dono do campo não permitiu. Ele falou que deixassem o trigo e o joio juntos até à colheita, quando seriam separados.
**Obs.: Jesus mesmo dará o sentido desta parábola em 13:36-43. Vamos aguardar a palavra dele para entender a mensagem.
13:31-32
A parábola do grão de mostarda.
O reino dos céus é comparado ao crescimento impressionante de mostarda. Um grão pequeno, uma vez plantado, produz uma planta grande.
13:33
A parábola do fermento.
O reino se espalha como fermento em farinha.
**Obs.: Fermento, normalmente, representa pecado e impureza (Levítico 2:11; Mateus 16:12; 1 Coríntios 5:6-8; etc.). Mas nesta pequena parábola, ele não tem tal significado. Jesus emprega a figura do fermento para ensinar uma coisa só: que o reino dele se espalharia.
13:34-35
Jesus usou parábolas como um meio de comunicação para revelar coisas outrora ocultas.
13:36-43
Os discípulos pediram que Jesus explicasse a parábola do joio.
O homem que semeou o trigo é Jesus.
O campo é o mundo. A boa semente representa os servos de Deus e o joio os servos do diabo.
**Obs.: O versículo 38 é importantíssimo para entender esta parábola. Muitas pessoas usam esta parábola para defender a tolerância do pecado na igreja, hoje, dizendo que só Jesus, no julgamento final, separará o trigo do joio. Mas, este versículo mostra que ele está falando sobre o mundo, e não apenas a igreja. No mundo, convivemos com pecadores (veja Mateus 9:10-13; João 17:14-19; 1 Coríntios 5:9-10). Mas, as pessoas que insistem em viver no pecado sem se arrepender devem ser expulsas do meio dos cristãos (1 Coríntios 5:1-13; 2 Tessalonicenses 3:6-15; Mateus 18:15-17). A parábola do joio não ensina a tolerância do pecado na igreja.
Jesus explica que, no julgamento final, haverá separação eterna entre trigo e joio.
13:44-46
Nestas duas parábolas, Jesus fala sobre o grande valor do reino dele. Devemos sacrificar tudo para receber o tesouro que Deus nos oferece.
13:47-50
A parábola da rede, semelhante à do joio, mostra que haverá um julgamento e separação entre os servos de Deus e os pecadores.
13:51-58
O ensinamento de Jesus era diferente e, por esse motivo, chamou atenção em todos os lugares que ele visitou.
Mas, na própria região onde ele foi criado, as pessoas tropeçaram e rejeitaram o Filho de Deus que estava no meio delas.
Mateus 14
**Obs.: Nosso estudo seguirá o relato de Mateus. Porém, um estudo deste capítulo junto com os paralelos nos outros evangelhos é extremamente rico. Ajuntando as informações, percebemos que Jesus se encontrou numa situação cheia de pressão. Os apóstolos voltaram de sua missão; as multidões os seguiram; muitas pessoas queriam conhecer Jesus; chegou a notícia da morte de João Batista; a popularidade de Jesus estava aumentando cada vez mais. A lição importante aqui está na maneira que Jesus lidou com esta situação complicada. Ele conseguiu manter a calma, e procurou aproximar mais do Pai.
14:1-12
Herodes ouviu sobre Jesus e achou que ele era João Batista ressuscitado.
Mateus insere aqui o relato da morte de João.
João foi morto por causa de Herodias. Ela tinha divorciado seu marido (Filipe) e casado com o irmão dele (Herodes Antipas, o qual reinou até 39 d.C., o mesmo que estava em Jerusalém quando Jesus foi condenado à morte).
João ensinou a verdade sobre esse casamento ilícito: "Não te é lícito possuí-la".
**Obs.: Marcos 6:17 claramente afirma que Herodes e Herodias eram casados. Este exemplo esclarece alguns pontos importantes: (1) O fato que o governo ou a sociedade aceitam um casamento não quer dizer que seja lícito perante o Senhor. A própria Bíblia diz que eram casados, mas Deus não autorizou tal casamento. (2) Herodes estava pecando enquanto ele continuava possuindo Herodias. Em casos de casamentos adúlteros, a única maneira de mostrar frutos de arrependimento é separar-se do cônjuge ilícito. A palavra de Deus não autoriza pessoas a continuarem em adultério. (3) A vontade de Deus sobre o casamento aplica a todos os homens: judeus, gentios, cristãos e descrentes. Herodes e Herodias não faziam parte do reino de Cristo, mas João condenou o casamento deles.
Herodias aproveitou uma oportunidade para pedir a morte de João. A filha dela dançou na festa do aniversário de Herodes de uma maneira que agradou a ele e aos convidados. Ele ofereceu para ela qualquer coisa, até a metade do reino dele. Ela consultou a mãe e pediu a cabeça de João Batista num prato.
**Obs.: O diabo teve uma festa naquele dia. Uma festa mundana (provavelmente com uma abundância de bebidas alcoólicas), a sensualidade da dança, a falta de domínio próprio do rei, a promessa precipitada dele, o ódio de Herodias. Todos os fatores cooperaram para conduzir um homem inocente, fiel e corajoso à morte.
Os discípulos de João sepultaram o corpo e levaram a notícia a Jesus.
14:13-21
Jesus se retirou para um lugar deserto, mas a multidão foi atrás.
Ele teve compaixão e curou os enfermos.
Ficou tarde, e os apóstolos começaram a se preocupar com a fome dos ouvintes.
Jesus pediu que os apóstolos dessem comida para eles, mas eles falaram que não tinham comida suficiente.
**Obs: Os apóstolos acabaram de chegar (Marcos 6:30) do trabalho de ensinar, curar, ressuscitar mortos, expulsar demônios, etc. (Mateus 10:8). Mesmo tendo poder para realizar milagres, eles não se acharam capazes de dar comida para a multidão.
Jesus multiplicou os pães e peixes para alimentar 5.000 homens, mais mulheres e crianças.
14:22-33
Jesus subiu num monte sozinho para orar, e mandou os apóstolos na frente no barco.
Entre as 3:00 e as 6:00 horas da madrugada, Jesus desceu do monte e andou por sobre o mar para chegar ao barco.
Os apóstolos levaram um susto. Depois, Pedro desceu do barco para andar até Jesus. Ele ficou com medo e pediu que Jesus o salvasse. Jesus o repreendeu por sua falta de fé.
Os apóstolos, impressionados com o milagre de Jesus, o adoraram.
14:34-36
Depois de chegar em Genesaré, Jesus curou vários enfermos.
Mateus 15
**Obs.: O trabalho de Jesus chamou atenção de líderes do governo e de líderes religiosos. No capítulo 14, Herodes ficou até assustado por causa das notícias que recebia sobre Jesus, e se esforçava por vê-lo (Lucas 9:9). No capítulo 15, alguns fariseus e escribas de Jerusalém foram até o norte do país para questionar Jesus.
15:1-20
Os fariseus e escribas de Jerusalém perguntaram sobre o comportamento dos discípulos de Jesus, de comer sem cumprir as tradições religiosas de lavar as mãos.
Jesus, na sua resposta, foi diretamente ao ponto de conflito entre tradições humanas e a lei divina. Ele usou como exemplo o mandamento sobre honrar aos pais, e mostrou que as tradições deles tinham o efeito de invalidar o mandamento de Deus.
Ele acrescentou mais alguns pontos importantes:
(1) Aos fariseus: aplicou a crítica feita por Isaías (29:13) aos religiosos da época dele.
(2) Ao povo: não é o que entra pela boca, mas o que sai dela que contamina o homem.
(3) Aos discípulos: Deus arrancará as plantas que ele não plantou; por isso, não sigam guias cegos.
**Obs.: Não o que entra, mas o que sai. Neste discurso, Jesus frisou duas coisas importantes. (a) Devemos ter muito mais preocupação com as coisas que guardamos no coração e que saem pela boca do que com as coisas que entram pela boca. (b) Jesus já estava preparando os seus discípulos para entender que as leis sobre alimentos puros e imundos não durariam para sempre (veja Marcos 7:19; Atos 10:9-16; Colossenses 2:16).
15:21-28
Uma mulher cananéia veio e insistiu que Jesus expulsasse um demônio de sua filha.
Observamos aqui alguns fatos interessantes:
(1) Jesus explicou sua missão durante seu ministério terrestre: ir aos perdidos de Israel (compare Romanos 1:16).
(2) Jesus não recusou a adoração da mulher. Ele é Deus, tanto dos judeus como dos gentios.
(3) Ele elogiou a grande fé da mulher.
15:29-39
Jesus curou muitas pessoas num monte na Galiléia.
Depois de três dias, ele pediu que os apóstolos dessem comida para a multidão. Eles não acharam possível fazer o que ele pediu.
**Obs.: Ainda não aprenderam, mesmo depois de ver Jesus alimentar os 5.000 (14:13-21).
Jesus realizou mais um milagre, multiplicando pães e peixes para alimentar 4.000 homens, além das mulheres e crianças.
Mateus 16
A divergência nas opiniões sobre Jesus já vem crescendo por um bom tempo. Neste capítulo, podemos ver que pessoas estão tomando decisões, algumas a favor de Jesus e outras contra.
16:1-4
Os fariseus e saduceus pediram um sinal para provar a divindade de Jesus.
Ele disse que já havia mostrado sinais, mas que eles os recusavam.
Daria apenas mais um sinal para eles: o sinal de Jonas (ou seja, a ressurreição de Jesus, veja 12:38-40).
16:5-12
Jesus avisou os discípulos sobre o perigo da doutrina dos fariseus e saduceus.
Os apóstolos, ainda um pouco lerdos, não entendiam a figura que Jesus usou.
O fermento representa aqui, como em várias outras passagens, alguma coisa impura ou pecaminosa.
16:13-20
Jesus perguntou para os apóstolos sobre as diversas opiniões em relação à pessoa dele.
Neste contexto, Pedro fez uma grande confissão, e foi elogiado por Jesus.
Jesus prometeu edificar sua igreja sobre a pedra confessada: o fato que ele é o Filho de Deus.
**Obs.: A pedra aqui não é Pedro, mas o fato importante que ele confessou. Jesus é o único fundamento da igreja (1 Coríntios 3:11). É interessante notar que a palavra grega traduzida aqui como "pedra" é usada no Novo Testamento para representar uma pessoa em outras passagens, sempre falando sobre Cristo (Romanos 9:33–rocha de escândalo; 1 Coríntios 10:4–pedra espiritual; 1 Pedro 2:8–rocha de ofensa).
Jesus prometeu dar para Pedro as chaves do reino. Ele teria o privilégio de "abrir as portas" pela pregação do evangelho.
16:21-23
Mas, nem Pedro estava preparado para as coisas mais pesadas que Jesus tinha para falar. Quando Jesus falou sobre a morte, Pedro tropeçou. Repreendeu o próprio Senhor, dizendo que isso nunca aconteceria com ele.
**Obs.: Há um contraste interessante entre 16:17 e 16:23 que define a luta na vida de Pedro e nas nossas vidas. Quando seguimos a revelação de Deus, somos elogiados por Jesus. Mas, quando cogitamos das coisas dos homens, somos repreendidos.
16:24-28
Para ser discípulo de Jesus, é necessário:
(1) Negar si mesmo.
(2) Tomar a própria cruz.
(3) Seguir a Jesus.
-
Mateus 17
Os apóstolos tinham chegado a um momento crítico. O povo estava confuso sobre Jesus. Pedro confessou a sua fé, mas ainda não entendeu o plano de Deus em relação a Jesus. Jesus não falou apenas de sua própria cruz, mas também das cruzes que os seguidores dele teriam que tomar. Para suportar este ensinamento radical e exigente, os apóstolos teriam que confiar plenamente em Jesus.
Montanhas eram, às vezes, lugares de encontro com Deus. Moisés teve vários encontros com Deus em montanhas. Elias, também, chegou na presença de Deus numa montanha. Jesus subia nos montes para orar. Agora, três dos apóstolos terão uma experiência inesquecível numa montanha.
17:1-8
Jesus levou Pedro, Tiago e João a um monte, e a aparência dele brilhou como o sol.
**Obs.: Jesus veio para mostrar a glória do Pai (João 1:1-14). Ele resplandecia nos seus atos e no seu ensinamento. Mas, nesta ocasião, é como ele tivesse tirado um véu para mostrar visivelmente a sua glória. Foi um momento marcante na vida dos apóstolos que presenciaram a transfiguração (veja João 1:14; 2 Pedro 1:16-18).
Moisés e Elias apareceram e falaram com Jesus.
Pedro sugeriu que fizessem três tabernáculos para honrar Jesus, Moisés e Elias.
Uma nuvem apareceu e uma voz disse: "Este é o meu filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi."
Moisés e Elias sumiram. Ficou somente Jesus na frente dos discípulos.
**Obs.: Imagine estes três discípulos, judeus, na presença de Moisés (o libertador do povo) e Elias (um dos maiores profetas do Velho Testamento). Seria natural querer honrá-los. Mas, Deus queria ensinar uma lição importantíssima. Moisés era um grande servo. Elias, também. Mas, é Jesus e sua palavra que devemos respeitar acima de tudo. Nós não devemos fazer tabernáculos para honrar nenhum outro servo de Deus, não importa quem seja. Toda a glória pertence a Cristo.
17:9-13
Jesus mandou que não contassem esta visão até depois da ressurreição dele.
Naturalmente, a aparição de Elias provocou a curiosidade deles, e perguntaram sobre as profecias sobre a vinda de Elias para preparar o caminho do Cristo (veja Malaquias 4:5-6).
Jesus explicou que a profecia foi cumprida em João Batista.
**Obs.: Não há nenhuma sugestão de reencarnação aqui. João Batista cumpriu as profecias sobre Elias no mesmo sentido que Jesus cumpriu profecias sobre Davi (veja Ezequiel 34:23-24; 37:24). João teve um jeito semelhante ao de Elias, e lembrou o povo do antigo profeta.
17:14-21
Jesus expulsou um demônio de um menino, depois de repreender os discípulos pela falta de fé deles em não poder realizar o milagre.
**Obs.: A falta de fé era dos discípulos, não da pessoa que pediu a cura, nem da pessoa aflita. Muitas pessoas hoje que alegam realizar milagres colocam a culpa na outra pessoa quando não conseguem curá-la.
**Obs. O comentário entre colchetes no versículo 21 (sugerindo uma dúvida nos manuscritos) se encontra em Marcos 9:29. Evidentemente, alguns demônios eram mais difíceis do que outros, e Jesus falou da necessidade de buscar Deus por oração e jejum.
**Obs.: Somos melhores do que os apóstolos? Quantas vezes ficamos desesperados por causa de problemas que não conseguimos resolver, mas ainda não buscamos Deus com todo o coração?
17:22-23
Jesus está prestes para sair da Galiléia, rumo a Jerusalém (veja 19:1). Ele continua preparando os apóstolos, predizendo outra vez sua morte e ressurreição.
17:24-27
**Obs.: Este trecho é mais um argumento implícito para mostrar a divindade de Jesus. Preste atenção!
Alguns homens estavam cobrando o imposto de duas dracmas.
**Obs.: Segundo citações em Êxodo 30:13; 28:26 e Neemias 10:32, já houve o costume de cobrar impostos dos homens judeus para o templo. Segundo informações históricas, este imposto foi pago na Páscoa em Jerusalém, ou um mês antes nas outras regiões da Palestina. Esta conversa, provavelmente aconteceu um mês antes da Páscoa.
Pedro respondeu à pergunta dos cobradores, dizendo que Jesus pagava o imposto.
Quando Pedro chegou em casa, Jesus perguntou: "De quem cobram os reis da terra impostos ou tributo: dos seus filhos ou dos estranhos?"
A resposta de Pedro (dos estranhos) e a conclusão de Jesus (os filhos são isentos, mas pagarei o imposto para evitar escândalo), esclarecem dois pontos importantes para nós:
(1) O templo era a casa de Deus. Jesus, como Filho de Deus, tinha direito a isenção do imposto.
(2) Jesus não usufruiu desse direito, achando melhor pagar o imposto do que causa escândalo.
**Obs.: Muitas vezes, faríamos bem abrindo mão de algum "direito" para evitar ofensas.
Mateus 18
18:1-5
Os discípulos perguntaram para Jesus: "Quem é, porém, o maior no reino dos céus?"
Jesus usou uma criança como exemplo de humildade, e disse que os humildes são os maiores no reino.
18:6-9
Ainda usando o exemplo de crianças, Jesus adverte sobre os tropeços.
Quem causar um pequenino tropeçar será julgado severamente.
É melhor fazer um sacrifício difícil e radical (cortar mão ou pé ou arrancar olho) do que perder a vida eterna.
**Obs.: Mesmo os apóstolos, os quais freqüentemente tiveram problemas em entender a língua figurada de Jesus, não interpretaram esses versículos de uma maneira literal. Não encontramos nenhum registro no Novo Testamento de alguém que cortou a mão ou arrancou o olho. Mas, achamos muitos casos de pessoas que tomaram decisões radicais e fizeram grandes sacrifícios para servir ao Senhor. É isso que Jesus está ensinando.
18:10-14
Aqui, Jesus faz um comentario curioso para mostrar como os pequeninos são importantes para Deus. Anjos que têm acesso constante a Deus cuidam das crianças.
**Obs.: Nenhum homem jamais viu o rosto de Deus Pai (João 1:18). Mas, aqui, Jesus afirma que anjos têm o visto. O ponto é que alguém muito maior do que os homens está cuidando dos pequeninos.
**Obs.: A Bíblia não elabora nenhuma doutrina bem definida sobre anjos de guarda. Aqui, e em alguns outros trechos, dá a impressão que os anjos têm um papel especial de cuidar das pessoas. Não devemos especular sobre tais assuntos, mas podemos ser confortados pelo conhecimento do cuidado que Deus tem para conosco.
Da mesma forma que um pastor procura a ovelha perdida, Deus se preocupa com o povo dele.
18:15-20
Este trecho trata de problemas que surgem entre dois irmãos.
Se alguém pecar contra outro, o ofendido deve procurar o outro e repreendê-lo. Se ele aceitar a correção, o assunto morre ali.
Se o pecador não aceitar a correção, o ofendido deve voltar com mais um ou dois irmãos. Se o pecador se arrepender, o assunto já será resolvido.
Se ele ainda não atender às palavras do irmão, o assunto deve ser levado à igreja, e ela tentará corrigi-lo. Se ele aceitar a admoestação da igreja, o problema será solucionado.
Se ele rejeitar a correção da igreja, será expulso.
Quando um assunto é resolvido entre duas ou três pessoas, Deus é testemunha.
18:21-35
Pedro, mostrando uma generosidade excepcional, perguntou sobre o perdão: Quantas vezes devo perdoar meu irmão? Sete?
Jesus respondeu: Não sete, mas até setenta vezes sete!
Jesus usou uma parábola para ensinar sobre o perdão.
Um servo foi perdoado uma dívida enorme, que nunca teria pago.
O mesmo servo achou uma pessoa que devia uma quantia pequena para ele, e o lançou no cárcere, exigindo o pagamento total da dívida.
Quando o senhor que havia perdoado a grande dívida ficou sabendo, ele prendeu o servo e mandou que fosse castigado até que pagasse a dívida toda.
**Obs.: Esta parábola é importantíssima. Leia de novo e medite sobre a aplicação dela na sua vida. Temos que aprender como perdoar outros do íntimo, ou seremos banidos da face de Deus para sempre!
Mateus 19
19:1-2
Jesus deixou a Galiléia pela última vez antes da crucificação. Ele foi para o lado oriente do rio Jordão, indo para o sul. As multidões o seguiram, e ele continuou as curando.
19:3-12
Os fariseus perguntaram sobre o divórcio, e Jesus citou o mandamento original dado por Deus: Um homem se une a uma mulher. Nada de divórcio no plano original.
Os fariseus perguntaram outra vez, citando a lei de Moisés, tentando justificar o divórcio por qualquer motivo.
**Obs.: A passagem citada na pergunta deles é Deuteronômio 24:1-4. Uma examinação cuidadosa daquele texto mostra que os primeiros três versículos explicam (não autorizam) a situação (a conjução condicional "se" aparece 6 vezes nos primeiros 3 versículos). A única ordem dada é a do versículo 4: que o primeiro marido que manda embora sua esposa, não pode tomá-la de novo depois de ela se casar com outro homem. Este trecho não autorizou o divórcio, nem o segundo casamento. Simplesmente proibiu, numa circunstância bem definida, que o primeiro marido casasse de novo com a mesma mulher.
Jesus afirmou que qualquer tolerância de divórcio sob a lei de Moisés não representava a intenção original de Deus: "não foi assim desde o princípio".
No versículo 9, Jesus dá a sua palavra sobre o assunto. Da mesma forma que ele introduziu os grandes princípios do reino em Mateus 5, ele começa aqui: "Eu, porém, vos digo".
A regra básica que ele colocou é a mesma que encontramos em Lucas 16:18 e Marcos 10:11-12: Quem repudiar sua mulher e casar com outra comete adultério, e aquele que casar com a repudiada comete adultério.
Mas, Jesus acrescentou uma exceção importante que não está relatada nos outros evangelhos: "não sendo por causa de relações sexuais ilícitas". Esta exceção aplica somente à primeira parte do versículo. O sentido é este: Quem repudiar a sua mulher por qualquer outro motivo e casar com outra, comete adultério, mas quem repudiar sua mulher por causa de relações sexuais ilícitas e casar com outra, não comete adultério.
**Obs.: Em nenhuma passagem encontramos a exceção dada à pessoa repudiada. A pessoa repudiada, independente de motivo, não tem autorização para casar de novo enquanto vive o primeiro conjuge (veja Romanos 7:2-3).
Os discípulos perceberam que o ensinamento de Jesus é rígido, e acharam melhor não casar!
Jesus sugeriu que há três tipos de eunucos:
(1) de nascença (algum defeito congênito)
(2) feitos por homens (como o caso de servos de rainhas que foram castrados, veja Atos 8:27)
(3) feitos por si mesmos por causa do reino dos céus (homens que aceitam o celibato por causa da vontade de Deus. Neste contexto, alguém que continua solteiro porque Deus não permite outro casamento)
19:13-15
Mais uma vez, Jesus aceitou as crianças e as usou como exemplo para mostrar a atitude que precisamos para entrar no reino dos céus.
19:16-22
Um jovem rico perguntou para Jesus, querendo saber como obter a vida eterna.
Ele afirmou que obedecia todos os mandamentos citadas, mas Jesus ainda exigiu mais. Jesus percebeu que as riquezas dele impediam a salvação (veja Colossenses 3:5–avareza é idoltaria), e falou que ele teria que abrir mão das suas posses.
O jovem se retirou triste.
**Obs.: O que você não venderia para ser salvo? Às vezes, nosso problema é outro. Talvez riquezas não são seu problema. Qualquer coisa que valorizamos mais do que a salvação acaba sendo nosso ídolo. Abra mão de qualquer ídolo que está entre você e Jesus!
19:23-30
Jesus, de novo, surpreendeu os apóstolos com seu ensinamento radical: os ricos dificilmente entrarão no reino dos céus. Como assim? Se as pessoas mais privilegiadas neste mundo não alcançarão o céu, qual chance têm os pobres? "Isto é impossível aos homens, mas para Deus tudo é possível."
O sacrifício traz benefícios. Se deixar bens materiais e até família para servir a Jesus, ganhará uma família espiritual muito maior e a vida eterna. Vale a pena!
Mateus 20
20:1-16
Esta parábola ensina sobre a grande diferença entre a graça e o mérito.
Jesus começa com a palavra "porque", mostrando uma ligação entre esta parábola e o trecho anterior. O jovem rico tinha observado os mandamentos, mas ainda não estava preparado para entrar no reino. Os comentários de Jesus depois do encontro com o rico mostram que o reino dele não segue os padrões do mundo. Ele opera na base de graça, não na de mérito.
O dono da vinha contratou trabalhadores desde cedo de manhã, chamando mais às 9:00, às 12:00, às 15:00 e às 17:00 horas.
No fim do dia, ele pagou os trabalhadores, começando com os que trabalharam menos. Ele deu o mesmo valor (um denário, o valor normal de um dia de serviço) para todos. Os que trabalharam o dia todo reclamaram, porque não acharam justo o ato dele.
O dono defendeu sua generosidade com os últimos, dizendo que ele era "bom" e que os que reclamaram tinham olhos maus.
**Obs.: Podemos aprender muitas coisas aqui, até coisas que ajudam quando nos preocupamos demais com "justiça" e nossos supostos "direitos". Mas o ponto principal é sobre o reino dos céus. O dono da vinha é Deus. Ele não paga seus servos na base de mérito (nós todos merecemos a perdição). Ele nos recompensa pela bondade dele. Se alguém que trabalhou menos do que outros recebe a mesma recompensa, Deus deve ser louvado por sua bondade.
20:17-19
Esta é a terceira vez, no relato de Mateus, que Jesus predisse a sua morte (veja 16:21; 17:22-23). Esta vez ele acrescenta um detalhe até então desconhecido: ele seria crucificado.
20:20-23
A mulher de Zebedeu chegou, junto com seus filhos, Tiago e João, para pedir que Jesus desse para eles posições altas no reino dele.
Jesus perguntou se estavam preparados para beber o mesmo cálice que ele beberia. Responderam que sim.
Jesus disse que, de fato, beberiam o cálice, mas que Deus já tinha definido que tipo de pessoa teria as posições que eles pediram.
**Obs.: O cálice representa o sofrimento (26:39,42). Tiago seria o primeiro dos apóstolos mortos por causa de Cristo (Atos 12:1-2). João, na sua velhice, ainda passou por tribulações por causa do evangelho (Apocalipse 1:9).
20:24-28
Os outros apóstolos se indignaram contra Tiago e João. A resposta de Jesus mostra que o motivo desta reação foi a inveja deles. Todos queriam a mesma coisa que Tiago e João pediram.
De novo, Jesus explicou que o reino dele não seria igual aos reinos dos homens. Os maiores no reino dos céus é aquele que serve mais.
20:29-34
Jesus, passando por Jericó, curou dois cegos.
Jesus deixou a Galiléia pela última vez antes da crucificação. Ele foi para o lado oriente do rio Jordão, indo para o sul. As multidões o seguiram, e ele continuou as curando.
Mateus 21
Chegamos à última semana do ministério de Jesus. Em menos de sete dias, ele será crucificado. Esta semana é de sumo importância em todos os relatos do evangelho, ocupando mais de 25% dos capítulos deles. Devemos prestar atenção às últimas palavras e aos últimos atos do Salvador.
21:1-11
A entrada de Jesus em Jerusalém mostrou uma mistura de realeza e humildade, enquanto ele cumpriu profecias do Velho Testamento.
Ele recebeu o louvor das multidões durante sua chegada à cidade.
21:12-17
Jesus expulsou os cambistas e vendedores do templo, porque usavam o templo de uma maneira errada.
**Obs.: Esta é a segunda vez que Jesus purificou o templo. A primeira aconteceu três anos antes (João 2:13-22).
**Obs.: Jesus entendeu que o templo foi dedicado ao serviço do Senhor, e reprovou os homens que o usaram para outras finalidades. Hoje, quando dedicamos alguma coisa ao serviço exclusivo do Senhor, não devemos a profanar (fazer comum). Pense nas aplicações deste princípio em relação à oferta ou às coisas compradas com o dinheiro da oferta. Se o dinheiro foi dedicado ao trabalho do Senhor, devemos usá-lo exclusivamente no serviço do Senhor.
21:18-22
Voltando de Betânia para Jerusalém, Jesus amaldiçoou uma figueira que não tinha fruto.
**Obs.: Esta árvore já tinha folhas, e o fruto nasce na figueira antes ou junto às folhas. Um figueira com folhas e sem figos não produz figos naquele ano.
**Obs.: O que aprendemos deste milagre? (1) O poder da fé, a lição que Jesus ensinou aos apóstolos. (2) Um exemplo do julgamento de Deus sobre o povo de Israel. Jerusalém já tinha folhas, mas não estava produzindo fruto. Seria amaldiçoada por Jesus.
21:23-27
Quando Jesus chegou ao templo, os líderes o encontrou e perguntaram sobre a autoridade que ele tinha para estar fazendo coisas no templo.
Jesus citou o batismo de João e perguntou se veio do céu ou dos homens.
Eles discutiram entre si e decidiram não responder. Jesus recusou responder à pergunta que eles fizeram.
**Obs.: Que ironia! Estes homens se achavam capazes de administrar as coisas sagradas de Deus, mas eram incapazes de identificar a origem de uma doutrina bem conhecida entre o povo!
**Obs.: "Do céu ou dos homens?" Um boa pergunta. Faríamos bem fazendo a mesma pergunta sobre as nossas práticas hoje. Se uma coisa veio de Deus, devemos fazer como ele ordenou. Mas, se é dos homens, não faz parte do nosso serviço ao Senhor. Infelizmente, muitas pessoas hoje são mais preocupadas em agradar aos homens do que em fazer a vontade do Pai.
21:28-32
Jesus falou que os pecadores do mundo que arrependem entrarão no reino dele antes dos líderes religiosos. Na sua arrogância, rejeitaram o Salvador.
21:33-46
Numa de suas parábolas mais ofensivas, Jesus comparou os líderes dos judeus aos lavradores maus que expancaram e mataram os servos do dono da vinha, e, afinal de todos, mataram o próprio filho dele. O resultado seria a ira do dono da vinha, destruindo os lavradores maus.
Ele explicou que eles, como construtores, haviam rejeitado a pedra principal escolhida por Deus.
**Obs.: A pedra angular era usada como a pedra principal da construção. O construtor escolheria cuidadosamente uma pedra perfeita, pois os ângulos do edifício seria medido dela. Se a corte da pedra não foi perfeita, o prédio não seria reta. Deus mandou uma pedra perfeita para fazer o edifício dele, e os líderes religiosos a rejeitaram!
Mateus 22
22:1-14
A parábola das bodas mostrou a atitude dos religiosos da época de Jesus. Foram convidados à festa, mas desprezaram o rei e não foram. Alguns até maltrataram os servos do rei.
O rei mandou convidar pessoas mais humildes, representando os publicanos e pecadores (veja 21:32). Estas pessoas aceitaram o convite.
Mesmo assim, o rei encontrou uma pessoa na festa usando trajes inadequadas. Quando o homem não tinha como se defender, o rei mandou que ele fosse castigado.
**Obs.: Esta parábola oferece várias lições importantes. Duas merecem destaque especial: (1) Aos religiosos, Jesus ensinou que aquele que despreza o convite do rei será deixado fora do reino dele. (2) Aos mais humildes, Jesus mostrou a importância de entrar e ficar no reino nos termos que agradam ao rei. Compare Romanos 11:11-24.
22:15-22
Os fariseus se ajuntaram aos herodianos para preparar uma armadilha para Jesus. Inventaram uma pergunta na qual qualquer resposta ofenderia alguém.
A pergunta deles: É lícito pagar impostos ao governo romano?
A resposta de Jesus: A moeda tem a imagem de César, então pode dar para ele o que é dele, e para Deus o que é de Deus.
**Obs.: Além de ensinar um princípio importante que ajuda os cristãos a se portarem bem no mundo hoje, cumprindo as suas obrigações aos governos humanos, Jesus mostrou grande sabedoria em relação aos interrogadores. Ao invés de ofender uma seita para satisfazer a outra, ele respondeu a qualquer argumento que fariam antes de eles falarem.
25:23-33
Agora, é a vez dos saduceus, uma seita que negava a ressurreição de entre os mortos.
A pergunta deles: Eles inventaram um caso de uma viúva que casou, successivamente, com sete irmãos e, depois, morreu sem ter filhos. Na ressurreição, ela será esposa de qual deles?
A resposta de Jesus: Jesus respondeu a pergunta, e também respondeu à idéia errada atrás da pergunta. (1) Ela não será esposa de ninguém, porque o casamento continua somente nesta vida. (2) Quanto à ressurreição, eles erraram na ignorância, não percebendo que Deus falava dos mortos como pessoas ainda vivas.
**Obs.: A idéia dos mórmons, ou qualquer outro grupo que ensina que o casamento continua após a morte, não tem apoio bíblico. O casamento dura até a morte de um dos companheiros (Romanos 7:2).
**Obs.: Jesus fez um argumento aqui baseado no tempo de um verbo usado numa passagem bem antiga. Nós devemos ter o mesmo cuidado no estudo da palavra de Deus. As palavras têm sentido!
22:34-40
Um fariseu fez outra pergunta para Jesus: "Qual é o grande mandamento na lei?"
A resposta de Jesus: O primeiro mandamento é amar a Deus, e o segundo é amar ao próximo.
**Obs.: Talvez eles procurassem envolver Jesus nas disputas deles sobre os mandamentos mais importantes. Alguns deles enfatizavam muito o sábado. A resposta de Jesus foi sábia, e frisou o princípio fundamental de qualquer lei de Deus, o amor.
22:41-46
Esta vez, Jesus perguntou para os fariseus: O Cristo é filho de quem?
Eles responderam: De Davi.
Daí, Jesus pediu que eles explicassem por que Davi chamou o Cristo de "Senhor", pois é entendido que o pai é maior que o filho.
Ninguém lhe interrogou mais!
Mateus 23
Neste capítulo, Jesus deixa de ser atacado pelas seitas e ele mesmo critica os líderes religiosos judeus, especificamente os escribas e fariseus. Ao invés de ver a última semana como a semana que os judeus julgaram Jesus, devemos entender que foi a semana que Jesus avisou os judeus sobre o julgamento que viria. O capítulo 23 explica alguns dos motivos do juízo, e o capítulo 24 fala sobre o castigo em si.
23:1-12
Jesus falou aos seus discípulos e aos multidões, usando linguagem clara, sobre os problemas dos fariseus e escribas. Disse que eles ensinavam muitas coisas boas, mas que não praticavam as mesmas.
Jesus acusou esses líderes religiosos de praticar a sua religião para serem vistos e honrados por homens. Foi justamente contra tal atitude que Jesus tinha falado no sermão do monte (veja Mateus 6:1-18).
Jesus condenou a prática de usar títulos de honra (como Mestre, Pai e Guia) para engrandecer homens.
**Obs.: Esses mesmos termos são usados para descrever a função de algumas pessoas no reino de Deus (Efésios 4:11; Tiago 3:1; Hebreus 13:7,17,24), ou seu relacionamento espiritual com outros (1 Coríntios 4:14-15; 1 Timóteo 1:18). O problema não está nas palavras "mestre", "pai" e "guia", mas na idéia de exaltar alguns homens acima de outros, dando-lhes glória. O uso de qualquer descrição (mestre, pai, padre, pastor, bispo, evangelista, irmão, etc.) como título de honra e exaltação fere o princípio que Jesus ensinou.
Em contraste com a exaltação dos fariseus e escribas, Jesus ensinou o serviço humilde.
23:13-36
Numa série de advertências severas, Jesus criticou as atitudes dos líderes religiosos. Observe alguns pontos importantes:
Eles nem entravam no reino de Deus, nem deixavam outros entrarem.
Eles inventavam regrinhas para evitar o sentido da lei de Deus.
Enfatizavam as coisas pequenas, embora importantes (como dízimos de hortelã), e deixavam de praticar as coisas mais "pesadas" da vontade de Deus (justiça, misericórdia e fé).
**Obs.: De novo, Jesus emprega uma imagem engraçada. Imagine alguém coando uma bebida ou sopa para não deixar passar um mosquito (o menor dos animais imundos na lei de Moisés), enquanto engole um camelo (o maior dos animais imundos)!
**Obs.: Algumas pessoas usam o versículo 23 para exigir o dízimo hoje em dia. Temos que lembrar que Jesus viveu sob a lei de Moisés (Gálatas 4:4) e a respeitou. Ele, em diversas ocasiões, incentivou os judeus a serem fiéis em relação à lei: dando o dízimo (23:23), cumprindo as leis de purificação (8:4), pagando o imposto do templo (17:24-27), e guardando os dias especiais (26:19; João 2:13; 7:2,10), etc. Mas, o ensinamento dele preparou seus seguidores para entender que a lei de Moisés seria cumprida e removida (veja 5:17-20; Marcos 7:19; Gálatas 3:23-29).
Jesus censurou os escribas e fariseus por sua hipocrisia, fingindo ser fiéis a Deus quando eram, de fato, pessoas imundas.
Jesus deixou bem claro que o castigo deles viria naquela mesma geração.
23:37-39
Jesus condenou os líderes, mas se compadeceu dos seguidores, o povo de Jerusalém. Ele queria salvar todos, mas sabia que o povo o rejeitaria. Este lamento introduz o tema do capítulo 24, a profecia da destruição de Jerusalém.
Mateus 24
Este capítulo tem sido malentendido e usado de uma maneira incorreta para defender uma grande variedade de doutrinas sobre a volta de Jesus. Antes de começar a examinar detalhadamente o conteúdo, leia o capítulo inteiro. Daí, será mais fácil entender a mensagem de Jesus.
24:1-2
Saindo do templo com seus apóstolos, Jesus disse que o templo seria destruído.
24:3
No monte das Oliveiras, os apóstolos pediram uma explicação da profecia.
24:4-35
Jesus explicou esta profecia sobre a destruição do templo.
Ele falou dos sinais que aconteceriam antes do cumprimento da profecia:
- A chegada de falsos profetas, alegando ser o Cristo.
- Diversas calamidades: guerras, terremotos, fomes.
- Perseguições.
- A pregação do evangelho a todas as nações.
Ele disse que eles reconheceriam a hora da destruição pela chegada do "abominável da desolação".
A fuga seria rápida, sem tempo para voltar à casa e buscar as posses.
Seria um período de grande tribulação e sofrimento.
Através desta profecia, os seguidores de Jesus foram avisados.
Este julgamento seria uma vinda de Jesus para abalar os poderes (representados pelo sol, a lua e as estrelas) e proteger seus escolhidos.
Jesus afirmou que estes sinais avisariam sobre a destruição iminente.
Ele acrescentou a afirmação que tudo isso aconteceria naquela mesma geração.
**Obs.: O versículo 34 é a chave para entender esta profecia. Jesus mesmo falou que a profecia (tudo que ele tinha falado até este versículo) seria cumprido durante aquela geração. Qualquer interpretação que sugere um cumprimento depois do primeiro século contraria as palavras de Jesus! De fato, a profecia foi cumprida na destruição de Jerusalém e do templo pelos romanos, no ano 70 d.C.
24:36-44
**Obs.: Na pergunta dos apóstolos (24:3), é bem provável que eles não entenderam a diferença entre a destruição do templo e a consumção do século. Mas, na resposta de Jesus, ele trata dos dois assuntos separadamente. Até versículo 35, está claramante falando sobre a destruição de Jerusalém. Algumas pessoas acham que ele continua nesse mesmo assunto até o fim do capítulo 24, e que começa a falar sobre o julgamento final no capítulo 25. Parece para mim, porém, que ele já entra no assunto do julgamento final a partir de 24:36.
Enquanto Jesus ofereceu vários sinais para identificar a hora da destruição do templo, ele não deu sinal nenhum para saber "daquele dia e hora" da segunda vinda.
As ilustrações dos versículos 37-44 enfatizam duas coisas: (1) Que haverá uma separação entre pessoas no julgamento. (2) Que é importante estar sempre preparado para a vinda do Senhor.
24:45-51
Esta parábola enfatiza a importância de estar preparado. Aquele servo que relaxa, achando que o Senhor demorará, será surpreendido pela volta de Jesus.
Mateus 25
A primeira parte deste capítulo contém mais duas parábolas sobre a importância de estar preparados para o julgamento que Jesus trará. Na última parte, encontramos uma descrição do julgamento, e da separação eterna que ele fará entre as ovelhas e os cabritos.
25:1-13
A parábola das dez virgens.
As dez virgens saíram para encontrar o noivo e participar do casamento.
Cinco delas foram bem-preparadas, e levaram azeite para manter as lâmpadas acesas.
As outras cinco não levaram azeite, e as lâmapadas começaram a se apagar na hora que o noivo estava chegando.
As preparadas entraram nas bodas, mas as outras foram rejeitadas.
Devemos vigiar, pois Jesus pode voltar a qualquer hora. Somente os preparados entrarão no descanso eterno que ele oferece.
**Obs.: Nesta parábola, com em várias outras, há uma tendência da parte de muitos comentaristas e teólogos a dar significados especiais a cada elemento da parábola, a usando para ensinar muitas coisas que Jesus não falou. Ao invés de inventar uma simbologia especial nas coisas mínimas da parábola, devemos aprender a lição que Jesus ensinou através dela: "Vigiai, pois, porque não abeis o dia nem a hora."
25:14-30
A parábola dos talentos.
**Obs.: O talento equivale a 6.000 denários. O denário era o valor de um dia de serviço (20:2). Um talento, então, seria o equivalente a aproximadamente 20 anos de salário de um trabalhador. Nesta parábola, até o menor dos três servos recebeu um valor enorme.
O servo que recebeu 5 talentos investiu o dinheiro bem e ganhou mais 5.
Aquele que recebeu 2 talentos também fez bem, e ganhou mais 2.
O terceiro servo escondeu o único talento que recebeu, e não aplicou o dinheiro para ganhar nada para o dono.
Depois de muito tempo, o dono do dinheiro e senhor dos servos voltou.
Ele elogiou os primeiros dois servos e lhes deram cargos maiores.
O terceiro tentou explicar o motivo por não ter investido o dinheiro, mas o senhor dele não aceitou suas desculpas.
Ele tirou o talento deste servo e o deu àquele que já tinha 10.
O servo inútil foi lançado fora, para sofrer nas trevas.
**Obs.: A palavra "talento", depois da época de Jesus, passou a ter um sentido diferente. Entre as definições no Aurélio, encontramos estas palavras: Aptidão natural, ou habilidade adquirida; inteligência excepcional; engenho. Mas, talento nesta parábola é uma unidade de peso que representa um valor monetário. Na parábola, os servos já tinha capacidade (25:15), e receberam do senhor deles os talentos. Entendido assim, esse aspecto da parábola representa nossas responsabilidades (dadas por Deus de acordo com nossa capacidade). Devemos cuidar bem dos deveres e das oportunidades que Deus nos concede.
25:31-46
Jesus encerra este ensinamento com uma descrição do julgamento. Devemos observar vários pontos importantes:
Há um julgamento de todos, os bons e os maus (compare João 5:28-29, onde Jesus afirma que todos serão ressuscitados na mesma hora).
Há uma separação baseada nas coisas feitas durante a vida aqui (veja 2 Coríntios 5:10).
Jesus enfatiza nessa parábola a importância de atos de bondade e caridade (veja Tiago 2:14-17, onde a fé é ligada à caridade).
Quando fazemos algo para um dos pequenos servos de Jesus, estamos fazendo para ele.
Jesus ensinou, no mesmo versículo, que existe vida eterna e castigo eterno. Mesmo assim, existem falsos mestres hoje que ensinam a vida eterna e negam o castigo eterno. O próprio Jesus afirmou que existe o céu, e que existe o inferno.
Mateus 26:1-25
26:1-5
Jesus mostrou claramente que ele e seu Pai estavam controlando a seqüência dos eventos nos últimos dias da vida dele. Jesus até falou o dia da crucificação antes dos líderes judeus tomarem sua decisão sobre como prendê-lo.
Jesus disse que ele seria entregue no dia da Páscoa para ser crucificado.
Os líderes judeus se reuniram para decidir como matá-lo, mas acharam melhor esperar até depois da festa.
**Obs. A festa da Páscoa foi seguida por sete dias de pães asmos, por um total de oito dias de festa. Durante esses dias, Jerusalém se encheu de visitas de outros lugares.
26:6-13
Jesus estavam em Betânia (onde ele costumava ficar cada noite durante os últimos dias) na casa de Simão, o leproso, quando uma mulher o ungiu com bálsamo.
Os discípulos criticaram o ato da mulher, dizendo que o dinheiro poderia ter sido usado para ajudar os pobres. João 12:4-6 mostra que esta crítica veio de Judas, porque ele furtava dinheiro da bolsa.
**Obs.: Segundo o relato de João 12:1-8, isso tinha acontecido alguns dias antes. Mateus e Marcos incluem este relato no contexto das preparações para a crucificação, pois Jesus falou que ela o ungiu para seu sepultamento.
**Obs.: João diz que foi Maria (irmã de Marta e Lázaro) que fez isso.
26:14-16
Judas Iscariotes fez um pacto com os líderes judeus para entregar Jesus.
26:17-19
Jesus mandou os discípulos a prepararem para celebrar a Páscoa.
26:20-25
Jesus reclinou à mesa com os doze apóstolos para comer a Páscoa.
Ele falou que um deles o trairia.
Eles ficaram tristes e começaram a perguntar: "Sou eu, Senhor"?
Ele identificou Judas como o traidor.
Mateus 26:26-46
26:26-30
Durante a Páscoa, Jesus instituiu a Ceia do Senhor, mostrando para os apóstolos como será feito depois, no reino dele.
**Obs.: Quando estudamos sobre a Ceia, é importante ajuntar as informações contidas em vários trechos do Novo Testamento. Por exemplo, temos quatro relatos desta Ceia, nos ensinando como fazer (Mateus 26:26-29; Marcos 14:22-25; Lucas 19:19-20; 1 Coríntios 11:23-26). Textos como 1 Coríntios 11:17-34 nos ensinam sobre as atitudes certas quando tomamos a Ceia. Atos 20:7 revela o dia que devemos tomá-la.
A Ceia é uma maneira simples de lembrar da morte de Jesus. Depois de uma oração agradecendo pelo pão (que representa o corpo de Jesus), todos participam do pão. Então, há mais uma oração agradecendo pelo cálice (fruto da videira representando o sangue de Jesus) e todos bebem do cálice. Devemos observar a Ceia de acordo com este exemplo de Jesus, pois nenhum homem tem autoridade para mudar o que Jesus fez.
Depois da Ceia, Jesus e os apóstolos cantaram um hino e foram até o monte das Oliveiras.
26:31-35
Jesus falou que ele seria tomado na mesma noite, e marcou um encontro com eles depois da ressurreição.
Pedro disse que ele nunca tropeçaria por causa de Jesus.
Jesus disse que, apesar das afirmações de Pedro, que este o negaria três vezes naquela noite.
Pedro e os outros apóstolos não acreditaram que fosse possível um deles negar a Jesus.
26:36-46
No jardim de Getsêmani, Jesus pediu que os apóstolos aguardassem enquanto ele foi orar. Ele levou Pedro, Tiago e João consigo.
As orações dessa noite mostram a angústia que Jesus sentiu enquanto tomava os últimos passos na sua missão. Ele não queria morrer, mas reconheceu a importância de fazer a vontade do Pai, e não a sua própria vontade.
Enquanto Jesus orava, os apóstolos dormiram.
**Obs.: Jesus sofreu sozinho. Ele tinha chegado à hora mais difícil da sua vida, e os melhores amigos dele no mundo falharam. Não entenderam seu sofrimento. Não dividiram sua tristeza. Não confortaram o Salvador sofredor. Não apoiaram a sua decisão de se submeter a vontade do Pai. Jesus enfrentou esta batalha sozinho.
**Obs.: Quando continuamos a leitura, veremos a diferença que esta oração fez. Jesus entrou no Getsêmani se sentindo fraco, precisando de conforto e ajuda. Ele enfrentou a maior tentação de sua vida com muita oração. Os apóstolos entraram no jardim se sentindo fortes. Nunca negariam a Jesus! Enquanto ele orava, eles dormiram. Como o "fraco" se tornou forte e os "fortes" se tornaram fracos. Vamos ver no próximo trecho a maneira que todos agiram quando os soldados e judeus chegaram com Judas Iscariotes!
Mateus 26:47-75
26:47-56
Como observamos no último estudo, houve uma diferença entre Jesus e os apóstolos no Getsêmani. Estes dormiram enquanto aquele orou. Saindo do jardim, Jesus estava pronto para enfrentar o inimigo e prosseguir com determinação até ao fim da sua missão. Mas os discípulos, que não foram fortalecidos na oração, fracassaram na hora de tentação.
Quando Judas chegou para o trair, Jesus não resistiu e não perdeu controle da situação. Jesus agiu de livre vontade, dentro do plano eterno de Deus (veja João 10:17-18).
Um dos apóstolos (Pedro, João 18:10) puxou a espada e cortou a orelha do servo do sumo sacerdote. Jesus o repreendeu, mostrando que ele não se defenderia com violência. Aqui podemos ver o grande poder de Jesus. Tendo condições de chamar 72.000 anjos, ele se submeteu com mansidão aos homens, para cumprir a vontade do Pai e para salvar os pecadores.
Jesus mostrou a covardia dos judeus, pois optaram o prender com força à noite, ao invés de o fazer abertamente quando ele estava no templo.
26:57-68
Os líderes judeus (o Sinédrio) se reuniram na casa de Caifás, o sumo sacerdote.
Pedro seguiu de longe, querendo acompanhar os procedimentos.
O propósito deste "julgamento" não era de determinar a verdade. Eles se reuniram com a intenção de condenar Jesus à morte. Só que faltava motivo; para esse fim, procuraram testemunhas falsas.
A melhor acusação que conseguiram arrumar foi que ele havia falado: "Posso destruir o santuário de Deus e reedificá-lo em três dias". Jesus nem respondeu à acusação.
Então, o sumo sacerdote falou: "Eu te conjuro pelo Deus vivo que nos digas se tu és o Cristo, o Filho de Deus".
Jesus falou "Tu o disseste", e acrescentou um comentário sobre a exaltação dele.
O sacerdote o acusou de blasfêmia, e ficou satisfeito que eles haviam encontrado motivo suficiente para matá-lo.
26:69-75
Como Jesus tinha profetizado, Pedro o negou três vezes naquela noite. Depois, ele saiu e chorou.
**Obs.: Qual a diferença entre Pedro e Judas. Este traiu e aquele negou. Os pecados são igualmente terríveis. A diferença vem depois. Pedro saiu e chorou, arrependido. Judas, como veremos no próximo estudo, saiu e fugiu da presença de Jesus.
Mateus 27:1-32
27:1-2
Os líderes judeus entregaram Jesus a Pilatos, o governador.
**Obs.: Os judeus não tinham autoridade, sob domínio romano, para praticar a pena de morte. Eles entregaram Jesus ao governador, esperando convencê-lo da "culpa" dele.
27:3-10
Judas viu que Jesus foi condenado, sentiu remorso, e devolveu o dinheiro da traição aos líderes judeus.
**Obs.: Remorso por causa da conseqüência. Judas, como muitas pessoas, não pensou em todas as conseqüências quando ele pecou. Ele fez o que quis na hora, sem pensar nos resultados que viriam depois. Ele sentiu remorso, mas o remorso dele não mudou o resultado e nem o levou ao arrependimento verdadeiro.
Judas saiu e se suicidou.
Os principais sacerdotes, não querendo sujar o cofre do templo com o dinheiro de sangue, usaram o dinheiro para comprar um cemitério.
27:11-26
Jesus foi julgado por Pilatos. O governador se admirou com a maneira calma de Jesus, e com o fato que este não se defendeu contra as acusações feitas.
Era o costume do governador soltar um preso durante a festa dos judeus. Ele achou que daria para soltar Jesus. Então, ele lhes deu uma escolha entre Jesus e Barrabas, um criminoso bem conhecido.
O plano do governador não deu certo. O povo pediu a liberdade do criminoso e a morte de Jesus.
Pilatos lavou as mãos para simbolicamente se livrar da culpa, e entregou Jesus para ser crucificado.
O povo aceitou a culpa pelo sangue de Jesus.
**Obs: Culpa pelo sangue de Cristo. E claro que o povo judeu não entendeu o significado destas palavras. Eles assumiram a responsabilidade por um crime contra o Criador do Universo! Ainda bem que Jesus se mostrou disposto a perdoá-los (veja Lucas 23:34).
27:27-32
Pilatos entregou Jesus aos soldados que o maltrataram antes de levá-lo para ser crucificado.
Simão, um cireneu, foi obrigado a carregar a cruz de Jesus.
Mateus 27:33-66
A crucificação de Jesus é um evento de tanta importância que um estudo rápido com este não é o suficiente. Além de ler o texto e pensar sobre o significado das palavras, procure meditar sobre o significado do evento em si. A morte de Jesus é a nossa única esperança. Jesus Cristo e este crucificado é o único tema da pregação do evangelho. O nosso estudo será rápido, mas a importância dos eventos daquele dia é eterna.
27:33-44
Jesus foi conduzido até Gólgota, o "Lugar da Caveira" onde foi crucificado. Os soldados que o pregaram na cruz eram tão apáticos que repartiram as vestes de Jesus e sentaram perto da cruz enquanto ele sofria.
A acusação "Este é Jesus, o Rei dos Judeus" foi colocada acima da cabeça de Jesus.
Dois ladrões foram crucificados com ele (um de cada lado).
As pessoas que passaram blasfemaram a Jesus, pedindo para ele se salvar.
**Obs.: Ele poderia ter descido da cruz. Ele poderia ter chamado 12 legiões de anjos. Mas, o desejo de Jesus de obedecer o Pai e salvar os pecadores era mais forte do que qualquer vontade de se proteger. Ele precisou de mais poder para ficar na cruz do que para descer dela!
Até os ladrões blasfemaram a Jesus.
**Obs.: Mateus não comenta sobre o arrependimento de um dos ladrões. Parece que ele, depois de começar a blasfemar a Jesus, percebeu seu erro e se arrependeu.
27:45-56
De 12:00 até as !5:00, houve trevas sobre a terra.
**Obs.: Pessoas que não acreditam nos milagres da Bíblia têm oferecido explicações naturais desse milagre, sugerindo que foi um eclipse solar. A resposta, porém, está na história. Jesus foi crucificado no dia depois da Páscoa, o no dia 15 do mês. Os meses judaicos sempre começaram com a lua nova. Dia 15 seria um dia de lua cheia. Um eclipse solar não pode acontecer com a lua cheia!
Às 15:00 horas, Jesus gritou: "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?", uma citação de Salmo 22.
**Obs.: Deus Pai abandonou Jesus? Enquanto parece difícil acreditar, precisamos lembrar que Jesus morreu por nossos pecados. O salário do pecado é a morte (Romanos 6:23), ou seja, a separação entre Deus e o pecador. Jesus morreu em nosso lugar. Tudo indica que ele, por algum tempo, foi separado do Pai por causa dos nossos pecados. Mesmo sentindo "abandonado", Jesus ainda chamou o Pai de "Deus meu".
Quando Jesus morreu, o véu do templo (a barreira simbólica entre os homens e Deus) rasgou-se de cima para baixo. Jesus, por sua morte, abriu o acesso ao Pai.
Depois da ressurreição de Jesus, outras pessoas saíram dos sepulcros e entraram na cidade.
**Obs.: Por que falar aqui? As ressurreições de outras pessoas aconteceram depois da ressurreição de Jesus, mas são mencionadas aqui. Por quê? Parece que o Espírito Santo quis mostrar os resultados das obras de redenção realizadas por Jesus. Ele morreu, e abriu acesso a Deus. Ele ressuscitou, e mostrou o caminho para outros.
Os guardas observaram tudo e confessaram que Jesus era o Filho de Deus.
Várias mulheres acompanharam a crucificação.
27:57-66
José de Arimatéia, um homem rico, pediu o corpo de Jesus e o sepultou no seu túmulo novo.
Os líderes judeus, preocupados com a possibilidade de alguém roubar o corpo, pediram que Pilatos colocasse guardas para não deixar ninguém tirar o corpo do túmulo.
**Obs.: Como os inimigos ajudaram! Este pedido acaba fortalecendo a nossa fé! Os inimigos de Jesus tomaram precauções para não deixar dúvidas. A única explicação do túmulo vazio e a ressurreição! Mais sobre este assunto no último capítulo do livro.
Mateus 28
28:1-10
Maria Madalena e a outra Maria (evidentemente a mulher de Zebedeu–veja 27:56,61) foram no domingo até o sepulcro.
Houve um terremoto quando um anjo removeu a pedra do túmulo.
Os guardas ficaram com medo.
O anjo consolou as mulheres, dizendo que Jesus não estava lá porque havia ressuscitado. Ele mandou que levassem a notícia aos discípulos para marcar um encontro com Jesus na Galiléia.
No caminho, Jesus encontrou as mulheres e elas abraçaram seus pés e louvaram a ele.
Ele, também, prometeu ir para a Galiléia, e pediu que elas avisassem os irmãos dele.
28:11-15
Os principais sacerdotes ouviram dos guardas sobre a ressurreição, e subornaram os guardas para dizer que os discípulos haviam roubado o corpo.
28:16-20
Jesus encontrou os apóstolos num monte na Galiléia. Eles o adoraram, mas alguns duvidaram (compare João 20:24-31).
Jesus falou com os apóstolos, lhes dando a "Grande Comissão":
A base dessa incumbência: Jesus havia recebido toda autoridade.
O mandamento aos apóstolos: "Ide" e "fazei discípulos".
Para fazer discípulos, teria que fazer duas coisas:
Batizar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Ensinar as pessoas a guardar todos os mandamentos.
**Obs.: A autoridade de Jesus é o fundamento da pregação do evangelho. Sem reconhecer sua autoridade absoluta, não teríamos motivo para obedecê-lo.
**Obs.: Para ser discípulos, temos que ser batizados, e também temos que assumir o compromisso de obediência total a Jesus.
**Obs.: Através do batismo, nós entramos em comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Bem aventuranças
1. Introdução
"O Evangelho do Reino"
O ponto de vista do Novo Testamento sobre o sermão é melhor entendido na introdução que lhe fez Mateus. O Sermão da Montanha é "o evangelho do reino" (Mateus 4:23). Isto deveria servir para esclarecer duas coisas: Primeiro, que ele não é meramente a exposição da lei e, segundo, que suas bênçãos e princípios éticos não são atingíveis pelos não convertidos. Este é um sermão para os cidadãos do reino. A salvação, e não a reconstrução social, é seu alvo e os homens de sabedoria mundana estão destinados a jamais entendê-lo.
O relato de Lucas (Lucas 6:12-49) coloca o sermão no segundo ano da pregação pública do Senhor, no auge de sua popularidade, uma popularidade em que ele nunca confiou (João 2:23-25) e que se verificou ser de pouca duração (João 6:66). Aqueles tempos parecem ter sido caracterizados por um grande entusiasmo religioso, que era tanto desorientado como superficial.
O Sermão da Montanha permanece como uma explanação da verdadeira natureza do reino de Deus. É um sermão proferido na História e serve para responder às questões que, naturalmente, seriam levantadas pelo anúncio em Israel do iminente aparecimento do reino (Mateus 3:1; 4:17). Mais ainda, o caráter totalmente inesperado do pregador e o acirrado conflito entre Jesus e os fariseus estavam para provocar ainda maior preocupação entre aqueles que primeiro ouviram o grito: "Está próximo o reino dos céus!"
O discurso de Jesus na encosta de um monte galileu não é, na realidade, um mero sermão. Ele mais se aproxima de um manifesto do reino de Deus. Há mais ensinamento de Jesus do que este, mas aqui sentimos a verdadeira essência da verdade do reino; e o negligenciaremos com nosso próprio risco. Porque ele trata de atitudes, o sermão permanece na entrada do reino de Deus tanto quanto em seus mais exaltados planos. Ele não é somente carne para os maduros mas um desafio àquele que faz sua primeira aproximação ao domínio e à justiça do céu.
2. As Bem-aventuranças: O Caráter dos Cidadãos do Reino
Jesus abriu este importante sermão com uma série de oito declarações, pungentes e paradoxais, tradicionalmente conhecidas como as "bem-aventuranças" (Mateus 5:2-12). Elas devem ter caído como raios sobre aqueles ouvidos judeus do primeiro século. Uma fórmula para sucesso mais improvável poderia dificilmente ter sido imaginada. Elas assaltavam cada conceito da sabedoria convencional e deixavam o ouvinte chocado e perplexo. Deste modo, Jesus captura a atenção de sua audiência e insiste no caráter essencial do reino de Deus e seus cidadãos.
O mundo todo, então como agora, estava em busca, diligentemente, da felicidade e tinha tampouco uma concepção de como obtê-la, como os homens de hoje. Não houve surpresa no anúncio de que havia verdadeira bem-aventurança no reino. O choque veio com o tipo de povo que estava destinado a obtê-la.
As bem-aventuranças falam exclusivamente de qualidades espirituais. As preocupações históricas do homem, riqueza material, condição social e sabedoria secular, não recebem simplesmente pouca atenção, elas não recebem nenhuma. Jesus está claramente esboçando um reino que não é deste mundo (João 18:36), um reino cujas fronteiras não passam através de terras e cidades, mas através dos corações humanos (Lucas 17:20-24). Este reino totalmente improvável chegou, conforme anunciado, no primeiro século (Marcos 9:1; Colossenses 1:13; Apocalipse 1:9), porém muitos estavam despreparados para reconhecê-lo e aceitá-lo, assim como estão hoje.
Deve ser notado, ainda mais, que as qualidades do cidadão do reino não somente eram espirituais, mas são virtudes que o homem não receberia naturalmente. Elas não são o produto da hereditariedade ou do ambiente, mas da escolha. Ninguém, jamais, "cai" displicentemente nestas categorias. Elas não acontecem no homem naturalmente, e são de fato distintamente contrárias à "segunda natureza" que o orgulho e a ambição têm feito prevalecer nos corações de toda a humanidade.
Talvez não haja verdade mais importante a ser reconhecida sobre as bem-aventuranças do que o fato que elas não são provérbios independentes, que se aplicam a oito diferentes grupos de homens, mas são uma descrição composta de cada cidadão do reino de Deus. Estas qualidades são tão entrelaçadas num tecido espiritual que são inseparáveis. Possuir uma é possuir todas e não ter uma é não ter nenhuma. E como todos os cristãos têm que possuir todas estas qualidades de vida no reino, eles estão também destinados a receber todas as suas bênçãos; bênçãos que, como suas qualidades, são apenas componentes de um prêmio; um corpo chamado em uma só esperança (Efésios 4:4).
Em suma, então, as bem-aventuranças não contêm uma promessa de bênção sobre os homens em seu estado natural (todos os homens choram, mas certamente nem todos serão consolados, 5:4) nem de fato oferecem esperança àqueles que parecem cair numa categoria ou noutra. Elas são um quadro composto do que cada cidadão do reino, não somente uns poucos super-discípulos, têm que ser. Elas marcam a diferença radical entre o reino do céu e o mundo dos outros homens. O filho do reino é diferente naquilo que ele admira e valoriza, diferente naquilo que ele pensa e sente, diferente naquilo que ele procura e faz. É claro que, antes, jamais houve um reino como este.
Um reino para os pecadores e os humildes
Tem havido muitas abordagens do conteúdo específico das bem-aventuranças. Muitos sentem que há uma progressão de pensamento evoluindo através delas, que começa com uma nova atitude para consigo mesmo e para com Deus, passa a uma nova atitude para com os outros, e culmina com a reação do mundo a esta mudança radical. Há certo mérito nesta análise e, se tal esquema nítido coincide ou não com a ordem real das bem-aventuranças, as idéias certamente estão ali. Para uma sociedade governada por algumas concepções errôneas sérias do reino de Deus, as bem-aventuranças fazem duas afirmações básicas. Primeiro, que o reino não está aberto aos que se julgam virtuosos e aos presunçosos, mas ao pecador suplicante e vazio que chega procurando por ele. Segundo, que o reino não é para o "poderoso" que obtem o que deseja pela riqueza ou pela violência, mas para uma companhia de homens pacientes, que abrem mão, não somente de suas vontades, mas até dos seus "direitos", em prol das necessidades dos outros.
Ainda que não explicitamente declarado (Jesus não haveria de falar claramente de sua morte até um ano mais tarde, Mateus 16:21), não há nada mais óbvio no seu sermão do que a verdade central do evangelho que a salvação é pela graça de Deus. Aqui o pré-milenarista está palpavelmente errado. Como poderiam homens e mulheres tão famintos de justiça (5:6) e tão necessitados de misericórdia (5:7) encontrar lugar num reino governado por um sistema só de lei? E quem poderia imaginar que cidadãos do reino terrestre imaginado pelos pré-milenaristas haveriam de sofrer perseguição (5:10-12)? A justiça do reino não repousa num sistema de lei, mas sobre um sistema de graça. Seus santos padrões são atingíveis pelos homens pecadores (5:48). De outra maneira, o Sermão da Montanha haveria de ser fonte de maior desespero do que a lei de Moisés (Romanos 7:25).
3. As Bem-aventuranças: "Nada tem Sucesso como o Fracasso"
Talvez não haja melhor afirmação da mensagem das bem-aventuranças (Mateus 5:2-12) do que o pequeno e curioso ditado de G. K. Chesterton: "Nada tem sucesso como o fracasso." Naturalmente, Jesus não estava falando de fracasso real, como Chesterton também não estava, mas do que os homens têm convencionalmente chamado de fracasso. A cruz foi, certamente, um desastre colossal, por qualquer padrão convencional. Ela só parece "certa" a muitos de nós agora porque consentimos em dezenove séculos de tradição bem estabelecida. Não é tão notável, então, que um reino destinado a ser elevado ao poder sobre uma cruz fosse cheio de surpresas e que Jesus dissesse que somente aqueles que fossem fracassos aparentes tinham alguma esperança em suas bênçãos. Nas seguintes bem-aventuranças o Salvador deixa bem claro que o reino do céu pertence não aos cheios, mas aos vazios.
"Bem-aventurados os humildes de espírito" (Mateus 5:3). Jesus começa tocando a fonte do caráter do cidadão do reino: sua atitude para consigo mesmo na presença de Deus. Lucas abrevia esta bem-aventurança para "Bem-aventurados vós os pobres" (6:20) e registra também uma desgraça pronunciada por Jesus sobre os ricos (6:24). Na sinagoga de Nazaré, Jesus havia lido a profecia messiânica de Isaías, dos pobres "mansos" recebendo o evangelho (Isaías 61:1; Lucas 4:18) e mais tarde haveria de, sobriamente, advertir que o rico não entraria facilmente no reino (Lucas 18:24-25). Mas, enquanto é verdade que "a grande multidão o ouvia com prazer" (Marcos 12:37) porque a penúria dos pobres os traz à humildade mais facilmente do que a confortável abundância do rico, o relato que Mateus faz do sermão torna evidente que Jesus não está falando da pobreza econômica. Não é impossível para o pobre ser arrogante nem para o rico ser humilde. Estes "pobres" são aqueles que, possuindo pouco ou muito, tem consciência de seu próprio vazio espiritual.
A palavra grega, aqui traduzida como "humilde", vem de uma raiz que significa abaixar-se ou encolher-se. Ela se refere não simplesmente àqueles para quem a vida é uma luta, mas aos homens que são constrangidos à mais abjeta mendicância porque eles não têm absolutamente nada (Lucas 16:20-21). Aqui ela é aplicada à pecaminosa vacuidade de uma falência espiritual absoluta, na qual uma pessoa é compelida a implorar por aquilo que ela é impotente para obter (Jeremias 10:23), e ao que ela não tem nenhum direito (Lucas 15:18-19; 18:13) mas sem o que ela não pode viver. Mendigar é duro para os homens, (Lucas 16:3), especialmente os orgulhosos e confiantes em si mesmos, mas isto é onde nossos caminhos pecaminosos nos têm levado e não veremos o reino do céu até que encaremos esta realidade com humilde simplicidade.
"Bem-aventurados os que choram" (Mateus 5:4). Os homens têm sido educados para acreditar que lágrimas têm que ser evitadas, para ganhar felicidade. Jesus simplesmente diz que isto não é verdade. Há certa tristeza que tem que ser abraçada, não porque ela é inevitável e a luta fútil, mas porque a verdadeira felicidade é impossível sem ela.
Até mesmo a aflição que é inevitável aos homens mortais, seja qual for sua condição, pode ter efeitos saudáveis sobre nossas vidas, se permitirmos que assim seja. Ela pode, como Salomão diz, lembrar-nos da tênue transitoriedade de nossas vidas e pôr-nos a pensar seriamente sobre as coisas mais importantes (Eclesiastes 7:2-4). O salmista, que nos deu tão rica meditação sobre a grandeza da lei de Deus, ligou a dor com o entendimento. "Antes de ser afligido" ele refletiu, "andava errado, mas agora guardo tua palavra." Ele, então, conclui, "Foi-me bom ter eu passado pela aflição, para que aprendesse os teus decretos" (Salmo 119:67,71). As lágrimas têm sempre nos ensinado mais do que os risos sobre as veracidades da vida.
Mas, há algo mais sobre o choro, nesta jóia de paradoxo, do que as lágrimas a que não podemos fugir, a tristeza que vem sem ser chamada nem procurada. Esta aflição vem-nos por escolha, não por necessidade. O Velho Testamento influenciaria nosso entendimento destas palavras faladas primeiramente a uma audiência judaica. Isaías previu que o Ungido do Senhor viria para "curar os quebrantados de coração" e para "consolar todos os que choram" (61:1-2). Mas estas palavras foram aplicadas somente a um remanescente de Israel, que haveria de ser humilhado e entristecido através das aflições da nação por seus pecados. A visão de Ezequiel da ira de Deus por uma Jerusalém corrupta revelou que somente aqueles que "suspiram e gemem por causa de todas as abominações que se cometem no meio dela" deverão ser poupados (9:4-6). Sofonias fez uma advertência semelhante (3:11-13,18).
Os profetas queriam que entendêssemos este choro como a aflição experimentada por aqueles que em sua reverência por Deus estão horrorizados por seus próprios pecados e aqueles de seus companheiros, e são comovidos às lágrimas de amarga vergonha e aflição. Esta é a "tristeza segundo Deus", sobre a qual Paulo escreve, uma tristeza que "produz arrependimento para a salvação" (2 Coríntios 7:10). Estas são as lágrimas que temos que decidir derramar, renunciando ao nosso orgulho obstinado; e por vontade de escolher, chegar ao inenarrável conforto de um Deus que perdoa a todos nós, toma-nos para ele, e finalmente enxugará todas as lágrimas (Apocalipse 21:4). Nada, exceto a misericórdia de Deus pode mitigar uma aflição como esta.
4. As Bem-aventuranças: Um Evangelho para os Derrotados
"Esquecemo-nos", escreve Malcolm Muggeridge, "que Jesus é o profeta dos derrotados, não o acampamento dos vitoriosos; aquele que proclama que os primeiros serão os últimos, que os fracos são os fortes e que os simples são os sábios" (O Fim da Cristandade, p. 56). Em nenhum lugar este fato é mais evidente do que nas bem-aventuranças. Como já notamos em nosso estudo precedente, o vazio, não a plenitude, é a chave para a felicidade.
"Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos" (Mateus 5:6). A palavra "fome", nesta bem-aventurança, é a mesma usada por Mateus no capítulo precedente (4:2), ao falar do jejum de 40 dias de Jesus no deserto. Desde que tal fome desesperada é grandemente estranha a nossa experiência, muito desta metáfora pode ser perdida em nós. A bem-aventurança fala do profundo vazio espiritual que está levando à morte. Mas o paralelo não é absoluto. Há uma diferença fundamental entre estar de estômago faminto e de coração faminto. Até mesmo as pessoas mais insensíveis são movidas pela fome do corpo, entretanto, parece haver poucos que reconhecem a fome do espírito e o vazio que o pecado produz. Espiritualmente falando, os homens se parecem com corpos semi-mortos, mas eles teimosamente se recusam a reconhecer a medonha falta de significado da vida sem Deus. Nem todos os que estão numa "terra distante" têm a sanidade mental para confessar, como o pródigo, que "morro de fome" (Lucas 15:17)! Tais indivíduos continuam a procurar, insensatamente, alguma "casca" melhor, para encher o vazio. Aqueles que "têm fome e sede de justiça" resolveram enfrentar sua desesperada necessidade, pelo que ela é, e procurar o alimento que a satisfaz.
A "justiça" que estas almas deslocadas e oprimidas pelo pecado procuram é, primeiro de tudo, a justiça de um direto relacionamento com Deus, através do perdão e da justificação (Romanos 5:1-2; 2 Coríntios 5:20-21) e, segundo, a justiça concreta de uma vida transformada (Romanos 6:8; 8:29). Elas não só desejam sentir-se justas, mas fazer justiça. Ambas as idéias de justiça estão presentes no sermão (5:7 e 5:10,20-48; 6:1). Deus não somente está determinado a perdoar-nos, mas a mudar-nos, para nos fazer participantes da divina natureza (2 Pedro 1:4). E ele nos tem assegurado que vamos ser como ele (Mateus 5:48). Que maravilhosa esperança!
Há, embutido em cada ser humano, uma inevitável necessidade de Deus. Esta fome de Deus é comoventemente expressada por Davi, quando fugia de Saul: "Minha alma tem sede de ti; meu corpo te almeja, numa terra árida, exausta, sem água" (Salmo 63:1). O pecado colocou, em cada homem, um vazio que Deus criou. Caracteristicamente, tentamos aliviar nossa dor enchendo-o com todos os tipos de inacreditável escória. Mas seria melhor tentarmos despejar as cataratas de Foz do Iguaçu dentro de uma xícara de chá do que procurar satisfazer nossos espíritos à semelhança de Deus com meras "coisas" e emoções carnais. Incapaz de satisfazer nossa necessidade fundamental, o dinheiro, o prazer e até mesmo a sabedoria mundana tornam-se a base de um apetite insaciável, que nos deixa vazios, irrealizados e acabados (Eclesiastes 5:10-11). Nunca poderemos ter, sentir ou conhecer o suficiente, para encontrar contentamento sem Deus. O que precisamos é de justiça e, como Jesus diz, aqueles que anseiam por ela estão destinados a conhecer uma transcendente satisfação e paz: "Serão fartos" (Mateus 5:6).
Há, nesta bem-aventurança, um chamado para mudança de prioridades. Para muitos de nós, um justo relacionamento com Deus é visto como uma parte importante da "boa vida" que todo indivíduo bem formado deveria ter, mas isso não é tudo, certamente. Jesus diz que esse relacionamento com Deus tem que ser mais do que um interesse vital, ele tem que se tornar a paixão dominante de nossa existência. Tudo em que pessoas verdadeiramente famintas podem pensar, é em alimento.
"Bem-aventurados os limpos de coração" (Mateus 5:8). J. B. Phillips traduz esta frase, "Bem-aventurados os absolutamente sinceros", e este pareceria refletir o verdadeiro significado das palavras de nosso Senhor. A limpeza, nesta bem-aventurança, não se refere à perfeita justiça da vida e, dado o fato que as qualidades de atitude (coisas que nós temos que fazer, em contraposição com o que Deus faz) dominam esta parte deste sermão, é improvável que se refira principalmente à pureza de um coração perdoado. É muito mais provável que fale da pureza de uma devoção sincera (Mateus 6:22-24; 2 Coríntios 11:2), uma atitude que é possível até para os pecadores (Lucas 8:15). Tiago faz este uso da limpeza quando ele insiste: "Chegai-vos a Deus e ele se chegará a vós outros. Purificai as mãos, pecadores; e vós que sois de ânimo dobre, limpai o coração" (Tiago 4:8). A verdadeira visão de Deus não será concedida aos astutos e calculistas, que se dão a jogos desonestos; ou aos de mente dupla, que nunca podem completamente firmar ambos os pés no reino (Tiago 1:7-8), mas àqueles que são absolutamente honestos e sinceros de coração para com Deus. Eles verão a Deus (5:8), não como os judeus no Sinai, mas no pleno entendimento de um íntimo relacionamento com ele (João 3:3-5; 14:7-9). É uma velha questão, com uma velha resposta. "Quem", pergunta Davi, "subirá ao monte do Senhor? Quem há de permanecer no seu santo lugar? O que é limpo de mãos e puro de coração" (Salmo 24:3-4). Se você deseja ver a Deus com todo o seu coração, você verá. Pessoas assim não permitem que nada se interponha no seu caminho.
5. As Bem-aventuranças: A Força da "Fraqueza"
A segunda afirmação básica das bem-aventuranças é que o reino de Deus não se entrega aos "poderosos", que procuram tomá-lo pela força, mas é facilmente acessível aos "fracos" que, pacientemente, entregam sua causa a Deus e abandonam seus próprios direitos em favor dos outros. O mundo no qual as bem-aventuranças foram ditas pela primeira vez não era um lugar hospitaleiro para tal idéia. Sêneca, um filósofo estóico proeminente do primeiro século e irmão de Gálio (Atos 18:12), deu expressão ao sentimento do seu tempo nas seguintes palavras: "Piedade é uma doença mental, induzida pelo espetáculo da miséria alheia . . . O sábio não sucumbe a doenças mentais dessa espécie" (Arnold Toinbee, Uma Abordagem da Religião por um Historiador, pag. 68). Totalmente fora do espírito do seu tempo, Jesus anunciou a bem-aventurança do manso, do misericordioso, dos pacificadores e dos perseguidos. Não era uma idéia "cujo tempo tivesse chegado." E ainda não é.
"Bem-aventurados os mansos" (Mateus 5:5). Num mundo de aspereza e crueldade, a mansidão pareceria uma maneira rápida de cometer suicídio. Os violentos e os teimosos prevalecem. Os mansos são sumariamente atropelados. A verdade é que, a curto prazo, isto poderá ser assim mesmo. As pessoas que são recolhidas para o reino de Deus têm que enfrentar isso. A gentileza de Jesus não o salvou da cruz. Mas, no final, Jesus nos ensina que é somente a mansidão que sobreviver. O desafio para nós é entender o que é a verdadeira mansidão.
Mansidão não é uma disposição natural. Não é um temperamento suave inato. Não é o comportamento obsequioso do escravo, cujo estado de impotência força-o a adotar um modo servil, que ele despreza e que abandonaria na primeira oportunidade. Mansidão é uma atitude para com Deus e os outros que é produto da escolha. É a disposição mantida por uma resolução moral férrea, ao mesmo tempo em que se pode ter o poder e a inclinação para se comportar diferentemente.
Mansidão não é indiferença ao mal. Jesus suportou com muita paciência os ataques que lhe fizeram, mas foi forte para defender o nome e a vontade do seu Pai. Ele odiava a iniqüidade tanto quanto amava a justiça (Hebreus 1:9). Moisés era o mais manso dos homens quando se tratava de injúrias contra ele (Números 12:3), mas sua ira queimava como fogo contra a irreverência para com Deus (Êxodo 32:19). O homem manso pode suportar maus tratos pacientemente (ele não é interessado em auto-defesa), mas não é passível referente ao mal (Romanos 12:9). Há nele um ódio ardente a todos os caminhos da falsidade (Gálatas 1:8-9; Salmo 119:104).
Mansidão não é fraqueza. Não há frouxidão nela. Aquele que tinha 72.000 anjos sob seu comando (Mateus 26:53) descreveu-se como "manso e humilde de coração" (Mateus 11:29). A profundidade da mansidão em um homem pode na verdade ser medida em proporção direta com sua capacidade para esmagar seus adversários. Jesus não era manso porque ele fosse impotente. Ele era manso porque tinha seu imenso poder sob controle de grandes princípios: Seu amor por seu Pai (João 14:31) e seu amor pelos homens perdidos (Efésios 5:2). Teria sido muito mais fácil para ele ter simplesmente aniquilado seus antagonistas do que suportar pacientemente suas ofensas. Ele seguiu a estrada difícil.
A mansidão do Filho de Deus é poderosamente demonstrada pela sua atitude quanto aos privilégios de seu estado ("pois ele subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou," Filipenses 2:6-7), e em sua submissão a seu Pai ("embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas cousas que sofreu," Hebreus 5:8). Ele veio ao mundo como um servo. Ele esvaziou-se pelo benefício dos outros.
Ainda que a mansidão do reino derive de uma nova visão de si mesmo na presença de Deus ("pobre de espírito") sua ênfase primária está na visão de um homem na presença de outros. "Mansidão" (Grego, praus) é encontrada na companhia constante de palavras tais como "humildade," "benignidade," "paciência," "cortesia" e "brandura" (Efésios 4:2; Colossenses 3:12-13; 2 Timóteo 2:24-25; Tito 3:2; 2 Coríntios 10:1). Mesmo quando aplicada a nosso Salvador, a palavra parece falar de seu relacionamento com os homens antes que com seu Pai (Mateus 11:28-30; 2 Coríntios 10:1). "Mansidão (praus) tinha um uso especial no mundo grego antigo. Ela era aplicada ao animal que havia sido amansado" (Barclay, Palavras do Novo Testamento, pag. 241). O homem manso é o que foi amansado para o jugo de Cristo (Mateus 11:29), e, conseqüentemente, tomou sobre si os fardos dos outros homens (Gálatas 6:2). Ele não mais tenta tomar pela força nem mesmo aquilo que é seu por direito, nem tenta vingar as injustiças feitas a ele, não porque ele seja impotente para fazer isto, mas porque ele submeteu sua causa a um tribunal superior (Romanos 12:19). Em vez disso, ele está preocupado em ser uma bênção, nao só para seus irmãos (Romanos 15:3), mas até mesmo para seus inimigos (Lucas 6:27-28).
O homem manso já se cansou de si mesmo. Ele sentiu sua máxima vacuidade espiritual e anseia por um correto relacionamento com Deus. Justiça própria tornou-se um desastre e vontade própria uma doença. As próprias idéias de auto-confiança e auto-determinação se tornaram um fedor para suas narinas. Ele esvaziou seu coração de si mesmo e o preencheu com Deus e os outros. Como seu Mestre, ele se tornou o servo dos servos. E por esta própria razão o futuro lhe pertence.
6. As Bem-aventuranças: Uma Conclusão Surpreendente
Com este artigo, chegamos à conclusão do nosso estudo das bem-aventuranças. Elas terminam como começaram, de uma maneira surpreendente.
"Bem-aventurados os misericordiosos" (Mateus 5:7). A misericórdia é uma qualidade que não é totalmente desconhecida, mesmo num mundo de homens basicamente egoístas. Mas esta é uma misericórdia seletiva e inconstante, que não se baseia no princípio, e não é uma disposição decidida do coração e do caráter. O mesmo homem que é capaz de compaixão ocasional, ainda acha os sofrimentos dos outros muito incômodos e a vingança muito doce.
A misericórdia que Jesus elogia vem da percepção penetrante da necessidade desesperada que a própria pessoa tem de misericórdia, não simplesmente a dos homens, mas especialmente a de Deus. Esta é uma misericórdia que mostra compaixão para com os desamparados (Lucas 10:37) e estende o perdão até mesmo aquele que repete a ofensa (Mateus 18:21-22). Esta compaixão não é inspirada pelas atraentes qualidades do ofensor (Como haveríamos de tratar o "feio" pecador?), mas se eleva de nosso sentido de gratidão por aquela misericórdia que Deus nos tem mostrado. Nós, também, não éramos atraentes quando Deus enviou seu Filho para a cruz (Romanos 5:8). Os cidadãos do reino do céu não esquecem suas tristes origens (Tito 3:1-5). Uma das maiores expressões deste tipo de misericórdia é o seu interesse sem egoísmo por um mundo pecador e sem atrativos, mas perdido (Mateus 9:36-38). Ela é uma força motora na pregação do evangelho.
A misericórdia para com os homens não merece a misericórdia de Deus, mas é uma evidência do espírito penitente, que é uma condição divina de perdão (Mateus 18:23-35). Os cidadãos do reino vivem entre seus companheiros, não como uma arrogante aristocracia espiritual, mas como homens perdoados e que perdoam.
"Bem-aventurados os pacificadores" (Mateus 5:9). Esta bem-aventurança não deixa de ter seus desafios. Os homens são tentados a aplicá-la àqueles espíritos conciliadores, cujo dom para negociação e compromisso acalmam as situações difíceis. Mas o contexto global do sermão se rebela contra isso. Não se trata dos pacificadores, no sentido comum, o da mediação de disputas humanas, mas no mais alto sentido de trazer os homens à paz com Cristo (João 14:27). Qual é o valor da paz comprada pelo preço de um princípio ou a tranqüilidade efêmera que não é fundada na reconciliação com Deus? Os verdadeiros pacificadores são aqueles que, eles mesmos, estão em paz com Deus (Romanos 5:1) e com os homens (Romanos 12:18) e que pregam no mundo um evangelho de paz e reconciliação (Efésios 2:13-17). Não há outras pessoas que possam ser chamadas de "filhos do Deus da paz" (Romanos 15:33). Quando os homens estão reconciliados com Deus e a paz de Cristo impera em seus corações, o espírito de compaixão, mansidão e perdão, produzido neles, ministra a reconciliação com todos os homens (Colossenses 3:12-15). Se, a despeito de tudo, outros estejam dispostos a ver tais pessoas como inimigos, a culpa não é dos pacificadores. Estes são os verdadeiros servos da paz no mundo.
"Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça" (Mateus 5:10-12). Aqui há uma conclusão supreendente. Estes pacificadores se tornaram os perseguidos! Jesus, já tendo tratado da atitude dos cidadãos do reino para com Deus, para com eles mesmos e para com outros, agora volta-se para considerar a atitude do mundo para com eles. Poder-se-ia ter pensado que um povo como o que Jesus descreveu seria recebido com grande regozijo no mundo: um povo humilde, descuidado de si mesmo, dedicado às necessidades dos outros. Ao contrário, o Senhor agora revela que eles provocarão no mundo uma animosidade amarga e ódio.
O Filho de Deus nunca procurou esconder de seus seguidores as realidades do sofrimento. Sua candura com aqueles que o procuraram entusiasticamente é notável. Ele insistiu para que eles, mesmo em seu ardor, calculassem a despesa (Mateus 8:19-20; Lucas 14:26-33). O Senhor não quer que sejam discípulos por ingenuidade. Ele não quer que choques inesperados destruam sua fé. Ele falou francamente, de modo que, quando seus discípulos sofressem, eles possam saber que isso é justamente como ele disse que haveria de ser e se encorajem com a certeza de que as promessas de glória de seu Mestre são igualmente seguras: "pois quem fez a promessa é fiel" (Hebreus 10:23).
Mas qual é a causa desta perseguição consciente e odienta de um povo humilde e meigo? Nenhuma conspiração secreta e maligna. Nenhuma prática clandestina de ritos ímpios e imorais. Seu crime é simples. Eles escolheram ser justos em um mundo injusto. Eles são bem idênticos ao seu Mestre (João 15:18-20). Seu amor e simplicidade servem só para ressaltar em feio contraste o tenebroso egoísmo de uma geração ímpia que odeia a luz e sente agudamente o julgamento silencioso da inocência contrastante dos cristãos (João 3:19-20).
Os discípulos do Senhor deveriam regozijar-se diante de uma oposição que revela que o espírito e o caráter de seu Salvador foi visto neles. Eles deveriam regozijar-se porque lhes foi concedido o privilégio de sofrer por aquele que sofreu tanto abuso por amor deles (Filipenses 1:28-29; Atos 5:41). Mas, acima de tudo, eles deveriam regozijar-se porque seu sofrimento não é vazio. Eles podem abraçá-lo alegremente, sabendo que ele transforma o caráter (Tiago 1:2-4) e produz por eles "eterno peso de glória, acima de toda comparação" (2 Coríntios 4:17). Nenhuma ameaça temporal pode intimidar aquele cujo tesouro verdadeiro está garantido no céu. Como alguém observou: "Não é tolo quem larga o que não pode manter, em troca do que não pode perder."
7. As Similitudes: O Chamado dos Cristãos
Com cada bem-aventurança, o abismo entre os cidadãos do reino e o mundo dos homens comuns se alargou. Jesus emitiu um nítido chamado a seus discípulos para que fizessem uma saída moral e espiritual de uma sociedade dominada pelo orgulho e paixão. E esta separação para uma nova vida deveria ser conclusivamente selada pela própria reação amarga do mundo. Eles seriam caluniados, assaltados e rejeitados. Os modos gentis e humildes deles jamais seriam suficientes para aquietar a sensação de embaraço, desconfiança e medo que seu comportamento justo evocaria. O rompimento deveria ser completo.
Entretanto, ironicamente, o próprio povo que se tornou, com efeito, a escória da terra, na realidade, é a única esperança do mundo. Assim como as bem-aventuranças delinearam o caráter dos cidadãos do reino celestial, assim agora as similitudes (Mateus 5:13-16) tornam claro o chamado deles. Ainda que apartados para Deus e distintamente separados da sociedade dos outros homens, eles são, contudo, relacionados com o mundo de um modo muito especial.
O tempo, de algum modo, tem acabado o absurdo aparente desta cena na encosta galiléia. Jesus está dizendo a este grupo comum de homens e mulheres que eles foram marcados para preservar e iluminar o mundo. Eles tinham pouco dinheiro, nenhuma posição mundana, e nenhuma perspectiva. Algumas cabeças "sábias" devem ter-se divertido muito com toda esta conversa pomposa. Visionários levantaram-se na nação, criavam uma excitação momentânea e evaporavam (Atos 5:35-37). As pobres perspectivas deste movimento fizeram com que até as visões sem esperanças de um Teudas ou um Judas da Galiléia parecessem positivamente promissoras.
Contudo, o tempo iria revelar um admirável final. As coisas que pareciam tão duráveis, naqueles dias, se desvaneceram. O Império Romano desmoronou. A academia de Platão se fechou. As escolas dos estoicos e dos epicureus esmaeceram em uma curiosidade. A grande biblioteca de Alexandria incendiou-se. Mas a companhia dos cristãos resistiu. Eles ainda não possuiriam grande riqueza ou posição mundana, mas sua mensagem estaria muito viva e seu espírito vivaz. Vidas podiam ser mudadas por toda parte.
Não nos surpreenderia que aquele que veio para salvar a uma humanidade perdida (Lucas 19:10) puxasse todos os seus discípulos para aquele grande empreendimento. Sua tarefa era tornar-se a tarefa deles; sua paixão, a paixão deles.
"Vós sois o sal da terra" (Mateus 5:13). "Vós sois a luz do mundo" (Mateus 5:14). As metáforas que Jesus escolheu para ilustrar a natureza crucial do chamado do reino foram confeccionadas com materiais caseiros comuns. Nenhuma casa da Palestina deixava de ter algum sal, ou uma lâmpada para espantar a melancolia da noite. O mundo dos homens, por causa do pecado, estava apodrecendo na escuridão. Os cidadãos do reino do céu estavam destinados a serem o sal para impedir a putrefação do pecado e a luz para penetrar seu escuro desespero. Jesus advertiu ainda seus discípulos que o mundo que eles pretendiam preservar, eles também tinham que perder.
O reino do céu não pretendia-se fechar sobre si mesmo, como um mosteiro gigante. Não fora pretendido que os seus cidadãos vivessem em grande isolamento. Ainda que não sendo do mundo, eles teriam que estar muito dentrodo mundo (João 17:14-15). Seu Mestre foi sempre um homem do povo. Sua vida foi vivida no meio de multidões apinhadas da Palestina. Ele sempre foi acessível, sempre vulnerável, sempre interessado. Ele passava o seu tempo entre os sofredores e os aflitos (Lucas 15:1-2). Isto é algo que os cristãos jamais devem esquecer. Podemos ser perseguidos como ele foi (João 15:19-20), mas jamais devemos permitir que nossa dor cesse a nossa compaixão. Podemos estar cansados às vezes, como ele esteve, mas jamais poderemos permitir que nosso cansaço nos afaste das necessidades de outros. O reino lá de cima pode verdadeiramente ser uma cidadela contra o pecado, mas tem que ser sempre o refúgio para o pecador.
"Se o sal vier a ser insípido" (Mateus 5:13). Os cidadãos do reino, ainda que muito mergulhados no mundo, jamais devem tornar-se mundanos. O sal não pode perder sua salinidade (Lucas 14:34-35; Marcos 9:50). Seu sabor depende da santa distinção de suas vidas e caráter. A paixão pela justiça jamais pode ser comprometida ou então a utilidade do discípulo chega ao fim. Ainda que o sal, de fato, não pode deixar de ser salgado, ele pode, como o pó salgado que se forma nas praias do Mar Morto, tornar-se tão poluído que seja tão inútil como o pó da estrada. Se, por concessões feitas ao mundo o sal for lavado de nós, deixando apenas um resíduo de mundana respeitabilidade, belos edifícios, círculos sociais agradáveis e rituais vazios, nós, também, nos tornaremos totalmente sem valor!
Um pensamento final. Tão importante como é, para os cristãos, adorar a Deus de acordo com sua vontade, temos que nos lembrar de que os homens perdidos não serão levados a glorificar a Deus porque nós tomamos a ceia do Senhor cada domingo. Eles podem, na verdade, serem levados a exaltar a Deus pelo amor quieto com que suportamos uns aos outros (João 13:34-35), pelo nosso auto-controle quando enfrentamos grande provocação, pela nossa calma segurança em presença da tragédia, e nossa firme recusa a sermos arrastados para um mundo de insensatas concupiscências. Se ganhamos a vitória sobre um sistema mundano de orgulho e carnalidade (1 João 2:15-17; 5:4) isso certamente aparecerá e Deus, não nós mesmos, será glorificado.
8. A Justiça do Reino: Jesus e a Lei
Chegamos agora ao coração do grande discurso de Jesus. As bem-aventuranças delinearam o caráter espiritual e especial do cidadão do reino. As similitudes trataram do alto e nobre chamado do reino. Agora Jesus volta-se para a qualidade da justiça do reino. Seu tratamento é específico e objetivo e essencialmente continua de Mateus 5:17 até quando ele começa seu apelo final, em Mateus 7:13.
"Não vim para revogar, vim para cumprir" (Mateus 5:17-18). Jesus prefacia sua discussão da justiça do reino com um poderoso repúdio. Ele não veio, diz enfaticamente, para destruir a lei e os profetas. Por que foi tal refutação necessária? Ele não se declarava ser o Cristo da promessa profética? Sim, mas, às vezes, as aparências sobrepujam as palavras. Um breve olhar para os eventos que precederam a elocução deste discurso proverá uma resposta a nossa pergunta.
Os fariseus, como um partido, representavam os mais dedicados defensores da lei, na nação de Israel. Enquanto os saduceus se ocupavam com a política do Templo, os fariseus estudavam e ensinavam a lei do ponto de vista da tradição de seus pais. Na mente de muitos da comunidade judaica, a lei de Moisés e as tradições dos fariseus eram idênticas. Teria sido causa de não pequena ansiedade entre o povo ver Jesus enfrentar continuamente esses professores instituídos da aliança nacional.
Os fariseus ficaram grandemente contrariados com a companhia que Jesus mantinha (Marcos 2:16-17; Lucas 5:30-32) e ao tempo em que Jesus pregou seu grande sermão sobre o reino, ele tinha tido pelo menos três amargas confrontações com eles sobre a observância do sábado (Lucas 6:1-11; Marcos 2:23-3:6; João 5:2-18). A discordância era agora tão profunda que os fariseus já tinham determinado destruí-lo (Marcos 3:6; Lucas 6:11).
Este acerbo conflito com o conhecido partido da lei deve ter convencido muitos de que Jesus tencionava destruir a lei e reconstruir sobre suas ruínas. Os fariseus não demorariam a explorar tal impressão. O Senhor agora, portanto, esforçou-se muito para demolir esta má concepção. Bem cedo ficaria aparente, em seu sermão, que seu conflito não era com a lei, mas com as farisaicas perversões dela.
A atitude de Jesus para com as escrituras do Velho Testamento agora se torna inequivocamente clara. Porque elas eram as palavras de seu Pai, longe de serem abolidas ou subvertidas, elas são para serem cumpridas até a última minúcia e, ainda mais significativamente, ele estava para cumpri-las! Três grandes verdades emergem aqui. Jesus se prende inseparavelmente ao Deus do Velho Testamento. O Deus de Abraão, Isaque e Jacó é também o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Jesus também confirma sua absoluta confiança na integridade de cada palavra dos escritos do Velho Testamento. Eles são as palavras de Deus e qualquer um que quisesse ser seu discípulo deve ter o mesmo e elevado ponto de vista das Escrituras (Lucas 24:25-27; João 10:35). E então, ali, emerge pela primeira vez, no sermão, a espantosa grandeza do pregador. Ele há de ser o cumprimento do plano eterno de Deus, a consumação dos séculos, o ponto final de toda a História. Este não é um mero tratado ético. O sermão é grande, mas o pregador é maior ainda.
O que Jesus quer dizer, quando ele fala em cumprir a lei e os profetas? Ele não está falando, certamente, em colocar sobre os cidadãos do reino todos os preceitos da aliança mosaica que, pela contagem rabínica, chegavam a 613! Ninguém, que seja do nosso conhecimento, tem este ponto de vista. Paulo mais tarde afirmou, claramente, que estas ordenações sobre alimentos, festas e sábados nada tinham a ver com o serviço de Cristo, mas foram cumpridas na sua morte e removidas (Colossenses 2:14-17).
Refere-se então o Senhor a sua própria obediência perfeita da lei? Jesus, que nasceu sob a lei (Gálatas 4:4), de fato observou os mandamentos da lei com perfeição impecável (1 Pedro 2:22), entretanto, sua preocupação aqui écumprimento do propósito e não observação de preceito. Jesus foi destinado ao cumprimento de todos os tipos e sombras do Velho Testamento (Colossenses 2:17; Hebreus 10:1-4) e à realização de todas as profecias do Velho Testamento (Lucas 24:25-27,44,48). Ele haveria de ser a culminação do propósito da lei de conduzir os homens à justificação pela fé (Gálatas 3:24-25; Romanos 10:4). Tendo terminado seu trabalho, a lei terminou, e conduziu, como tinha sempre prometido, ao estabelecimento de uma nova aliança com melhores promessas (Jeremias 31:31-34; Hebreus 8:6-8). O cidadão do reino está debaixo da lei de Cristo (1 Coríntios 9:21) e, na plenitude de Cristo, ele se torna pleno (Colossenses 2:9-10). Todos os esforços para deixar Cristo e voltar para a lei são casos de desenvolvimento espiritual impedido.
Mas, tendo dito tudo isso, precisa ser lembrado que os ensinamentos éticos de Jesus não representam uma separação radical da lei, mas são uma extensão natural dos dois maiores mandamentos que são primeiro encontrados na lei: "Amarás, pois, o Senhor teu Deus com todo o teu coração" (Deuteronômio 6:5) e "amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Levítico 19:18). A grande diferença entre a lei e o evangelho não se encontra em suas respectivas exigências éticas, mas na morte sacrifical do Filho de Deus.
9. O Reino de Deus e seus Mandamentos
"Aquele, pois, que violar um destes mandamentos . . ." (Mateus 5:19). Jesus, tendo eliminado qualquer fundamento da noção de que ele veio para destruir a lei e os profetas, por meio de prometer seu completo cumprimento (5:17-18), agora estende seu ponto, entrando no assunto do relacionamento do reino com os mandamentos de Deus.
Podemos ser tentados a pensar que Jesus está tratando, aqui (versículo 19), com alguns libertinos orgulhosos, que podem ter imaginado, alegremente, que as dificuldades de Jesus com os rabinos significavam que ele pretendia livrar os homens da opressiva tarefa de guardar a lei de Deus. O contexto, porém, aponta os fariseus como os culpados (versículo 20). As principais pessoas na mira não são aquelas que, por fraqueza, violam um mandamento divino, porém os mestres da lei, que vão além da transgressão pessoal, até quebrar a própria autoridade dos mandamentos. Este é um quadro perfeito dos fariseus, que por suas tradições, tinham subvertido a lei de Deus (Marcos 7:1-13).
Ainda que Jesus tenha em mente mais os legalistas do que os libertinos, sua afirmação tem aplicação válida àqueles espíritos "livres", que vêem no evangelho o fim de toda a lei. Não somente isto vai contra o testemunho da Escritura (1 Coríntios 9:21; Gálatas 6:2; Tiago 1:25) mas tem implicações da mais séria gravidade. Sem a lei, o pecado não pode existir (1 João 3:4) e sem pecado, a graça se torna desnecessária e sem significado (1 João 1:7,9).
Seria muitíssimo proveitoso que os estudantes da Escritura pudessem compreender que a lei ou vontade de Deus para o homem é inerente à criação e não às alianças. As expectativas do Criador para sua criatura, o homem, estão postas desde Adão. Os dois maiores mandamentos (Deuteronômio 6:5; Levítico 19:18; Marcos 12:28-31) não tiveram sua primeira aplicação quando foram incluídos na aliança feita com Israel no Sinai, mas foram nitidamente aplicados ao comportamento do homem para com Deus e os outros, desde a introdução do homem (Gênesis 4:1-12; 6:5,11-13; 18:20; Judas 7). Um homem não está debaixo da lei de Deus por estar sob uma aliança (nova ou velha). Ele está debaixo da lei de Deus porque é um homem. Pode-se escapar da lei de Deus somente renunciando à raça humana. As renúncias tem sido freqüentemente solicitadas, porém não há evidência de que alguma tenha sido aceita. O homem, sob a aliança, faz uma promessa de ser fiel a Deus e seus mandamentos e recebe, por sua vez, as promessas e as bênçãos do Senhor, mas seja o que for que ele fizer, não há escapatória da lei divina.
Mas por que, se pergunta, num sermão sobre "o evangelho do reino" Jesus exorta seus ouvintes para que cumpram, cuidadosamente, até o menor mandamento da lei de Moisés? A resposta é: porque sua assistência era judaica e estava, como Jesus disse, sob a aliança. Qualquer atitude que eles tivessem para com a lei de Deus, conforme expressada na aliança judaica, eles iam trazer para o reino. A aliança não é tão importante como o princípio da confiança absoluta e obediência a Deus em todas as coisas. Qualquer um, disposto a agir irresponsavelmente com o menor mandamento de Deus, seja qual for a aliança, é indigno do reino do céu. Uma nova aliança viria, mas o princípio permaneceria o mesmo.
Algumas ordenações de Deus são manifestamente maiores do que outras, porque elas assentam mais perto do coração da divina justiça (Marcos 12:28-33; Mateus 23:23), mas nenhum mandamento de Deus é sem imenso significado, uma vez que o sopro do Todo-Poderoso está nele (2 Timóteo 3:16). Aquele que repreendeu os fariseus por engolirem camelos não os encorajou a deglutirem mosquitos com prazer (Mateus 23:23). Tiago procurou fazer-nos entender que os mandamentos de Deus são indivisíveis, desde que ele está por trás deles todos (Tiago 2:10-11). Não é o caso de quebrar só um mandamento, pequeno ou grande. É o caso de desafiar a Deus e ser infiel a ele.
A obediência não é limitada, por princípio, a sistemas de justificação pela lei (Gálatas 3:10). É, também, uma expressão de fé (Tiago 2:14-26) e amor (João 14:15,23-24; 1 João 5:3) no sistema do evangelho da graça e da justificação pela fé (Mateus 7:21). Como tal, ela tem aplicação à salvação em cada época (Hebreus 11). O cidadão do reino, como os fiéis de todas as eras, não está procurando justificar a si mesmo por sua zelosa obediência a todos os mandamentos de Deus, mas a retribuir o amor que foi derramado sobre ele tão imerecidamente. A lei de Deus é uma adaga no coração do arrogante e do que se considera justo, mas para o cristão ela é o padrão da conduta justa à qual, pela graça de Deus, ele aspira (Romanos 12:1-2). Deus pretende, não somente, redimir seu povo, mas transformá-lo também (Romanos 8:29; 2 Coríntios 3:18).
". . . será considerado mínimo no reino dos céus" (Mateus 5:19b). Muitos comentadores, até os responsáveis, têm procurado retirar a força da advertência de Jesus, sugerindo que aqueles que tratam levianamente os mandamentos menores de Deus não sofrerão perda séria. Admitidos no estádio do céu, eles simplesmente terão de sentar-se nas galerias, em vez de nos camarotes! Nós dissentimos vigorosamente deste ponto de vista porque (1) o resto do sermão não concorda com ele (Mateus 7:21,24-27) e (2) a expressão "grande" ou "maior no reino" é usada por Jesus, na outras passagens em Mateus, para se referir a cada cidadão no reino (Mateus 18:1-4; 20:26-28), não admitindo nenhum lugar para "o menor."
Cuidado com aqueles mestres que pensam que sabem quais dos mandamentos de Deus são importantes e quais não são!
10. Um tipo diferente de justiça
"Se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus" (Mateus 5:20). Jesus abriu a parte principal do seu sermão sobre a natureza da justiça do reino fazendo duas afirmações claras. A primeira é que ele veio para cumprir, em vez de destruir, a lei e os profetas e exigir reverência para cada mandamento de Deus (5:17-19). A segunda é que ele veio fazer guerra contra a "justiça" dos fariseus. Sua discórdia não era com a palavra de Deus. Nunca tinha sido. Mas a corrupção dos hipócritas das instituições religiosas tinham fechado as portas do reino contra o povo (Mateus 23:13). Jesus sabia que, se algum dia a nação entendesse a verdadeira justiça de Deus, as distorções farisaicas teriam que ser destruídas. Não obstante o ponto de vista dos fariseus, a grande ameaça contra o reino divino não vinha da impureza gentia, mas das mutilações grotescas que eles mesmos fizeram na própria lei que orgulhosamente se gabavam de proteger. Aqui Jesus denuncia, pelo nome, o sistema de justiça deles, como totalmente inadequado, e adverte que jamais tal sistema será suficiente para permitir a um homem entrar no reino do céu (5:20).
Nesta era tão conciliadora, que dá tanto valor à paz e à harmonia, até mesmo acima da verdade e da justiça, a linguagem franca do Salvador deixará muitos em desconforto. O Filho de Deus jamais foi atraente ou desnecessariamente severo no seu tratamento dos falsos mestres, porém não hesitava em detectar claramente, quando era necessário identificar a fonte na qual seu povo estava sendo envenenado. É preciso ser lembrado, hoje em dia, que Jesus atacou as instituições religiosas, não por vaidade pessoal ou ambição, mas porque as almas dos homens que ele amava estavam em suspenso. Faríamos bem em imitá-lo. Temos que ser prudentes e agradáveis, mas devemos falar francamente quando a salvação de homens perdidos o requer.
A "justiça" dos fariseus era um modo particular de olhar as coisas, que sempre teria sido inadequada no reino de Deus, mesmo se servida às carradas. Não era a quantidade que minguava, mas a qualidade. Era o tipo errado de justiça.
É possível que os fariseus não tenham sempre sido como haviam se tornado nos dias de Jesus. Mesmo então havia fariseus de profunda integridade, como Saulo de Tarso. Seus ancestrais, incapazes de manter inviolada a cidade santa, estavam determinados a preservar a lei santa da contaminação dos gentios. Este rígido partido de separatistas provavelmente tinha sua origem por volta do segundo ou terceiro século a.C., quando o pensamento grego estava ameaçando sufocar os judeus. Mas a resistência, que começou tão nobremente, foi cedo reduzida a um formalismo acentuado, sem profundidade espiritual (Mateus 23:27-28) e seu senso de separação do mundo tornou-se uma arrogante hipocrisia (Lucas 18:9-14). O movimento que tinha começado para levar glória a Deus estava agora dedicado à exaltação de uma elite carola e presunçosa que tinha interesse só em si mesma. E, mais irônico ainda, o esforço para proteger a santidade da lei tinha resultado na sua corrupção pelas infindáveis tradições dos escribas (Marcos 7:8-9).
Os fariseus estavam numa excelente posição para conhecer a lei e poderiam ter sido trazidos ao humilde serviço de Deus, pela consciência da sua exigência total. A partir dessa posição de honestidade, eles teriam sentido uma crescente sensação da necessidade do auxílio de Deus para alcançar a justiça. Em vez de encarar sua própria inadequação, eles simplesmente transformaram em pedacinhos a lei e os profetas, na medida de seu próprio atraso moral e espiritual. A lei estava agora reduzida, em suas mãos, a pouco mais do que rituais insensatos, possuidores de mérito justificativo, e seu coração espiritual fora retirado para tornar seus profundos preceitos morais em uma lei civil superficial. Acima de tudo, ela não mais tinha qualquer ligação com o amor. O reino de Deus não tinha lugar para esta configuração, hipócrita e cheia de si, de tradições humanas, na qual o farisaismo se havia tornado (Mateus 15:3-20). A justiça do reino lá do alto é a do coração; uma justiça que começa no manancial do pensamento e da vontade resultando em atos e palavras (Lucas 6:43-45).
Como revelarão os versículos seguintes, a justiça sobre a qual Jesus agora fala é principalmente uma justiça de vida e conduta, a vida transformada do cidadão do reino. Não há, aqui, ensinamento de justificação por obras. Este tipo de transformação vem somente ao pobre de espírito, que conhece muito bem sua necessidade da misericórdia de Deus, mas é uma transformação que é necessária. Se quisermos nos realizar na vida do reino, teremos que fazer a vontade de nosso Pai (5:19; 7:21,24-28) e crescer no seu perfeito amor (5:44-48).
11. A Verdadeira Justiça
"Ouvistes . . . eu, porém, vos digo" (Mateus 5:21-22). Com este tão repetido contraste batendo uma forte cadência, Jesus abre o coração do seu discurso sobre a verdadeira justiça. Mas não foi um sermão pregado no vazio. O problema da justiça farisaica tinha sido levantado abertamente e agora este pernicioso sistema será destruído metodicamente pelas penetrantes e autoritárias observações do Senhor. Não foi demasiada devoção à lei que provocou o devastador ataque de Jesus aos fariseus, mas pouca devoção. Com hipocrisia arrogante eles haviam produzido uma paródia vazia da lei de Deus. Jesus rejeita essa ilusão e a expõe tal como é, à luz da verdadeira e imutável justiça de Deus.
Se, como alguns supõem, Jesus estava, aqui, citando as Escrituras do Velho Testamento, ele fez uma abordagem diferente da que usou nas outras vezes. Em nenhuma outra ocasião ele apresenta as Escrituras com "Ouvistes o que foi dito aos antigos". Antes, quando foi tentado por Satanás no deserto, Jesus apresentou três passagens do Deuteronômio, com as palavras "está escrito" (Mateus 4:5,7,10). Ele usou a mesma forma em Mateus 11:10 e 21:13. Em outras instâncias o Senhor indicou o escritor que ele estava citando (Mateus 12:17; 13:14,35; 15:7; 21:4; 22:43) ou simplesmente citou "as escrituras" (21:42). O tratamento diferente em Mateus 5:21-48 é muito marcante para ser ignorado. Aqui Jesus está citando, não as Escrituras, mas "a tradição dos antigos" (Marcos 7:5).
O contexto desta parte do sermão do Senhor aponta na mesma direção. Jesus insistiu em expressar sua reverência pela lei e os profetas (5:17-19). É razoável pensar que ele se voltaria para desfechar um ataque fulminante contra aquela lei? A preocupação imediata do pregador, quando ele começa esta parte do seu discurso, é a falsa justiça dos fariseus (verso 20) e este é o problema com o qual ele lida nos versículos subseqüentes (21-48).
O contraste sendo traçado nesses versículos não é entre a lei de Moisés e a lei de Cristo. É, antes, um contraste entre a corrupção farisaica do Velho Testamento e a verdadeira justiça que foi antecipada na lei e levada à sua plenitude em Cristo. Como observamos antes, os ensinamentos éticos de Jesus não representam um afastamento radical da ética do Velho Testamento. Os mandamentos funda-mentais da lei, amar a Deus supremamente e o próximo como a si mesmo (Deuteronômio 6:5; Levítico 19:18), são tomados pelo Senhor como o baluarte de seus próprios ensinamentos (Mateus 7:12; 22:34-40). Os princípios éticos do Velho Testamento não eram ordenações superficiais que governaram o músculo mas não a mente. O décimo mandamento do Decálogo apresenta-se diretamente à mente e ao coração (Êxodo 20:17). E quem poderia ler esta velha aliança judaica e imaginar que o Deus que falou no monte Sinai haveria de permitir a seu povo odiar, desde que não matasse, ou a concupiscência, desde que não consumada? Se foi ele que disse "Não aborrecerás teu irmão no seu íntimo" (Levítico 19:17) e "Não cobiçarás a mulher do teu próximo (Deuteronômio 5:21).
A lei de Moisés, em sua essência, refletia as verdadeiras exigências éticas de Deus. Enquanto é verdade que a lei fez concessões à "dureza de coração" de Israel (Mateus 19:8; Marcos 10:5) e conteve muitas "ordenanças da carne" (Hebreus 9:10), mesmo assim, em seu coração, como Paulo afirmou, "a lei é espiritual" (Romanos 7:14) "e o mandamento, santo e justo e bom" (Romanos 7:12).
As exigências éticas do Sermão da Montanha são, simplesmente, a flor que desabrochou do botão do Velho Testamento. Enquanto é verdade que a graça e a plenitude da verdade vieram por meio de Jesus Cristo (João 1:17), é também certo que havia verdade ética e espiritual na lei e uma clara antecipação da graça por vir (Gálatas 3:8).
Então, se é acurado dizer que Jesus está expondo as perversões farisaicas da lei, não é acurado dizer que Jesus não faz mais do que dar uma correta exposição da ética do Velho Testamento. Jesus ancora, nitidamente, seu ensinamento ético na ética da lei, mas não se detém aí. Ele prossegue, para expandi-la na lei do reino do céu.
O alvo do reino é a justiça de Deus (Mateus 5:48; 6:33). Com o propósito de conduzir seus ouvintes a um entendimento desta ordem moral e espiritual das coisas, Jesus começa com os mais óbvios imperativos morais do que significa amar aos outros (5:21-48). Há um plano ascendente nestes versículos. O Senhor começa numa nota negativa: com a proibição que mais se recomenda aos homens, mesmo nas mais baixas condições: "Não matarás." Quando o capítulo termina, ele alçou à mais positiva e desafiadora exigência do amor, não o amor como os homens o conhecem, mas o amor como Deus, em sua santa perfeição, o demonstra.
Estes versículos não são confortáveis de ler e são, freqüentemente, desafiantes ao entendimento, mas o estudante tem sempre que ter em mente que, abaixo de todas essas instruções, está o segundo dos grandes mandamentos, "Amarás o teu próximo como a ti mesmo." Em termos tanto prático como objetivo estamos agora para ser confrontados com o que significa ser um cidadão do reino do céu.
12. "Todo Aquele que se Irar Contra seu Irmão . . ."
Esta parte do sermão (Mateus 5:21-48) começa com uma consideração de como o cidadão do reino tem que lidar com sua própria inclinação para o mal e, então, fecha (versículos 38-48) com um estudo de como ele tem que enfrentar o mal dos outros.
Há, nestas passagens, a descrição de um tipo radical de amor. Se ela nos surpreende, a nós que estamos deste lado da cruz, que tranco ela deve ter dado naqueles que a ouviram pela primeira vez antes dos impensáveis eventos do Calvário! Ainda que só antecipado no proeminente discurso de Jesus, parece evidente que o radical amor de Deus pelos homens, em Cristo, haveria de ser o fundamento indispensável para uma tão santa e desinteressada devoção pelos outros. Como a mulher cuja pródiga expressão de amor chocou o anfitrião fariseu do Senhor (Lucas 7:36-50), amamos muito porque fomos muito perdoados. O amor radical de Deus por nós libera dentro de nós uma capacidade radical de boa vontade para com os outros. E a natureza desse amor, como o de nosso Senhor, deve ser sacrifical (Mateus 16:24-25). Como Jesus se esgotou por nós, assim temos que esgotar-nos por outros (Filipenses 2:1-8).
Mas por que todos estes pormenores? Por que não emitir a simples instrução para amar o próximo como a si mesmo, e pronto? Porque todos somos demais carecidos de entendimento de nossos próprios maiores interesses e, conseqüentemente, os dos outros. Um bêbedo, praticando o "amor ao próximo", poderia dar ao seu companheiro beberrão mais trago de uísque. Thomas Harris levanta este problema, muito diferentemente, em seu livro Eu Estou Ótimo, Você Está Ótimo: "A Regra de Ouro não é um guia adequado, não porque o ideal seja errado, mas porque muitas pessoas não têm dados suficientes sobre o que eles querem para si, ou porque o querem." Os dados faltantes são providos pelos ensinamentos de Cristo e seus apóstolos. Suas instruções preenchem os detalhes práticos do que significa amar a Deus e trabalhar pelo real e melhor interesse das outras pessoas. Estas informações não provêm de nossos desorientados desejos e julgamentos, como Harris e os adherentes da filosofia da "ética da situação" sugerem, mas da divina sabedoria de Deus. Não pode ser de outro modo. De nosso bem restrito ponto de vista humano, é nitidamente impossível conhecer todas as implicações de nosso comportamento, ainda mesmo quando bem intencionado. Deus informa e guia nosso amor com sua instrução moral. Como João observa: "Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus, quando amamos a Deus e praticamos os seus mandamentos" (1 João 5:2).
Os fariseus estavam sempre inclinados a abaixar o nível moral e espiritual da lei e a aumentar a exigência cerimonial. Jesus começa este trecho com perfeito exemplo da tendência farisaica a reduzir a lei. "Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e: Quem matar estará sujeito a julgamento" (5:21). A perturbadora coisa a respeito destas citações é que, às vezes, parecem exatas citações da lei. "Não matarás" sai diretamente de Êxodo 20:13 e Deuteronômio 5:17. O "julgamento", da segunda citação, se refere ao conselho local ou tribunal e, ainda que a citação não seja uma citação exata da lei, ela reflete acuradamente as palavras de Números 35:30-31. E contudo, nas mãos dos fariseus, estas palavras não eram a lei, mas idéias tiradas da lei e pervertidas. A preocupação dos pelegos da instituição era que ninguém poderia cometer um ato que derrubasse uma penalidade civil. Os únicos crimes que perturbavam a consciência deles eram aqueles que podiam ser tratados por tribunais humanos. Eles estavam profundamente perturbados pelo homicídio, mas ódio e malícia não lhes causavam nenhuma consternação séria. Abusivas como fossem suas maneiras para com os outros, desde que não houvesse culpa por sangue, eles se sentiam justos perante a lei.
A resposta de Jesus (5:22) se acomoda com a fixação deles nas penalidades civis. A verdade é, ele diz, que o homem que abriga ira contra seu irmão está em perigo do tribunal local. João, mais tarde, refletiu este conceito em sua memorável afirmação: "Todo aquele que odeia a seu irmão é assassino" (1 João 3:15).
Tendo abordado o problema do coração, Jesus estende sua aplicação à língua. Não somente os amargos sentimentos põem a pessoa em perigo, mas assim também o faz o abuso desdenhoso que eles estão dispostos a promover. Quantos corações têm sido brutalizados por palavras que cortam como floretes! Às vezes, o assassinato seria mais humano do que essas atrocidades verbais! Atacamos as pessoas com o máximo desdém e as deixamos, como pretendíamos, prostradas. Para isto, o Senhor advertiu, ficaremos "sujeito a julgamento do tribunal" (uma provável referência ao Sinédrio) ou, mais corretamente, "ao inferno de fogo." É evidente que o uso que o Senhor faz aqui de "julgamento" e "conselho" é uma acomodação. As cortes civis não podem tratar de pensamentos perversos, mas o tribunal a que Jesus se refere pode lançar o infrator no inferno (Mateus 10:28).
Nossa reação juvenil a este ensinamento nos dispôs a chamarmos um homem de qualquer coisa exceto sensato, e a evitar chamá-lo de "tolo", a todo custo. Os fariseus haveriam de apreciar muito esta interpretação!
O problema do assassinato tem que ser atacado na fonte. Tanto o coração, como a língua, bem como a mão, tem que ser lavados da brutalidade do ódio. A lei ensinou isto (Levítico 19:17), mas os fariseus, na sua ânsia de obter justiça barata, conseguiram negligenciar. O Senhor não pretende que esqueçamos.
13. "Vai Primeiro Reconciliar-te com teu Irmão"
"Vai primeiro reconciliar-te com teu irmão" (Mateus 5:24). Jesus começou este trecho de seu sermão com uma série de advertências sobre o julgamento severo destinado a cair sobre aqueles que permitem que sua ira se manifeste em odienta ofensa verbal de outros, e continua seu tema delineando o único modo de fuga para tais transgressores da lei do amor ao semelhante (5:23-26).
O que Jesus requer de nós, quando pecamos deste modo, é o que a maioria dos homens parece temer mais intensamente; ele exige que enfrentemos e corrijamos o problema com nossa vítima. O contexto indica que o irmão que "tem alguma coisa contra ti" não é só alguém que está descontente, mas alguém a quem na verdade causamos dano. Neste caso, o adorador é culpado, não somente mal-entendido. Outros versículos confirmam este significado (Marcos 11:25). O que faz a oferta precisa arrepender-se e procurar o perdão de seu irmão prejudicado. A prontidão com que a parte culpada deve agir, interrompendo o sacrifício bem no meio, reflete a urgência da situação e dá ênfase a como o mau trato dos outros nega a adoração a Deus. As Escrituras estão cheias deste princípio (Salmo 66:18; Tiago 3:9-10; 1 João 4:20-21). A ofensa a outros serve para fechar a porta do céu contra nós.
Enquanto o secularista pendeu para tratar a adoração com certa medida de desprezo, enquanto ele dá ênfase à justa conduta para com os outros, muitos religionistas tentaram, historicamente, usar a adoração como uma cobertura para o fracasso moral. Este foi um jeito especial dos fariseus que procuravam expiar por zelosa cerimônia sua ofensa aos homens (Mateus 23:23-24). Mas os fariseus não deram origem a esta vista esguelhada das coisas. Muitos séculos antes, Amós tinha advertido os presunçosos cidadãos de Samaria que Deus tinha se fartado da sua pretenciosa adoração. O que o Senhor queria, disse o profeta fazendeiro, era o juízo e a justiça (5:21-24). Jeremias, cem anos mais tarde, tinha ecoado o mesmo tema em Jerusalém (7:21-23). Jesus experimentou ensinar aos fariseus a lição dos profetas. Ele os remeteu mais de uma vez às palavras de Oséias: "Misericórdia quero, e não holocaustos" (Mateus 9:13; 12:7). O Senhor teve pouco sucesso em seu empenho, mas sempre foram poucos, como o escriba que observou que amar a Deus com todo o coração e o próximo como a si mesmo excedia "todos os holocaustos e sacrifícios" (Marcos 12:32-33). Jesus disse que ele não estava longe do reino.
Então, qual é a lição aqui? Quando pecamos contra outro, a necessidade não é de mais comparecimento às assembleias de adoração ou maior liberalidade nas coletas dominicais ou evangelismo pessoal mais animado, ainda que estas coisas podem, em geral, ser tratadas mais seriamente por todos nós. A necessidade urgente da hora é de arrependimento e reconciliação com nosso irmão ou irmã ofendido. (Esposos e esposas, especialmente, necessitam de ouvir isto. Lembrem-se de que esposos e esposas e filhos também são "próximos"). Davi abordou este assunto no caso de seu próprio doloroso fracasso moral, com Bate-Seba e Urias: "Pois não te comprazes em sacrifícios, do contrário eu tos daria; e não te agradas de holocaustos. Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito não o desprezarás, ó Deus" (Salmo 51:16-17). Não tente oferecer a Deus adoração quando o arrependimento é exigido.
Precisamos aprender a abordar nosso pecado e aqueles contra quem pecamos com retidão. "Fui injusto com você; por favor, perdoe-me" são as palavras que não se têm tornado mais fáceis de dizer com o passar dos anos, mas são aquelas que pessoas com nossos imperfeitos antecedentes têm que aprender a dizer com o coração. De outra maneira, não há esperança. Os relacionamentos humanos serão despedaçados e nossa ligação com Deus será, simplesmente, terminada.
É impossível estimar bem quantos dos discípulos do Senhor, hoje em dia, estão se destruindo porque lhes falta ou a humildade ou a coragem para se arrependerem dos pecados contra os outros e procurar seu perdão. O sombrio segredo de sua culpa permanece como alguma pedra maciça em seus corações, invalidando a adoração e sugando a vida espiritual deles (Salmo 32:3-4). Se é o caso com você, deixe de desfilar o cadáver em assembléias de adoração. Dê fim à auto-defesa e à auto-justificação. Vá rapidamente reconciliar-se com aquele que você ofendeu. A dor do arrependimento será, na verdade, pequena, se comparada com a agonia da culpa contínua e da alienação.
"Entra em acordo sem demora com o teu adversário" (Mateus 5:25). Tirando ainda proveito da estrita preocupação dos fariseus com as penalidades civis, Jesus continua a insistir na metáfora do tribunal civil. Entender isto como um mero conselho prudente para acertar "fora do tribunal" de modo a escapar dos caprichos dos juízes corruptos, seria não só tornar sem significado as palavras do Senhor, mas também pô-las em desacordo com o seu contexto. Jesus está ainda tratando do assunto dos pecados contra os outros. O "adversário" não é aquele que fez alguma acusação sem base contra você, mas alguém a quem você ofendeu, defraudou ou difamou e cuja causa é justa. O orgulho pode aconselhar você a permanecer endurecido, mas Jesus insiste numa rápida reconciliação, em vista de um julgamento divino que será executado sem misericórdia (versículo 26). É exatamente este tipo de julgamento que os homens pecadores não podem suportar. É melhor que procuremos a misericórdia apressadamente enquanto a oportunidade está aberta para nós. Até mesmo a clemência divina tem seus limites.
14. Adultério no Coração
"Qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração já adulterou com ela" (Mateus 5:28). Estas são palavras radicais e mesmo cidadãos do reino têm que lutar para não resistir. Sua severa sondagem do coração causa dor quando o Filho de Deus toca nos nervos expostos de nossas moléstias morais. Jesus, tendo tratado do problema do ódio e da malícia, agora volta-se para o problema da concupiscência. Os fariseus tinham, certamente, tratado do problema do adultério, mas só superficialmente. Sua preocupação era evitar uma ofensa capital (Levítico 20:10; Deuteronômio 22:22). Pode-se quase ouvir a maneira em que eles diziam: "Não cometerás adultério" (Êxodo 20:14). Jesus, em contraste, segue as pegadas do pecado do adultério até o seu covil (Mateus 15:19). Assim como ódio no coração é assassinato, assim é adultério a concupiscência desenfreada no coração.
O princípio não era obscurecer parte da aliança mosaica. O décimo mandamento dizia incisivamente: "Não cobiçarás a mulher do teu próximo" (Êxodo 20:17). Paulo, quando ainda um estranho ao evangelho, e um fariseu, tinha sido severamente penetrado por este mandamento (Romanos 7:7). Até Jó, um homem que, aparentemente, viveu antes da lei, entendeu esta verdade ética. "Fiz aliança com meus olhos" ele disse, "Como, pois, os fixaria eu numa donzela?" (Jó 31:1).
Ainda que alguma aplicação mais ampla desta passagem possa ser feita ao desejo carnal cru e sem princípios, que alguém solteiro possa abrigar por alguém semelhantemente descomprometido, o uso que Jesus faz da palavra "adultério" torna claro que sua preocupação presente é com aquele desejo ilícito que viola o próprio espírito da aliança do casamento (2 Coríntios 11:2-3). A preocupação do Senhor, em todo este trecho, é com o nosso dever de amar os outros. Nenhuma pessoa casada pode fazer justiça ao seu companheiro enquanto entregue a incontido desejo por outro. Ainda que seja um assunto da mente, ele é chamado pelo seu nome: pecado.
O Senhor não está tratando aqui da mera passagem momentânea de um desejo pela mente; se assim fosse, não haveria distinção entre tentação e pecado. (Não deveríamos ficar horrorizados pela sugestão de que a concupiscência da carne possa ter feito sua aproximação da mente de nosso Salvador, enquanto ele permaneceu sem pecado, Hebreus 4:15). As palavras "olhar para uma mulher com intenção impura" nos ajuda a entender a exata natureza da transgressão. Isto não é um pensamento fugaz, mas a concentração da mente, com o propósito de cobiçar. O texto grego descreve a pessoa que dirige seus pensamentos ou volta sua mente para uma coisa; neste caso, cobiçar uma mulher (ou um homem). Obviamente, não olhamos para tudo que vemos. O olho abrange um vasto panorama e é deixado para a mente focalizar a atenção. O pecado de Davi não estava em ver Bate-Seba despida, mas em olhar para ela, pondo em mente e, finalmente, na sua desenfreada concupiscência (2 Samuel 11:2-5). Davi queria a oportunidade para possuir Bate-Seba e a encontrou. Sua violação de Êxodo 20:17 não seria menor se essa oportunidade jamais se tivesse apresentado.
Ainda que a palavra portuguesa "concupiscência" denote acuradamente os matizes sensuais do verbo grego (epithumeo), pode-lhe faltar o pensamento concomitante de posse que é inerente a ela. O pecado sendo descrito por Jesus é o cultivo calculado do desejo de possuir alguém a quem não se tem direito. Se é para se fugir deste pecado, a própria aproximação primeira de tais pensamentos tem que ser rejeitada, antes que eles se apoderem da mente e da vontade. Na linguagem do velho provérbio: "Não se pode evitar que os pássaros voem sobre nossas cabeças, mas pode-se evitar que façam ninho em nosso cabelo." Se encontramos dificuldade em distinguir entre tentação e pecado, neste caso é muito mais sábio errar para o lado da precaução do que para o lado da imprudência.
A guerra do cidadão do reino com a concupiscência nestes tempos é destinada a ser uma luta severa e dura. Não vamos escapar facilmente do pântano da lascívia, fornicação e adultério que caiu sobre esta geração. Que nenhum discípulo tenha esta pretensão (1 Coríntios 10:12). Não há restrições sociais nas quais se possa apoiar. Nossa força e defesa tem que residir, integralmente, em nossa profunda e inabalável resolução de manter-nos puros, pelo Senhor. Na análise final, esta é onde o assunto de nossa fidelidade no reino tem sido sempre decidido. "Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida" (Provérbios 4:23).
15. Um Passo Radical
"E se teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti" (Mateus 5:29). Mateus 5:29-30 contém duas das mais chocantes sentenças dos Evangelhos. Em palavras brutalmente francas Jesus fala das ásperas alternativas abertas a um homem confrontado com a aniquilação total, por causa do perigo apresentado por uma parte de seu corpo de inestimável valor. Aqui a ameaça reside no olho direito e na mão direita. Mais tarde, em outro contexto, Jesus repete sua ilustração, acrescentando o "pé" (Mateus 18:8-9; Marcos 9:43-47). A linguagem pode ser chocante, mas a situação não é forçada. Nos dias da medicina mais primitiva, muito membro gangrenoso foi amputado por cirurgiões para salvar a vida do paciente, e a medicina moderna ainda aconselhará a mesma traumática cirurgia, quando uma parte do corpo ameaçar a vida do todo. Sabe-se de homens que fizeram em si mesmos esta cirurgia, quando um braço ou perna, preso numa máquina, estava arrastando-os para a morte. É um passo radical, mas eminentemente sensato.
Esta passagem é o lugar onde aqueles que afirmam firmemente sua confiança na interpretação literal de todas as Escrituras terão que pensar bem. Não pode haver nenhuma questão quanto a que Jesus constroi sua mensagem sobre uma verdade do mundo da carne, mas é evidente pelo contexto que sua linguagem tem aplicação ao mundo do espírito (se o olho direito fosse extirpado o pecador ainda poderia cobiçar tão efetivamente só com o esquerdo). Nestas penosas palavras, a verdadeira profundidade da mudança que o Filho de Deus exige encontra sua dramática expressão. No mesmo tom, Jesus fala de nossa aproximação a ele como uma crucificação (Mateus 16:24-25; veja Gálatas 2:20) e Paulo provê um comentário sobre Mateus 5:29-30, com suas palavras aos Colossenses: "Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena: prostituição, impureza, paixão lasciva, desejo maligno" (3:5).
Ainda que o Senhor não esteja, aqui, falando de mutilação física, que poderia ser totalmente ineficiente contra os impulsos do coração, não deveríamos presumir que a intenção figurativa de suas palavras as torne menos intensamente penosas. Há "partes" de nós S afetos, hábitos, atitudes, valores, relacionamentos S que se tornaram, pelo longo cultivo, partes tão íntimas de nossa personalidade que a sua remoção fará a extirpação de um olho ou mão parecer muito moderada. Muitos de nós passaram longo tempo aprendendo como ser egoístas e concupiscentes. Não deveríamos esperar que o fim destas coisas viesse sem trauma. Gritos de angústia podem levantar-se de algum lugar dentro de nós quando em penitência aplicarmos o escalpelo do evangelho. Mas algumas dores são boas dores. ". . .pois aquele que sofreu na carne deixou o pecado" (1 Pedro 4:1). Podemos escolher evitar este sofrimento, mas nossas queridas concupiscências nos destruirão como uma terrível gangrena da alma.
A natureza radical e decisiva desta renúncia é ressaltada pela instrução de Jesus não somente para arrancar o olho ou cortar fora o membro ofensor, mas para lançá-lo fora. A separação tem que ser absoluta e final, não gradual. Esta é uma solução radical mas deveria ser recebida com alegria, em vez de horror. Qual o homem que tem uma doença que vai resultar com certeza na morte não se regozijaria ao ouvir que o sacrifício de uma parte de seu corpo, ainda que cara, pudesse salvar sua vida? Até mesmo as minúcias da descrição da dor insuportável que sentiria não poderiam roubar a este homem libertado sua sensação de alívio. A única razão pela qual não recebemos com felicidade uma mensagem de importância similar para nossas almas é que ainda não compreendemos a extensão de nosso último prejuízo sem ela. "Que dará o homem em troca da sua alma?"
Ainda que Jesus pudesse ter dito estas impressionantes palavras com bom propósito a qualquer tempo durante este trecho de seu discurso, ele escolheu emiti-las em conexão com a tentação da concupiscência e do adultério. Por quê? Estaríamos errados em concluir que ele assim fez porque os cidadãos do reino não conhecerão desafio mais radical à pureza de seus corações do que em matéria de desejo sensual? "Como têm caído os poderosos!". Davi, que não cedia nenhum terreno em outros campos de batalha, foi abatido facilmente pelo engodo sutil da esposa de outro homem. Muito homem poderoso tem sido reduzido a geléia pela mesma provação. Seremos loucos consumados se não tratarmos esta tentação com a máxima gravidade e andarmos em sua presença com suplicante circunspecção. Na face da dura advertência do Senhor, continuamos a nos admirar da descuidada familiaridade com que alguns discípulos casados tratam os do sexo oposto, e as armadilhas circunstanciais a que eles imprudentemente se expõem. Ainda enquanto muitas igrejas estejam se passando de um célebre caso de adultério para outro, parecemos às vezes não termos aprendido nada. O contexto desta mesma metáfora, usada pelo Senhor na última parte de Mateus (18:8-9) e em Marcos (9:43-47), sugere que um possível significado para o "olho" e a "mão" ofensores é uma ocasião para tropeço. Se é este o caso, estamos sendo intimados a, não somente, remover o ato pecaminoso (quer adultério físico ou adultério do coração), mas quaisquer circunstâncias ou relacionamentos que poderiam facilmente levar a isso. Paulo o apresenta francamente: "Fugi da impureza!" (1 Coríntios 6:18). Como os cristãos desta geração necessitam desesperadamente de ouvir!
16. "Aquele que Repudiar sua Mulher"
"Aquele que repudiar sua mulher" (Mateus 5:31). O assunto do divórcio pode encher de horror o coração do pregador. Mais de dois terços dos pregadores das maiores denominações protestantes da América, recentemente admitiram jamais ter falado sobre este assunto. A questão do divórcio (e novo casamento) toca as vidas de homens e mulheres intimamente e, muitas vezes, dolorosamente. Entretanto, aqueles que entram para o reino não devem esperar que qualquer parte de suas vidas escapará da influência do Rei; nem que eles deveriam desejar isso, uma vez que seus mandamentos não são arbitrários (1 João 5:3) mas são sempre pelo nosso bem (Deuteronômio 6:24). Ainda que este ensinamento possa ser angustiante para nós, não há nenhum lugar onde o verdadeiro discípulo possa esconder-se de suas implicações.
Em Mateus 5:31-32, Jesus continua sua discussão do casamento e do princípio do amor, que ele iniciou no versículo 27.
"Também foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio" (Mateus 5:31). Esta tradição farisaica que o Senhor cita é baseada em uma distorção de Deuteronômio 24:1-4, a primeira parte do qual diz: "Se um homem tomar uma mulher e se casar com ela, e se ela não for agradável aos seus olhos, por ter ele achado cousa indecente nela, e se ele lhe lavrar um termo de divórcio, e lho der na mão e a despedir de casa". O significado destes versículos tinha sido acaloradamente disputado entre as escolas rabínicas. Shammai, insistindo numa causa criminal e legal para o divórcio, ressaltou as palavras "cousa indecente" e limitou-a ao adultério. Hillel reforçou as palavras "não for agradável aos seus olhos" e permitiu o divórcio por qualquer coisa que desagradasse ao esposo. Rabi Akiba foi mais além, permitindo o divórcio se o esposo simplesmente encontrasse uma esposa mais atraente.
De outra informação de que dispomos no Novo Testamento, é evidente que os fariseus compartilhavam dos mesmos pontos de vista frouxos de Hillel, se não outros piores (Mateus 19:3,7) e estavam muito menos interessados no motivo para o divórcio e suas ímpias consequências para a vítima, do que em seguir as formalidades adequadas. A obsessão deles com delicadezas legais ao completo desinteresse do princípio moral é de novo revelada. Os fariseus viam o divórcio como um direito, e entenderam as palavras de Moisés como um mandamento (Mateus 19:7) e não como uma concessão permissiva. Assim fazendo, eles tinham compreendido totalmente errado a lei e seu propósito.
A atitude de Deus para com o divórcio foi abundantemente esclarecida no Velho Testamento, cujo cânon tinha sido encerrado com as sonoras palavras, "porque o Senhor Deus de Israel diz que odeia o repúdio" (Malaquias 2:16). Consistentes com este sentimento divino, as palavras de Deuteronômio 24:1-4 pretendiam limitar o divórcio, já vicejante, e não introduzi-lo e encorajá-lo. Jesus descreve o ensinamento da lei sobre o divórcio como uma concessão à dureza de coração de Israel (Mateus 19:8); não certamente uma "dureza" de rebelião teimosa, que teria sido intolerável (Hebreus 3:7-11), mas conduzida do retardamento espiritual (Marcos 6:52). A lei exercia sua restrição sobre o divórcio de três modos. Ela limitava o divórcio a certas causas. (O contraste de Jesus, de seu próprio ensinamento do divórcio somente por fornicação com o da lei, indicaria que Moisés permitiu mais de uma razão para o divórcio, Mateus 19:7-9). Ela requeria que uma certidão de divórcio fosse dada à esposa (usualmente em presença de duas testemunhas [Mateus 1:19], contendo as palavras "Vejam! estás livre para desposar qualquer homem"). E dava um argumento compulsório contra a ação apressada e imoderada ao proibir o esposo de jamais voltar a tomar como esposa sua companheira divorciada (se ela tivesse casado novamente).
"Eu, porém, vos digo: Qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera" (Mateus 5:32). Em sua resposta à falsa interpretação farisáica sobre o divórcio, Jesus está principalmente interessado no princípio e não no procedimento. Qualquer homem que expulsa sua esposa fiel age sem amor e tem que compartilhar a culpa pelo adultério dela (assumindo-se que ela tenha casado novamente). A única exceção é o divórcio por causa da fornicação, que excluiria seu esposo fazendo dela o que ela já teria se tornado. Neste contexto, parece evidente que ainda que "relações sexuais ilícitas" (porneia)compreenda união sexual ilícita tanto no casamento como fora dele, o Senhor a usa aqui para o pecado dentro da aliança do casamento e não o pecado antes dele.
A disposição corrente de alguns a justificar o divórcio por qualquer razão, se não houver novo casamento, me leva a ressaltar que o pecado do qual Jesus falou aqui reside no divórcio, não no novo casamento. Tal divórcio é errado em três pontos. É errado porque não mostra amor pelo companheiro. É errado porque poderia levar o companheiro divorciado a uma relação condenável. E é errada porque poderia envolver no adultério outra pessoa, antes inocente. A isto sentimo-nos compelidos a acrescentar que, mesmo em casos em que a fornicação ocorreu, o amor redentor do reino, pareceria aconselhar misericórdia e reconciliação, quando possível. O divórcio nunca foi um mandamento. O amor é.
Finalmente, é evidente que Jesus, em sua resposta aos fariseus, viajou além do Deuteronômio, mesmo quando corretamente entendido, e afirmou a lei do reino do céu, que se apoia na vontade de Deus "desde o princípio" (Mateus 19:8-9). A lei de Moisés teria permitido à mulher divorciada casar-se de novo; a lei do reino não permite.
17. Não Juramentos, Mas Verdade
Em Mateus 5:33-37, Jesus apresenta a quarta de suas seis antíteses, que confrontam as perversões farisaicas da lei com a justiça do reino do céu. As exatas palavras do ensinamento tradicional que Jesus cita (versículo 33) não são encontradas em nenhum lugar no Velho Testamento, mas foram criadas de afirmações como aquela de Levítico 19:12: ". . . nem jurareis falso pelo meu nome, pois profanaríeis o nome do vosso Deus" (veja Êxodo 20:17; Deuteronômio 6:11; Números 30:2).
A abordagem dos juramentos, pela lei, era semelhante a sua abordagem do divórcio. A aliança Mosaica não ordenou o divórcio, mas procurava regular e restringir o que já era prevalente. Em correspondência, a lei não originou os juramentos nem ordenou a Israel que jurasse, mas indicou que quaisquer juramentos ditos teriam que ser em nome de Deus (Deuteronômio 6:13; 10:20) e não poderiam ser falsos (Levítico 19:12; Zacarias 8:17; Malaquias 3:5). Mas estas restrições nunca foram para serem entendidas como permissões para mentir, quando não sob juramento. O ódio de Deus a todas as mentiras é mostrado muito claramente no Velho Testamento (Provérbios 6:17; 12:22).
Infelizmente, os fariseus, em vez de encontrar nos regulamentos de Deus concernentes ao juramento um apelo à veracidade constante, acharam neles uma brecha para desengano. O ponto principal de sua tradição era: "Não jure falso quando o nome de Deus estiver envolvido". "Para com o Senhor" era a frase usada na sua perversão. Para facilitar sua desonestidade, os fariseus faziam distinções sofísticas entre juramentos obrigatórios e não obrigatórios (Mateus 23:16-22). Estes hipócritas tinham uma delicada preocupação em evitar o perjúrio (como eles o definiam) mas nenhum compromisso com a honestidade, a veracidade e o amor ao próximo.
É uma das tragédias desta parte do sermão que tem sido reduzida a pouco mais do que o lugar da batalha sobre a tolerância dos juramentos judiciais. O mal que Jesus ataca em sua proibição de jurar (versículo 34) não são os juramentos, mas a fraude. Ele varre fora os vãos juramentos dos fariseus, com suas sutilezas enganosas, ao observar que não há nada pelo que eles possam jurar (o céu, a terra, Jerusalém, suas próprias cabeças) que não esteja, no final, ligado diretamente a Deus e ao seu poder (versículos 34-36; 23:16-22). O Senhor está simplesmente ressaltando a verdade essencial que toda palavra que emitamos está "diante de Deus" e sujeita ao julgamento divino (Mateus 12:36-37). Um simples e enfático "sim" ou "não" coloca os homens sob não menor obrigação de dizer a verdade e honrar seus compromissos do que o mais rígido juramento. Os juramentos nunca tiveram a intenção de aumentar a obrigação do jurador de dizer a verdade (que já existia) mas a dar maior segurança àqueles que os recebiam (Hebreus 6:13-18).
Quais são as lições práticas a aprender de tudo isto? Alguns têm visto aqui uma sólida advertência contra a profanidade. Uma boa lição sobre este assunto seria, certamente, oportuna. Somos, sem dúvida, uma geração profana. Manchados com pequenas blasfêmias e procurando outras maiores, tratamos com urbano divertimento o sacrílego espezinhar de palavras como Deus, Cristo, céu, inferno, salvação e danação. Nosso hábito de pronunciar impensadamente nomes santos nos tem custado nosso senso de reverência e com ele nosso senso de humanidade. Mas a profanidade não é aqui a preocupação fundamental de nosso Senhor. Sua preocupação é com a honestidade, total e absoluta honestidade.
O que devemos a nosso irmão e nosso próximo é a verdade, em todas as nossas palavras, ou palavra nenhuma. Há muitas tentações para mentir e para ser infiel. Ódio, culpa e cupidez nos levam a esticar a verdade, até que ela se rompe. Egoísmo ou concupiscência nos instigam a quebrar os votos solenes do casamento. Irreflexão nos incita a esquecer, como sem importância, as promessas do dia-a-dia que fazemos aos outros. Alguns cristãos denegriram sua integridade por acusações sem fundamento e declarações sem apoio. Outros desgastaram sua honra por compromissos não cumpridos. Tal procedimento é inaceitável em um cidadão do reino. Servimos a um Deus que não pode mentir (Tito 2:1) e temos que levar a seu serviço uma honestidade e uma veracidade transparentes (Colossenses 3:9; Efésios 4:15,25).
Não devemos, porém, encerrar este estudo sem tratar de uma questão óbvia e não resolvida. Pelas palavras "De modo algum jureis" não nos proibiu Jesus qualquer tipo de juramento? Faz muito tempo, em meu coração, uma pronta aceitação de tal conclusão, mas o amplo contexto do Novo Testamento levanta algumas questões sérias sobre ela. Não estamos tão perturbados pelo reconhecimento que Deus (Atos 2:30; Hebreus 6:17; 7:20-21), seu Filho (Mateus 26:63-64) e seus anjos (Apocalipse 10:5-6) fizeram juramentos, como estamos pelo fato que as epístolas de Paulo estão bem salpicadas de expressões semelhantes a juramentos, que não podemos explicar de nenhum outro modo (Romanos 1:9; 9:1; 2 Coríntios 1:23; 11:31; Gálatas 1:20; Filipenses 1:8; et al.).
Como podemos conciliar a clara prática de Paulo com a proibição de Jesus? Primeiro, cremos, por reconhecer que algumas afirmações absolutas mostram-se não o serem quando as Escrituras são consideradas no todo (Marcos 10:11-12 e Mateus 19:9; Mateus 5:42 e 2 Tessalonicenses 3:10). E então, verificando que Jesus está tratando, neste contexto, dos juramentos mentirosos dos fariseus e não dos juramentos solenes daqueles que diriam a verdade em quaisquer circunstâncias, mas acham que às vezes outros necessitam de especial confirmação. Cada cristão tem que pesar esta matéria cuidadosamente, lembrando-se sempre que ele não é compelido a jurar, mas que é sempre obrigado a dizer a verdade.
18. Uma Idéia cujo Tempo não Chegou
Se Jesus estava tentando formular princípios éticos que apanhassem o espírito de sua época, ele certamente foi um fracasso. Seus ensinamentos foram estranhos e extemporâneos e agitaram animosidade mesmo na nação de Israel. Mas o Filho de Deus sempre soube que "o tempo" para seu ensinamento jamais viria na historia. Como ele uma vez disse aos seus ainda incrédulos irmãos: "O meu tempo ainda não chegou, mas o vosso sempre está presente. Não pode o mundo odiar-vos, mas a mim me odeia, porque eu dou testemunho a seu respeito de que as suas obras são más" (João 7:6-7).
Os ensinamentos éticos de Jesus não são menos estranhos a nossa própria época, e não há expressão mais radical da justiça do reino do que nos últimos dois dos seus seis grandes contrastes entre as distorções dos fariseus e a vontade de Deus (Mateus 5:38-48). Estas palavras têm agitado mais controvérsia do que todo o resto do sermão junto, e muitos esforços para explicá-las têm servido apenas para invalidá-las e despojá-las de toda a força. Talvez fosse de alguma ajuda como uma introdução ao ensinamento de Jesus sobre o amor aos próprios inimigos examinar algumas controvérsias que as circundaram.
Tem havido ampla discordância sobre quão larga aplicação do princípio do amor ao próximo deveria ser feita. Uns dizem que ele se aplica apenas às relações "pessoais" e outros têm argumentado que ele tem que se aplicar a todas as facetas da vida do cristão. Em apoio da visão predominante, que estreita a aplicação às relações "um-a-um", Carl F. H. Henry escreveu o seguinte: "Nos círculos de comerciantes cristãos, diz-se freqüentemente que o Sermão da Montanha é o código de ética superlativo para o sucesso nos negócios. Mas o fato é que um grande homem de negócios, que conduz seu comércio pela ética do Sermão: Dando duas vestimentas de graça quando uma é pedida, não resistindo à violência, muito cedo se encontraria endividado sem esperança ou completamente fora do negócio . . . Uma nação que toca seus assuntos pela lei das relações com o próximo: agindo somente pelo princípio do amor não correspondido, dando duas vezes mais do que seus inimigos exigem e empenhada na não-resistência às agressões contra ela, está em processo de suicídio nacional" (Ética Pessoal Cristã, pags. 322-323).
Dietrich Bonhoeffer exprime a visão oposta em seu livreto O Custo do Discipulado: "Este dizer de Jesus retira a igreja da esfera da política e da lei. A igreja não deve ser uma comunidade nacional, como o velho Israel, mas uma comunidade de crentes sem laços políticos ou nacionais. O velho Israel foi ambos: o povo escolhido de Deus e uma comunidade nacional e era, portanto, sua vontade que eles enfrentassem a força com força. Mas com a igreja é diferente: ela tem abandonado o estado político e nacional e, portanto, tem que suportar pacientemente a agressão. . . . Mas esta distinção entre pessoa e função é totalmente estranha ao ensinamento de Jesus. Ele se dirige a seus discípulos como homens que deixaram tudo para segui-lo e o preceito da não-violência se aplica igualmente à vida privada e ao dever da função. Ele é o Senhor da vida, e exige fidelidade integral. Ainda mais, quando se chega à prática, esta distinção levanta dificuldades insolúveis. É possível agir só como um indivíduo, ou só como um funcionário? Não sou sempre um indivíduo, face a face com Jesus, mesmo no desempenho de meus deveres funcionais?" (páginas 121-124).
Aplica-se o princípio do amor a cada aspecto da convivência dos cristãos com os outros ou é ele limitado a certos tratos pessoais somente? Esta é uma questão que tem sido levantada freqüentemente, através dos séculos, e é aquela com a qual o cidadão do reino tem que lutar e decidir. Não há como fugir deste assunto tão prático.
Algumas questões também têm sido levantadas sobre se ao cristão é proibido todo direito de defesa própria em relacionamentos pessoais ou se lhe é exigido submeter-se ao mal somente quando atacado ou maltratado pelo evangelho. Martinho Lutero tinha alguns comentários interessantes sobre este assunto, em suas Conversas à Mesa: "Se alguém penetra em minha casa, tenta fazer violência contra minha família ou a mim mesmo ou causar dano, estou obrigado a defender-me e a eles, em minha condição de dono da casa e chefe da família. Se salteadores ou assassinos tivessem tentado ferir-me ou fazer-me violência injusta, eu teria me defendido e resistido a eles, em nome do príncipe do qual sou súdito. . . . Tenho que ajudar o príncipe a expurgar seu país de maus súditos. E se eu tiver a força para cortar o pescoço deste bandido, é meu dever meter a faca nele. . . . Mas se eu for atacado por causa da palavra divina, em minha condição de pregador, então eu tenho que suportar isso e deixar a Deus puni-lo e vingar-me."
Tudo isto deveria ajudar-nos a ver que temos algumas questões difíceis com as quais lutar, em nosso esforço para entender a verdadeira exigência da justiça do reino. E enquanto lutamos sinceramente para entender e aplicar estes ensinamentos desafiadores temos que guardarmo-nos constantemente contra a tentação de simplesmente raciocinar para afastar qualquer coisa que pareça opressiva e não atrativa. Não podemos menosprezar os ensinamentos de nosso Senhor meramente porque parecem revolucionários. É claro que jamais houve um mestre na história humana mais em desavença com tudo o que os homens, em sua sabedoria, pensaram ser justo, do que Jesus de Nazaré.
19. "Não Resistais ao Perverso"
"Não resistais ao perverso" (Mateus 5:39). Ainda que muita controvérsia cerque esta parte do Sermão, nossa primeira tarefa é deixar de lado as conclusões e tentar entender, na sua forma mais elementar, o ponto que Jesus diz.
Em Mateus 5:38-42, Jesus alarga o escopo e aprofunda a aplicação do princípio do amor ao próximo. Ele agora passou do trato com o problema do mal em nós mesmos para o desafio de lutar contra o mal nos outros. Uma coisa é para o cidadão do reino negar toda a injúria do inocente, mas o que o amor exige dele quando outros, longe de serem inocentes, tentam maltratá-lo e injuriá-lo?
Os fariseus tinham solucionado o problema lindamente. Eles simplesmente pegaram um estatuto do Velho Testamento, regulando a quantidade da compensação que poderia ser imposta pela lei por uma certa injúria cometida e o transformaram em um direito à vingança contra os seus adversários.
O propósito da lei de represália do Velho Testamento tinha, provavelmente, dois lados. Era destinada a restringir e impedir a prática do mal (Deuteronômio 19:20-21). Ela, também, servia para refrear a disposição dos homens a cobrar com raiva uma punição em desproporção com a injúria sofrida (Êxodo 21:23-24). A ira contra uma injustiça sofrida pode facilmente inflamar-se desenfreadamente e extorquir uma punição totalmente exorbitante. A lei de Deus para Israel pretendia que tais excessos, que somente iniciam um círculo vicioso de ódio e violência, fossem coibidos. É também muito importante notar que esta justiça não era para ser aplicada privadamente, mas imposta somente pelos juízes nomeados de Israel (Deuteronômio 19:18).
Os fariseus, evidentemente, viram nas palavras da lei, que eles muitas vezes citavam ("olho por olho, dente por dente"), um direito pessoal à vingança. Em vez de entender isto como uma declaração do castigo máximo possível sob a lei, um freio aos excessos, eles o tomaram como seu mínimo direito pessoal.
Em contraste com o ensinamento dos fariseus, que estabeleceu o direito à vingança pessoal e à retaliação à altura, Jesus diz, "Não resistais ao perverso." Ele, então, segue sua declaração de princípio com quatro ilustrações muito dramáticas.
É imperativo que, logo de saída, consideremos a proibição de Jesus (contra resistir ao mal) no contexto de seu Sermão e, até um certo ponto, no contexto mais amplo do Novo Testamento. A preocupação de Jesus em toda esta parte (5:21-48) é a elaboração do princípio do amor aos outros. No relato de Lucas do Sermão da Montanha, as ilustrações de Jesus de seu princípio são precedidas pelo mandamento para amar aos próprios inimigos e seguidas pela admoestação, "Como quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles" (6:27-31). Talvez isto nos ajude a entender que o Senhor não está emitindo uma doutrina de mera não-resistência mas, simplesmente, usando uma série de declarações muito impressionantes para acentuar nossa obrigação de nunca revidar os males que nos forem feitos, e nunca negar o bem àqueles que nos injuriaram injustamente. Não devemos tirar estas declarações do contexto.
Quando Jesus instrui seus discípulos para não resistirem ao mal, ele não está lhes dizendo para nunca fazer alguma coisa para restringir o mal em outros. Tal interpretação literal preveniria até uma palavra de reprovação. O Senhor ensinou diferentemente em Mateus 18:15-17 e ele mesmo repreendeu o soldado que injustamente o feriu durante o seu julgamento (João 18:23). O que interessa ao Senhor nestes versículos é que nunca deveríamos resistir ao mal com o mal. É exatamente assim que Paulo afirma o princípio, em Romanos: "Não torneis a ninguém mal por mal. . . . Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem" (12:17-21). Este é o resultado natural do mandamento para amar ao próximo como a si mesmo e ao apelo para fazer aos outros o que faríamos a nós mesmos. O que fizermos em resposta ao mal deles tem que ser feito com amor por eles, não com algum desejo de vingança ou preocupação em defender a si mesmo. Parece-me que este princípio não excluiria até mesmo o uso de alguma forma mais vigorosa para restringir outrem de infligir injúria injusta, mas isso tem que ser ministrado por amor ao ofensor e nunca por egoísmo ou vingança.
Assim, nestas acentuadas e dramáticas declarações de Jesus, nas quais ele certamente prendeu nossa atenção, ele está a nos dizer: que é melhor voltar a outra face à pessoa que nos agrediu, do que fazer mal a ela; que é melhor dar nossa capa ao homem que injustamente nos processou por nosso casaco, do que lesá-lo ou reter-lhe o que ele realmente necessita; que é melhor andar duas milhas com o homem que injustamente nos compeliu a prestar-lhe ajuda em uma, do que fazer-lhe mal ou deixar de dar a assistência que ele verdadeiramente necessita; que é melhor dar ajuda ao homem que nos tratou mal, do que reter o que ele, na verdade, requer no seu momento de dificuldade.
Se isto lhe soar como se estivêssemos exaurindo a força destes mandamentos, por favor, lembre-se que aquela instrução de Jesus, "dá-lhe o que pedes" não é ilimitado. Paulo disse, "Se alguém não quer trabalhar . . ." (2 Tessalonicences 3:10). Entretanto, até mesmo a exortação de Paulo não é punitiva, mas motivada por amor. Lembre-se, também, que teremos mais do que o suficiente para desafiar-nos a manter nossos corações livres de todo o egoísmo quando determinamos como devemos tratar com amor aqueles que se portam injustamente, e muitas vezes brutalmente conosco.
20. O Mandamento Inconcebível (Mateus 5:43-48)
A cada nova sentença, avançando desde o versículo 21, Jesus tem arrancado fora um pedaço cada vez maior do ego humano. Cada novo confronto entre as populares perversões farisaicas e a real exigência da justiça do reino serviu para elevar o desafio moral. O que o Senhor afinal ordena na sexta e última destas antíteses haveria de ter atordoado seus ouvintes. Ele tinha falado o inconcebível quando disse, "Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos" (5:44). Para muitos dos seus ouvintes, tal conselho deveria de ter parecido não somente inconcebível, mas impossível! S E o contrário do próprio conceito de justiça.
Agora, pela primeira vez no Sermão, Jesus falou a palavra que melhor resume o princípio fundamental de toda a sua mensagem. Ele conduziu seus ouvintes por um plano ascendente desde aquilo que o amor proibe no trato com outrem (mesmo aqueles que nos maltratam) até aquilo que o amor positivamente exige de nós. E quem, no meio de seus ouvintes, naquela ocasião como agora, poderia ter previsto que a jornada não estaria terminada até que ele exigisse deles a coisa mais dura de todas, que é amar justamente aqueles que temos maior disposição para odiar: nossos inimigos. Finalmente, o Senhor não deixou nenhum espaço para o "eu".
"Inimigo" estava longe de ser uma palavra estranha aos judeus do primeiro século. Ao tempo de Jesus havia uma inimizade palpável que se havia ligado à parede da separação que era a lei (Efésios 2:14-15). O povo de Israel tinha sofrido muito de um mundo hostil e muitas vezes olhou com desdém sobre o paganismo ignorante e a egrégia imoralidade dos gentios. Estes não demoraram a retribuir o favor. Os fariseus, com o seu fervor separatista, não eram ignorantes da exigência da lei, que os filhos da aliança tinham que amar seus próximos como a si mesmos (Levítico 19:18), mas eles entendiam que essa obrigação terminava nas fronteiras de Israel. Havia muitas pessoas para odiar, do lado de fora dos seus limites e muitos da nação sustentavam que não era só seu privilégio, mas também sua obrigação fazer assim. O fato que os fariseus estavam cientes do mandamento para amar, mas tropeçaram na definição de "próximo", é evidenciado pela conversa com um certo advogado (Lucas 10:25-29). O advogado conhecia a fórmula, mas estava ainda por fazer uma aplicação adequada.
Mas como e por que os mestres de Israel chegaram a concluir que a lei ordenava o ódio ao inimigo? Poderia ter sido as "guerras santas" de extermínio que Deus ordenou que Israel fizesse contra os cananeus (Deuteronômio 20:16-18), ou os salmos imprecativos ("Não aborreço eu, Senhor, os que te aborrecem? . . . Aborreço-os com ódio consumado: para mim são inimigos de fato" Salmo 139:21-22. Note especialmente o Salmo 109). Entretanto, ainda que difícil e desconcertante seja o problema que estes fatos apresentam, a lei não distinguia, em matéria de amor ao próximo, entre o israelita e o estrangeiro (Levítico 19:18 com 19:33-34) e não aconselhava a vingança e o ódio ao inimigo (Êxodo 23:4-5). Mesmo Jó, cujo tempo provavelmente antecede a lei, entendeu o pecado de se regozijar com a calamidade sobre um inimigo (Jó 31:29-30). Sempre me impressionou que, quando Paulo procurou instruir seus irmãos no tratamento dos inimigos, não sentiu nenhuma necessidade de alguma nova revelação, mas tirou facilmente do livro de Provérbios: "Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber" (Romanos 12:20; Provérbios 25:21). Não há parcela do Velho Testamento que mais diretamente aborde o problema da atitude de Israel para com os inimigos do que o livro de Jonas. Os assírios eram um povo brutal, inimigos de Deus e dos homens, mas Jeová os amava e pretendia que seu servo Jonas fizesse o mesmo (4:9-11).
Ainda, se depois disto tudo, achamos difícil acreditar que a lei não aconselhou inimizade para com os inimigos, resta-nos confiar no Filho de Deus, que reprova esta idéia como uma concepção errônea da lei, e totalmente inconsistente com a natureza e o propósito de Deus. Foi justo um ensinamento como este que fez a nação tão despreparada para a vinda do reino pacífico.
Tivesse Jesus dito aos seus seguidores para amarem seu "próximo", eles bem poderiam ter continuado nos mesmos velhos e estreitos caminhos, errando completamente a natureza única deste amor. Mas, quando ele lhes ensina a amar seus inimigos, eles podem ficar surpresos, mas ficarão, com certeza, instruídos. Como Kierkegaard observou, o evangelho tornou impossível, para sempre, que alguém se engane a respeito da identidade de seu próximo. Se temos que amar nossos inimigos, então não haverá nenhum membro da raça humana, ainda que diferente, ainda que distante, ainda que desprezível, a quem não deveremos o melhor que lhe pudermos dar.
21. O Amor Extraordinário
O amor ao qual Jesus chama seus seguidores é um que ultrapassa o ordinário. Velhos "amores" que conhecemos são um prefácio insuficiente para as lições que temos que aprender. Laços de família, devoção entre amigos, paixão entre amantes são afeições "naturais", tão comuns ao homem que sua ausência é um sinal de degradação abaixo do humano (Romanos 1:31). Amar aqueles que os amam não dá nenhuma distinção especial aos filhos do reino. Como Jesus observa, até mesmo tais "tipos baixos" como os publicanos e os gentios eram capazes de uma tal troca de benevolências (Mateus 5:46-47).
O "amor" da justiça do reino é extraordinário, não meramente em intensidade, mas em qualidade. É amor de uma ordem diferente e mais alta. Muita da dificuldade que sofremos em nossos esforços para entendê-lo vem da presunção errônea de que ele é do mesmo gênero que nossos afetos naturais, construídos sobre forte reciprocidade, profunda atração, experiências e interesses partilhados. Como, perguntamos, podemos sentir uma afeição calorosa por aqueles que estão se esmerando ao máximo para nos destruir? Nossos inimigos não são somente sem atrativo para nós, mas o seu comportamento é repugnante. Somos repelidos tanto por seus atos como por suas pessoas. É claro que as velhas regras aqui não se aplicam. O amor ao próprio adversário não pode ser construído sobre a emoção.
O amor que pode abraçar seus inimigos não se origina na terra. Homens, mesmo em seus mais heróicos momentos, têm conseguido amar apenas os amáveis (Romanos 5:7). Deus, por outro lado, tem consistentemente amado seus inimigos, mandando chuva e sol, tanto sobre os bons como sobre os maus (Mateus 5:45). Esta boa vontade divina não tem nada a ver com alguma qualidade atrativa que possa ser encontrada em nós. Todos nós temos sucedido em fazer-nos moralmente repugnantes (Eclesiastes 7:20; Romanos 3:9-18) e é altamente improvável que jamais, nesta vida, entenderemos a total repulsa de sua santa natureza por nossos ímpios modos. O anseio de Deus pelos homens vem, como teria que ser, de seu próprio caráter e vontade graciosa. Em sua misericórdia, ele quer fazer o bem àqueles cujas próprias vidas são uma ofensa a sua natureza. Ele tem amado os desamoráveis. Quão verdadeiramente Paulo escreveu, "Mas Deus prova seu próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores" (Romanos 5:8).
O poder que abre aos cidadãos do reino do céu a capacidade para amar de tal modo sem egoísmo é o exemplo do Pai deles. Há uma força tremenda naquele que criou todas as coisas. Os céus proclamam sua glória (Salmo 19:1). O universo testifica seu eterno poder e divindade (Romanos 1:20). Mas não é na grandeza de seu poder criador que nós realmente conhecemos Deus (1 Reis 19:11-12). A revelação final, completa de Deus, foi reservada para aquele que veio em "fraqueza" (1 Coríntios 1:27) e esvaziou-se a favor dos outros (Filipenses 2:5f). Só Jesus revelou o Pai em plenitude (João 1:18) e somente quando o vimos foi que conhecemos seu Pai (14:6-7). Nunca olhamos mais diretamente a face do Deus vivo do que quando estamos, pela fé, ao pé da cruz e ouvimos seu Filho clamando por misericórdia para com os homens ímpios que o estão assassinando. Aqui está o poder. Aqui está a divindade. Não negamos seu absoluto poder físico. Não podemos resistir a sua sabedoria. Sua justiça perfeita enche-nos de reverente temor. Mas quando, por Cristo, encontrarmos acesso às "profundezas de Deus" (1 Coríntios 2:10) saberemos que não há nenhuma descrição mais verdadeira do divino caráter do que a breve afirmação de João, "Deus é amor" (1 João 4:8).
Os homens que estão sendo beneficiados de tal graça imerecida devem ser capazes de entendê-la e aplicá-la a outrem. Na verdade, "Nós amamos porque ele nos amou primeiro" (1 João 4:19). Mas este amor é um amor da vontade, e não das emoções. Nosso Salvador não está pedindo que tenhamos uma afeição calorosa aos nossos inimigos. Na realidade, nosso sucesso em verdadeiramente amá-los será diretamente dependente da nossa capacidade de desligarmo-nos de seu comportamento e responder a sua verdadeira necessidade, antes que a sua conduta. Em seu comentário ao Evangelho de Mateus, William Barclay deu-nos uma descrição muito adequada desta qualidade celestial de amor: "Agape [amor] não significa um sentimento do coração, que não podemos evitar, e que vem sem ser convidado e sem ser chamado; ele significa uma determinação da mente, pela qual atingimos esta boa vontade inconquistável até para com aqueles que nos ferem e nos injuriam." Este é o tipo da determinação moral que tem que vir finalmente para ser o fundamento de todos os nossos outros amores. Ele tem que ser a força de sustentação sobre a qual são construídas as profundas afeições do casamento e da família, a camaradagem sem egoísmo dos amigos e, acima de tudo, a comunhão dos santos.
"Portanto, sede vós perfeitos, como perfeito é o vosso Pai celeste" (Mateus 5:48). Há algo incomensuravelmente grande, bem como profundamente perturbador, sobre ser chamado para ser como Deus. A possibilidade emociona ao mesmo tempo que amedronta. A perfeição que Jesus tanto promete como ordena aos seus discípulos não se refere à justiça sem pecado de Deus, mas à plenitude e inteireza de seu amor. Nossa boa vontade, seletiva e imperfeita, tem que ser ampliada para abranger todos os homens. Tal amor não será comprado por um preço barato. Dor e agonia estão no processo. Mas temos que crescer para sermos como nosso Pai ou deixar o direito de sermos chamados seus Filhos (1 João 4:7-8).
22. Temos Que Amar Nossos Inimigos Sempre?
O amor exigido do discípulo do Senhor é radical. É muito mais do que a civilidade que evita que uma pessoa exerça vingança pessoal sobre seus inimigos. É a boa vontade positiva que a obriga a orar e trabalhar pelo máximo bem dos seus adversários (Mateus 5:44; Lucas 6:35). Não é surpresa, portanto, que os homens sempre tenham lutado contra seu impacto.
Tem o cidadão do reino que agir sempre pelo eterno bem-estar dos outros? Tem que ser esta a sua atitude, quando sua propriedade e até mesmo sua vida estão sendo ameaçadas? Tem (o discípulo, como agente de polícia, soldado, pai, mãe, etc.) que governar continuamente seu comportamento por este princípio sem egoísmo, que redime?
Esta questão tem dividido os séculos pela controvérsia, alguns argumentando que o princípio do amor do Sermão é absoluto e universal, outros defendendo várias exceções. Por dois séculos depois da morte dos apóstolos nenhum escritor cuja obra sobreviveu aprovou a participação dos cristãos em guerra. Seguindo o reino de Constantino, quando o império que agora era "cristão" estava sob o ataque das hordas bárbaras, Agostinho e outros, enquanto ainda aconselhavam a não-violência pessoal, permitiam, e até incitavam, os cristãos a participarem de "guerras justas", como agentes do estado civil. Agostinho defendia tal guerra como defensiva do último recurso empreendido pela autoridade constituída por justas causas, por meios justos e por justos fins (Roland Bainton, Atitudes Cristãs Para Com a Guerra e a Paz, pág. 66, 67, 89-100). As vozes dirigentes da Reforma mantinham o ponto de vista da "guerra justa", justificando pelas guerras de Israel, o envolvimento de cristãos em combates militares e fazendo distinção entre o discípulo como um indivíduo e o discípulo como um agente do estado.
Não há caminho fácil para resolver a questão, se o cristão tem sempre que amar seus inimigos, envolvendo-nos, como o faz, nas difíceis disputas sobre a relação do cristão com o estado, e o direito à defesa pessoal. Não obstante, cremos que a resposta à pergunta que levantamos deveria ser um irrestrito "sim".
Quando alguém argumenta com o direito irrestrito à auto-defesa pessoal contra os ensinamentos de Mateus 5:38-48, o mandamento do Senhor para obrar o máximo bem dos seus inimigos é efetivamente anulado. Excluindo o direito à auto-defesa, em casos de ataque por causa do evangelho, deixa o cristão, na posição quase impossível de ter que apurar rápida e acuradamente o motivo de seu assaltante. Estamos contentes em dizer que qualquer auto-defesa consistente com o bem eterno de nosso adversário é totalmente permissível (Mateus 7:12).
Quando alguém argumenta que as guerras de Israel estabeleceriam que um povo mandado amar seus inimigos pode também mover guerra contra eles, deveria pelo menos se notar que estas foram guerras de agressão não provocada, e freqüentemente de extermínio, que foram lutadas por ordem de Deus (Êxodo 23:31-32; Deuteronômio 20:10-19). Elas exprimem mais o direito de Deus julgar os iníquos do que qualquer caso de "guerra justa." É difícil, se não impossível, comparar as guerras modernas com as guerras de Israel (Clouse, Guerra: Quatro Pontos de Vista Cristãos, pág. 10).
Uma "guerra justa", movida por homens não convertidos, sempre foi mais sonho do que realidade. Dificilmente há uma guerra moderna, talvez nenhuma, na qual ambos os lados de algum modo claro não violaram o modelo da "guerra justa". A guerra moderna nos força a perguntar como a justiça pode ser imposta ao culpado e o inocente preservado pelo bombardeio cerrado de cidades inteiras ou a incineração de populações inteiras, em um holocausto atômico. E, mesmo que isto não fosse verdade, restaria a carga impossível que este ponto de vista coloca sobre o cristão para saber coisas sobre os conflitos internacionais que geralmente não se tornam conhecidas até anos mais tarde. Nenhuma nação move abertamente uma guerra injusta. A justiça é sempre o grito pelo qual elas incitam sua cidadania às armas.
No caso extremo, podemos estar lidando no estado civil com um instrumento de Deus, que existe pela sua autoridade permissiva (Romanos 13:1; João 19:11) e o qual ele usa como um "vaso de ira", para manter a ordem em um mundo ímpio (Isaías 11:5-7,12; Jeremias 25:9; Isaías 14:4-6; Daniel 4:17,24-25; Isaías 44:28; 45:1). Pelo menos estamos lidando com uma instituição sob uma incumbência limitada para agir com justiça, punindo o malfeitor e protegendo o inocente (Romanos 13:1-7; 1 Pedro 2:13-14). Em nenhum caso estamos livres para ter um relacionamento insensato com a autoridade civil, ingenuamente presumindo que porque Deus a "ordenou", ela sempre agirá de acordo com sua vontade. Os dominadores deste mundo estão muitas vezes retratados nas Escrituras como inimigos dos propósitos de Deus (Salmo 2:1-2; Daniel 2:44). A ascensão do nacionalismo tem freqüentemente feito de cristãos patriotas insensatos em todos os países, a lealdade ao grande Rei quase esquecida na febre de um partidarismo estreito. Em nenhum caso temos permissão para entregar nossa responsabilidade por escolhas morais ao estado e assim escapar do compromisso que fizemos, de amar a todos os homens. O reino do céu é uma comunidade de "todas as tribos, e línguas, e povos, e nações" que tem que cumprir a visão profética de um reino onde o homem não mais aprende a guerrear (Isaías 2:4; 11:9). Se, no serviço do reino da justiça, renunciamos a nossas vidas, nada inesperado terá acontecido (Lucas 14:26). Em qualquer circunstância em que nos encontremos, teremos que amar nossos inimigos. Se nossa circunstância previne isso, então nossa circunstância tem que ser mudada.
23. A Vida Voltada para Deus
O quinto capítulo de Mateus contém um profundo estudo da justiça do reino do céu (5:20-48). Jesus começou atacando a atitude hipócrita dos fariseus no seu lado mais aparente: seu tratamento dos outros. Ele torna claro que a verdadeira justiça é uma piedade que atinge o fundo do coração, sondando os motivos e atitudes e não meramente tratando de palavras e ações. A base de tudo do que ele prescreve, ainda que nunca explicitamente declarada, está o resultado prático do antigo mandamento para amar ao próximo como a si mesmo. Entretanto, se o tratamento sem amor que os fariseus davam aos outros fosse a mais óbvia manifestação de sua falência espiritual, não era aqui que os problemas deles haviam começado. É àquela área onde a verdadeira justiça começa que o Mestre agora se dirige (capítulo 6).
Quando Jesus concluiu seu ensinamento sobre o amor ao próximo, ele havia elevado seus ouvintes ao próprio trono de Deus. "Portanto, sede vós perfeitos, como perfeito é o vosso Pai celeste" (5:48). É aqui que a chave de toda a piedade, tanto moral como espiritual, repousa: não em nossas relações com outros, mas em nosso relacionamento com Deus. "Amarás a teu próximo como a ti mesmo" é o segundo dos grandes mandamentos; o primeiro é "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração" (Mateus 22:35-37).
Os homens têm lutado através dos séculos para erigir um código ético separado da divindade. Mas, como Schopenhauer uma vez escreveu: "Ensinar moralidade é fácil. Encontrar uma base para a moralidade é difícil." Tais esforços têm falhado porque, na ausência de um Deus moral que se interessa pelo comportamento de suas criaturas, todos os códigos morais são arbitrários e sem significado. Na verdade, se não existe tal Deus, é inconcebível que o homem possa sequer existir como um ser moral. Ele deveria simplesmente ser incapaz de cogitar de questões éticas. O fato de o homem ser moral fala eloqüentemente da existência de um Deus moral.
Mas uma ética do comportamento humano, mesmo uma tão grande e verdadeira como "Amarás o teu próximo como a ti mesmo", não pode apoiar-se em si mesma. Torna-se sem sentido e impossível, fora de um profundo comprometimento com o Deus de cuja natureza e vontade toda a estrutura moral do universo depende. Homens que querem tratar de moral têm que tratar com Deus. Essa é a razão pela qual não é possível cumprir a ética do reino do céu, a não ser por aqueles que estão aptos para o reino. Ela não pode ser mantida por homens não convertidos.
Quando o capítulo 5 termina, Jesus já tratou com pormenores da verdadeira justiça, mas o manancial dessa justiça até aqui só foi vislumbrado. Ela é uma justiça do coração, global e indivisível. Mas, mesmo quando o capítulo atinge seu clímax, no chamado ao amor dos próprios inimigos, somos levados a bradar, em desespero, "Como?!" E quando ainda estamos perguntando, nossa atenção é chamada para o céu. É só Deus quem pode abrir a possibilidade de tal amor entre homens. Como diz João, "Amamos porque ele nos amou primeiro" (1 João 4:19). Homens, apartados de Deus, podem reconhecer até certo ponto a necessidade de amar a outrem, desta mesma maneira pura, porém jamais encontrarão dentro de si mesmos a força espiritual para fazer isso. Somente num absoluto compromisso com Deus isso se torna possível.
É necessário ser entendido, mais ainda, que as exigências éticas do reino não são um fim em si mesmas. Como Jesus esclarece antes de introduzir esta nova dimensão da justiça, o propósito de todos os mandamentos éticos é transformar-nos em retratos de nosso Pai. Então, se entendemos corretamente o que Jesus está dizendo, a questão com a qual terminaremos cada dia não é, "Cometi homicídio ou adultério ou isto ou aquilo?" mas, antes, "Deus foi o primeiro em minha vida hoje?" "Cumpri seus mandamentos?" "Fui fiel a ele?" "Conheço-o melhor; sou mais parecido com ele?"
Os homens sempre foram lentos no entender que o pecado mais fundamental de todos não está no nosso mau trato dos outros, mas em nossa teimosa e orgulhosa recusa em adorar e honrar a Deus acima de tudo o mais. É a esta criminalidade cósmica que Paulo fala em Romanos, quando ele diz do mundo pagão: ". . . porquanto, tendo conhecimento de Deus não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato." (1:21). É por causa deste crime central que os homens têm afligido a si mesmos com tais horrores de imoralidade e desumanidade (1:26-32), e não o inverso. A primeira tarefa de homens à procura da justiça do reino de Deus é tratar com o próprio Deus, e a única abordagem que tem sido aceitável por ele foi a da absoluta humildade e devoção.
24. O Problema do Orgulho
Talvez não haja maior rival do amor que devemos a Deus do que o ego humano. O orgulho reside no coração do espírito do pecado: o perverso desejo dos homens de serem "como Deus", de situarem-se no centro de tudo. É a morte dessa mente egoísta e arrogante, sempre exaltando a si mesma, contra o conhecimento de Deus, que o evangelho exige. Este orgulho tem em si uma qualidade escura, porém espiritual. É um desejo da mente, não da carne. O prazer que ela encontra não está no mal feito, mas na própria idéia de rebelião. Em suas Confissões, Agostinho se recorda de um tempo, em sua juventude, quando ele e alguns amigos roubaram frutos da pereira de um amigo e deram a maior parte deles aos porcos. Não foram as peras que o atraíram, ele disse, porque tinham melhores em casa, mas a emoção de tomar o que era proibido (Livro II, cap. 4).
É a este problema central e crítico do orgulho que Jesus agora volta sua atenção, quando ele começa um estudo de três coisas que subverterão a verdadeira devoção a Deus do cidadão do reino (6:1-34). Ele introduz esta primeira parte (versículos 1-18) com um mandamento que estabelece um princípio: "Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles". Ele, então ilustra sua advertência em três áreas da piedade religiosa: dar esmolas, orar e jejuar.
Fica-se imaginando, logo de saída, qual seria a atração possível que os atos de dar esmolas, de orar e de jejuar poderiam ter para o homem orgulhoso, desde que eles estão tão ligados à humildade diante de Deus e a um cuidado desinteressado pelos outros. Entretanto, a advertência de Jesus esclarece que até mesmo a piedade religiosa pode, através da intermediação do orgulho, tornar-se uma perversidade intoxicante, egoísta. O que era que arrastava os arrogantes fariseus para os cofres do Templo, e para freqüentes ocasiões de orações e jejum (Lucas 18:10-12)? Era a esperança de se elevarem por si mesmos. Para cada colherada de humildade aparente investida, esses hipócritas colhiam um quilo de vanglória. Por tudo isto, precisamos ficar advertidos de que é altamente possível fazer a coisa mais nobre pela razão mais corrupta. Mera adoração e generosidade não dão a um homem a certeza de refúgio do mal. Satanás o seguirá até dentro do recinto da oração e tornará sua própria adoração em pecado. Um homem tem que manter seu coração puro e seu amor verdadeiro. Deus tem que ser o objetivo de tudo.
Este princípio recém declarado pode, de início, parecer contrariar a ordem anterior de Jesus para que "Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens" (5:16), mas não existe nenhuma contradição real. Há um mundo de diferença entre fazer o bem para refletir honra ao Deus que fez tal bondade possível e fazer o bem de modo a atrair honra sobre si mesmo. Não é sermos vistos pelos homens o que preocupa o Salvador, mas o desejo de sermos vistos por eles.
Pode não ser necessário afirmar isto, mas o ponto verdadeiro aqui não está em se agradar a Deus ou aos homens (um problema real, também) mas em se agradar a Deus ou a nós mesmos. É este insidioso deleite com nossa própria importância que envenena toda a piedade que pretendemos. Não é para o bem deles que desejamos ser vistos pelos homens, mas pelo nosso. A matéria é resolvida facilmente se formos bastante humildes para desejar isso. Como Bonhoeffer o expressou, nossa luz é para ser vista pelos homens, mas escondida de nós mesmos.
Orgulho, vanglória, eis a própria essência da mentalidade anti-Deus. Homens consumidos pelo orgulho não podem amar a Deus. Ele é o inimigo deles, o rival deles, aquele que está postado onde eles gostariam de estar. Mas não é só a Deus que eles não podem amar. O orgulho, finalmente, nos impede de amar quem quer que seja. Todos os homens são vistos como rivais de nossa posição de honra. Outros não podem ser tratados como amigos, muito menos como irmãos. Podem ser tolerados somente como servidores da nossa própria vaidade, ferramentas para serem dispensadas quando cessarem de servir bem ao seu propósito. Até mesmo o mundano imoral, enredado na concupiscência da carne, pode apreciar a calorosa camaradagem com seus colegas do mundo, mas ao homem orgulhoso até isto é negado.
A coisa mais decisiva sobre o orgulho é sua sutileza. Ele pode nutrir-se dos próprios esforços que fazemos para esmagá-lo. Primeiro, somos negligentes com nossa escancarada vaidade. Então, arrependemo-nos de nossa arrogância. Aí, orgulhosamente, observamos quão bravamente e completamente deixamos nossos modos vãos para trás. A seguir, "vemos além" do embuste do orgulho e de novo nos enchemos de remorso. Então, lá vem, rastejando lentamente, um sentimento de presunçosa satisfação conosco mesmos, porque fomos tão ligeiros em detectar o orgulho, neste esforço sutil para nos recuperarmos. O processo pode continuar sem fim. O orgulho não se importa em ceder campo, desde que conserve a fortaleza.
Como, então, escaparemos desta arrogante auto-estima que nos impossibilita de conhecer a Deus ou de amar os homens? Não é pela concentração nela. Humildade verdadeira não consiste em pensar que você é desprezível, mas consiste simplesmente em não pensar nada sobre você. O orgulho morre só quando o próprio "eu" é esquecido; e nos esquecemos de nós mesmos, somente em face de uma muito maior lealdade e devoção. O velho "eu", arrogante e vão, terá morrido quando Cristo de tal modo nos encher que não mais haverá nenhum lugar para qualquer outra coisa (Gálatas 2:20; Colossenses 3:3), quando pudermos dizer, quase sem pensar, "Cristo é tudo" (Colossenses 3:11b). Que pensamento abençoado!
25. O Toque das Trombetas
No Sermão da Montanha, Jesus não estabelece nenhumas instituições específicas de adoração. Tratando simplesmente com princípios, ele os ilustra com expressões da piedade religiosa já familiares aos seus ouvintes (note 5:23). Doação de esmolas, como oração e jejum, não eram nada novo para seus ouvintes. A lei de Moisés não deixou dúvidas quanto ao cuidado de Deus pelos pobres. Providências especiais foram tomadas quanto às suas necessidades (Êxodo 23:11; Levítico 19:9-10). Foi pronunciada uma bênção para àqueles que se lembrassem deles (Salmo 41:1) e uma maldição sobre os que não o fizessem (Provérbios 21:13). Entretanto, doar aos pobres, como todas as outras expressões de devoção a Deus, pode azedar-se, por um motivo perverso. A ausência de um coração voltado para Deus, naquilo que fazemos para outros polui tudo. Naturalmente, se o amor ao dinheiro é o problema de um homem, a doação de tudo que ele possui aos pobres poderia bem ser uma solução (Mateus 19:21), mas dar esmolas não é, necessariamente, uma resposta para o homem orgulhoso (1 Coríntios 13:3). Pode servir só para inflar seu já enorme ego. É a este assunto que Jesus se dirige na primeira das suas ilustrações da hipocrisia religiosa.
"Quando, pois, deres esmola, não toques trombeta diante de ti" (Mateus 6:2). Dois meios poderosos de conter presos os cães da auto-glorificação são dados aqui pelo Salvador. O primeiro é: não toque trombeta cada vez que você fizer algo bom. Isto é, não o anuncie aos outros. Não é provável que os hipócritas, aos quais Jesus se refere, fossem tão espalhafatosos ao ponto de tocarem, realmente, uma trombeta cada vez que passassem uma moeda a uma pobre alma. O Senhor está simplesmente usando uma figura de linguagem. Há outros modos mais sutis e mais efetivos de se obter publicidade para sua generosidade, sem parecer tolo.
Quando Jesus fala das "sinagogas" e "ruas" como sendo lugares populares para o exercício da generosidade hipócrita, ele não está dizendo que esses locais sejam impróprios para mostrar compaixão. Afinal, era justamente nesses locais muito freqüentados que os mendigos procuravam ajuda (João 9:1,8; Atos 3:2). Ele está antes atacando a disposição vangloriosa de alguns a representar exclusivamente em público.
Há, porém, uma forma mais sutil e mais perigosa desta moléstia do ego: a vontade de dar esmolas em esquinas quietas e anunciar isso mais tarde, bem de maneira descuidada. É sempre tão fácil, quando falando "compassivamente" das necessidades dos outros, mencionar sempre bem despreocupadamente o que fizemos por eles. Jesus nos adverte, em termos nada ambíguos, para mantermos a boca fechada sobre o assunto, contentes porque nosso Pai sabe.
Os cidadãos do reino são pessoas em busca do caráter piedoso, não de uma mera reputação de piedade. Entretanto, se a justiça do céu é do coração, ela não é monástica nem reclusa. Há manifestações óbvias e abertas de verdadeira religião e o discípulo do Senhor não faz nenhum esforço para esconder dos outros sua vida, porém não é para receber honra por ela que ele assim faz. Seu cuidado pelo pobre e o desafortunado é simplesmente uma extensão do amor compassivo do seu Pai.
"Tu, porém, ao dares a esmola, ignore a tua esquerda o que faz a tua direita" (Mateus 6:3). Deixar de anunciar nossas boas ações aos outros ataca o problema porém incompletamente. Conforme o escritor e pregador do quarto século, Crisóstomo, observou, "Podeis praticar boas ações diante dos homens e, entretanto, não procurar o louvor humano; podeis praticá-las em segredo e, entretanto, em vosso coração, desejar que elas possam vir a ser conhecidas, para ganhar esse louvor." É por esta razão que Jesus dá a segunda ordem: não a anuncie a si mesmo! Este é o ponto da metáfora do Senhor sobre as mãos. Nosso dar tem que ser totalmente sem auto-consciência, sem qualquer pensamento em algum crédito que seja lançado em nossa conta com os outros. Não devemos manter a conta (Mateus 25:37). Deus é quem fará isso.
Não há nada que mais envenene o manancial da verdadeira bondade para com os outros do que procurarmos, ao mesmo tempo, nossos fins em cada ato de bondade. Isso custa ao que o pratica todo o sentido de integridade, inteireza e paz da consciência, sem falar em toda a recompensa de Deus. Mas lembre-se de que tal hipocrisia é sutil, prendendo nossos corações quando menos o pretendemos ou o esperamos.
O maior exemplo desta mente desinteressada, não calculista, consciente de Deus, é Jesus. Sua paixão nunca foi para com ele mesmo. Ele entrou na História inteiramente para o benefício dos outros. Ele se fez carne, não para cumprir sua agenda, mas para cumprir as obras de seu Pai (João 5:19), para falar as palavras de seu Pai (João 7:16-18; 12:49-50) e para fazer a vontade de seu Pai (João 5:30; 6:38; 14:31). É justamente esse espírito de auto-negação que cada discípulo verdadeiro do Senhor almeja ter. É, quando praticado, a morte absoluta de toda a hipocrisia e falsidade. No coração onde Cristo e seu amor pelo homem dominam tudo não sobra lugar para o "eu".
Reflita. Sempre que você estiver agindo para aliviar as necessidades dos despojados e dos desafortunados e certa sensação de satisfação consigo mesmo e presunção começarem a rastejar sobre você, ou um desejo de que outros saibam quão nobre você é, preste atenção, e você ouvirá o clamor das trombetas troando.
26. Purificando Nossas Orações
"E, quando orardes, não sereis como os hipócritas; porque gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens" (Mateus 6:5). Jesus agora toma sua segunda ilustração daquela piedade desinteressada que é totalmente centrada em Deus e sem falsidade. Como no caso das esmolas, ele a coloca contra a conhecida prática dos hipócritas religiosos.
A oração não é uma opção espiritual. Ela repousa no centro essencial do relacionamento do homem com Deus; a oração e a verdadeira justiça são inseparáveis. Esta é a razão pela qual não há nada mais profano do que representar para as platéias, quando alguém deve estar se dirigindo a Deus. É uma ousada forma de desrespeito atirada diretamente à face da Majestade do Alto. É bastante ruim representar jogos hipócritas com o pobre. É desastroso dissimular na face de Deus.
A oração, pela própria natureza, requer a abertura do coração, em absoluta simplicidade, ao Todo Poderoso. Este espírito nunca foi melhor expresso do que no apelo de Davi: "Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno" (Salmo 139:23,24). Quando pomos até mesmo nossas conversas com o Senhor do Universo a serviço duma vanglória arrogante, fazemos um avanço considerável na arte da corrupção espiritual.
Os cidadãos do reino, diz Jesus, não devem orar como os hipócritas da sinagoga. Os fariseus e os do seu tipo amavam orar, porém não amavam a Deus. Jesus uma vez tomou as palavras de Isaías para descrevê-los: "Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim." (Mateus 15:8). Seu crime não estava na mera indiferença a Deus. Eles poderiam ter feito isso deixando de orar completamente. Estes farsantes estavam usando a oração como um instrumento de auto-elevação, um meio de estabelecerem uma reputação barata de piedade.
O Senhor, nesta ocasião, não está efetuando um ataque contra a oração em público. Como foi notado antes, o pecado dos escribas e fariseus não estava em serem vistos, mas no seu desejo de serem vistos. Eles amavam orar, não pelo amor à oração ou ao Deus a quem estavam se dirigindo, mas pelo amor a si mesmos e pela ocasião que ela lhes dava para exibirem sua "piedade". O estilo das orações dos fariseus era como aquele descrito num relatório de jornal de um serviço religioso que, com referência à oração, disse: "A mais bela oração jamais oferecida a uma congregação de Boston!"
O pecado dos hipócritas não estava em ficarem em pé para orar (uma prática comum entre os judeus, Lucas 18:13), ou em fazer isso numa esquina ou na sinagoga. A oração tinha um papel importante na vida religiosa judaica, na adoração no Templo, na sinagoga e em outros lugares públicos, e nas devoções pessoais. Algumas destas orações eram fixadas pela tradição a certas horas do dia (Atos 3:1; 10:30) e poderiam ser feitas tanto pública como privadamente, dependendo das circunstâncias de cada um. Os escribas e fariseus, devido ao seu amor à celebridade (Mateus 23:6; Marcos 12:39), haveriam de certificar-se de que a hora das orações os encontrasse num cruzamento bem movimentado. A oração em particular não haveria de ter nenhum encanto para eles.
"Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, e, fechada a porta, orarás a teu Pai que está em secreto; e teu Pai que vê em secreto, te recompensará" (Mateus 6:6). Para fazer a força de sua exortação mais intensa, Jesus se move do pronome pessoal plural para o singular. Ele está lutando com uma atitude pessoal íntima e não com as formas de adoração coletiva. Nossa verdadeira atitude para com Deus é muito mais revelada pelas devoções solitárias do que pelas públicas. Entretanto, tão certo como Jesus não proibe oração em público, por estas palavras, ele não está simplesmente instando seus ouvintes para que sejam diligentes em suas petições particulares. Ele, certamente, não está meramente apelando a eles para que encontrem um lugar para falar com Deus onde as distrações da vista e o som sejam mínimas. O "quarto" nesta passagem é totalmente metafórico. A maior distração da verdadeira conversa com Deus não é o ruído ou outras pessoas, mas o ego humano. É desta mente egoísta que temos que nos esconder, para orar a nosso Pai aceitavelmente. Não há esconderijo físico que possa nos assegurar contra o orgulho. Ele nos ataca em toda a parte, até mesmo em nossos "quartos", onde podemos ser encontrados desejando, até mesmo em nossa solidão, que houvesse alguém ali para apreciar nossas orações. E, mais tarde, poderemos satisfazer nosso desejo, contando a outros quanto tempo e quão freqüentemente temos orado a sós.
Nossas orações a Deus nunca podem ser puras, em qualquer lugar, enquanto elas não se tornarem a expressão natural de uma mente desinteressada, com o desejo de honrar e agradar àquele de quem emanam todas as bênçãos. Ore sempre (1 Tessalonicenses 5:17) e em todo lugar (1 Timóteo 2:8). Ore na assembléia dos santos e ore ao lado do leito. Ore no meio do alvoroço da multidão ou num recanto quieto. Certifique-se, somente, de que seu coração é genuíno e de que sua mente é sincera, que você fala com Deus e não aos homens. De outro modo, você já foi recompensado pela sua vaidade (6:5-6); e esta é uma pobre remuneração, de fato!
27. A Repetição Não Garante a Aceitação
"E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos. Não vos assemelheis pois, a eles; porque Deus, o vosso pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais" (Mateus 6:7-8). Não se duvida de que, entre os escribas judeus, havia uma tendência por preces longas e pretensiosas. O autor do livro apócrifo Ecclesiasticus (escrito no intervalo entre o Velho e o Novo Testamento), instava seus leitores para que "não se dessem a muita tagarelice", quando orassem. Jesus repreendeu os escribas do seu tempo, cujas preces públicas cresciam em extensão e pretensão conforme suas vidas privadas se tornavam mais repreensíveis (Marcos 12:40; Lucas 20:47). Mesmo do lado pagão, Sêneca falou daqueles seus contemporâneos que eram culpados de "fatigarem os deuses" com suas intermináveis petições.
Poderíamos ser tentados a acreditar (dada a ênfase dos versículos precedentes, 6:2-6) que é a este tipo de postura hipócrita na oração que Jesus se refere, se não fossem as claras palavras de nosso texto. Há uma mudança óbvia no versículo. Em vez da hipocrisia dos fariseus, Jesus se volta para reprovar a ignorância dos gentios. Ao contrário dos hipócritas judeus, cuja única preocupação era com o aplauso da multidão, esses gentios realmentequeriam ser ouvidos pelos poderes dos céus (versículo 7b), mas eram impedidos em seus esforços pela ignorância fatal da real natureza de Deus (veja Atos 17:22-23).
As preces pagãs nasceram da natureza das divindades pagãs. Os deuses da Grécia e de Roma não tinham qualquer semelhança com Jeová dos Exércitos. Eles eram moralmente indiferentes, caprichosos e imprevisíveis, geralmente desinteressados das ocupações dos homens (veja 1 Reis 18:27). Os gentios estavam geralmente aterrorizados com seus deuses e procuravam aplacá-los ou ganhar sua atenção pela repetição interminável de fórmulas rituais. Pensavam que estes encantamentos tivessem um poder totalmente à parte da atitude ou do caráter do suplicante. O adorador pagão não podia depositar nenhuma esperança de ser ouvido, quer no senso de justiça, quer na compaixão dos deuses, uma vez que eles eram desprovidos de ambos. Tudo dependia das fórmulas corretas. O historiador Will Durant descreveu a religião grega como "um sistema de mágica mais do que de ética" (The Story of Civilization, vol. II, p. 201). Da religião romana, ele escreveu: "Ajudou esta religião a moral romana? De certo modo, ela era imoral: sua ênfase no ritual sugeria que os deuses recompensavam não a bondade, mas as oferendas e as fórmulas" (The Story of Civilization, vol. III, pág. 67).
A chave da prece, para os gentios, não estava na sinceridade de seus espíritos, ou na piedade de suas vidas, mas em "muito falar". As "vãs repetições" que Jesus rejeita não se referem, primariamente, à mera verbosidade, e certamente não à sincera persistência na oração, que Jesus tanto exemplificou (Mateus 26:36-46) como ordenou (Lucas 18:1-8), mas a uma crença de que o segredo da prece efetiva está nas palavras antes que na vida e na atitude do adorador. Repetições negligentes não empenham o coração, o qual é absolutamente essencial para a comunicação com Deus (João 4:24). Temos que chegar a ele com uma devoção pura.
O princípio que Jesus expõe aqui é violado, hoje em dia, quando começamos a pensar que o simples número de nossas orações é mais importante do que o espírito que damos a elas, e que o segredo de sua força está na sua formulação correta. Deus não é uma máquina. Parece-me que há um pouco disso presente em nossa insistência mecânica que uma oração não é aceitável a não ser que ela seja concluída com as palavras: "em nome de Jesus" ou outra equivalente. Nem é preciso dizer que precisamos, continuamente, confessar e estar cientes da impossibilidade de acesso a Deus, exceto pela intercessão de seu Filho. É, também, edificante lembrarmo-nos, mesmo em nossas orações, que Jesus é nosso mediador com o Pai, mas "em nome de Jesus" não é uma fórmula mágica calculada para garantir que Deus aceite nossa oração, quer queira, quer não. Como no caso do batismo "em nome de Jesus Cristo" (Atos 2:38) ou fazendo tudo "em nome do Senhor Jesus" (Colossenses 3:17), é algo que você faz, não só o que você diz. Orar "em nome de Jesus" (João 14:13) tem algumas importantes implicações para nossa atitude e comportamento. É orar com uma viva consciência da mediação redentora de nosso Senhor (João 14:6). É, também, orar com espírito de submissão a sua vontade, um espírito que não quer pedir nada que seja contrário a sua natureza e propósito eterno (1 João 3:22; 5:14). Nossos balidos carnais na direção de Deus não ficarão mais santificados, porque terminamos nossa oração com o esperado "em nome de Jesus" (Tiago 4:3), do que um "batismo", executado contrariamente às instruções de Deus, será tornado santo porque alguém pronuncia que ele está sendo feito "em nome de Jesus Cristo." Nossa distraída recitação de palavras "de oração", quer seja rica em conteúdo ou bela de expressão, não nos abrirá as portas do céu simplesmente porque elas possuem a "forma" certa. Oração, no reino do céu, é simplesmente a conversa sincera e aberta, contudo reverente, de um filho com seu Pai, um Pai que ele sabe está ansioso e alegre em ouvi-lo.
28. ". . . Vosso Pai Sabe . . ."
Os gentios gastavam a maioria dos seus esforços na prece, só tentando obter a atenção de suas desatentas divindades. Eles também sentiam a necessidade de informar seus preocupados deuses sobre assuntos que poderiam, de outro modo, passar despercebidos, sem serem notados. Tais cuidados jamais deveriam sobrecarregar as orações dos cristãos porque, como Jesus diz, ". . . Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais" (Mateus 6:8). O Deus verdadeiro não ignora as necessidades de seus filhos (ou teríamos que informá-lo) nem é relutante a supri-las (ou teríamos que persuadi-lo). Ele não só sabe quais são nossas necessidades, absoluta e intimamente, mas está firmemente decidido a supri-las (2 Coríntios 9:8; 1 Pedro 5:6-7; Efésios 3:20). Com esta admoestação o Senhor procura remover dos corações dos seus discípulos aquele espírito de terror, medo e incerteza que tanto dominavam as preces dos pagãos. Os cidadãos do reino têm um Pai, a quem eles sempre podem se chegar, com desembaraço e confiança (Hebreus 4:16; 10:19-22).
Ao dar certeza aos seus discípulos da proximidade e acessibilidade do Pai, Jesus não tem intenção de levantar questões sobre a necessidade da oração. Pelo contrário, ele quer fazer nossas vidas mais cheias de orações. A oração é vista como vital para a vida no reino. A própria vida de nosso Salvador estava cheia de sinceras súplicas ao seu Pai, e neste Sermão ele não somente presume que seus discípulos hão de orar, mas torna claro que no reino de Deus as coisas não buscadas nem pedidas serão coisas não encontradas (Mateus 7:7-8).
Ainda assim, até mesmo mentes conscienciosas são levadas a cogitar. Se Deus sabe, e nos deseja dar aquilo de que necessitamos, por que ele não simplesmente o provê, sem que o peçamos? Será que isto não torna meio arbitrário o mandamento para orar, e arrisca deixar a impressão de que Deus simplesmente gosta de nos ver rastejando por nossas carências? Uma das verdades sobre a natureza de Deus, que brilha através de todas as Escrituras, é que ele nunca é arbitrário ou caprichoso naquilo que ele pede aos homens para fazerem (1 João 5:3). Cada mandamento tem um propósito e é sempre "para o nosso perpétuo bem" (Deuteronômio 6:24; 10:12-13). Pode haver muita coisa sobre o propósito e o funcionamento da oração que não entendemos completamente e temos que aceitar pela fé (confesso-o livremente da minha parte), mas há suficiente luz brilhando na Palavra de Deus para nos auxiliar a ver o porquê há algumas coisas que nosso Pai não pode dar-nos, a menos que as peçamos.
A oração é vista, nas Escrituras, como uma função da fé e uma expressão do coração (Mateus 21:23; Romanos 10:1). Em nossas petições, como em nosso louvor, curvamos alegremente nossa vontade diante da vontade dele e declaramos que aquilo que ele quer para nós é o que nós desejamos. Deus pode, na verdade, saber o que necessitamos e estar disposto a dá-lo, porém não ser capaz de fazê-lo por causa de nossa falta de fé íntegra (Tiago 1:5-8). Esta é, certamente, a situação no caso dos mais preciosos tesouros do reino, das coisas de que, verdadeira e realmente, necessitamos: amor, alegria, paz, piedade, benevolência, bondade, todos aqueles sinais da natureza divina que mostram que estamos nos aproximando da imagem de seu Filho (Romanos 8:29). É verdade que há necessidades materiais, como alimento e abrigo, que Deus pode prover sem nosso pedido ou gratidão (Mateus 5:45; Atos 14:16-17), mas ele parece decidido, mesmo aqui, a aumentar nossa confiança voluntária nele (Mateus 6:11 com Deuteronômio 8:2-3). Talvez ele nos trate assim, em assuntos de menor importância, porque ele sabe que nossas necessidades permanentes não nos podem ser concedidas sem a decisão submissa de nossas próprias mentes. A oração é, em sua essência, a abertura de nosso coração para Deus, convidando-o a agir na redenção de nossas vidas. No plano divino das coisas, ele não pode nos compelir, mas apenas se move dentro de nossas personalidades quando lhe damos essa liberdade. Deus, no seu poder, é capaz de saber os mais íntimos pensamentos de toda pessoa, bons ou maus, quer elas queiram, quer não (Hebreus 4:13; 1 Coríntios 4:5), mas a limpeza e a reorientação destes pensamentos não é possível enquanto seu dono não desejar sinceramente que seu coração seja assim sondado, para dele se removerem todos os maus caminhos (Salmo 139:23-24).
Para o iníquo, é uma fonte de pavor saber que Deus conhece os segredos do coração, mas para a alma sincera, submissa, confiante, tal verdade é fonte de inexprimível consolo. O pensar que Deus cuida o bastante para notar o que fazemos e pensamos é tanto humilhante como confortante. E para aquele que, tão cuidadosa e amorosamente sinalizou nosso caminho (Salmo 139:1 e seguintes), e tão perfeitamente conhece nossas necessidades, abrimos nossos corações com máxima fé: "Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno" (Salmo 139:23-24). É justamente este tipo de atitude, na oração, que move a mão de Deus, dando a ele a liberdade para fazer em nossas vidas o que ele sempre quis fazer e nos dar o que ele sempre quis nos dar.
Mas, se o espírito de fé em nossas orações permite a Deus nos conceder o que ele deseja nos dar, ele não é limitado pelo conteúdo de nossas orações. Freqüentemente, não sabemos orar como deveríamos (Romanos 8:26-28) e, em nossa ignorância, pedimos por circunstâncias que não operariam pelo nosso bem. Nosso Pai amoroso nos dará o pão mesmo quando, em nossa inocência, possamos estar pedindo uma pedra (Mateus 7:9-11), e isto é a verdade porque ele "é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos, ou pensamos" (Efésios 3:20). Que bênção é orar a um Deus como esse!
29. A Oração que nos Ensina a Orar
Jesus traçou três contrastes (6:2-3,5-6,7-8), quando chegamos a Mateus 6:9-15. Estes versículos representam o conselho positivo que nosso Senhor dá, contra as preces mecânicas dos pagãos. Os fariseus, ele nos diz, oram hipocritamente, e os gentios, insensatamente, mas o verdadeiro povo de Deus ora com uma devoção sincera e de todo o coração a ele, e ao seu propósito no mundo.
Esta oração breve veio a ser tradicionalmente identificada como "A Oração do Senhor". Ela não é a oração do Senhor, se quisermos que esta designação sugira que ele mesmo apresentou estas petições. É óbvio que o Cristo sem pecado não poderia juntar-se a um apelo para "perdoar nossas dívidas." Também não é a oração do Senhor, no sentido em que ela seja a única oração cujas palavras têm sua aprovação e a qual, portanto, tem especial aceitação. Não há qualquer evidência, em todo o Novo Testamento, de que esta breve petição tenha jamais sido usada como liturgia. O apóstolo Paulo encheu suas cartas de orações, mas suas ferventes súplicas nunca tomaram a forma do modelo do Senhor, ainda que fossem, certamente, muito influenciadas pelo seu espírito.
A oração que Jesus propõe aos cidadãos do reino é concebida para ser um exemplo, um modelo para ensinamento. Ore assim, ele disse. Aqueles que a transformam num ritual, numa liturgia, e julgam que sua força reside na fórmula correta, pervertem-na, para ser a própria espécie de insensato encantamento que o Mestre tão veementemente abominava. Não há nenhuma mágica em repeti-la, mas há força em entendê-la. Dentro de suas frases simples, podemos aprender as coisas que deveriam ser o tema principal das nossas vidas, bem como nossas orações.
Uma obsessão com coisas ocupava o pensamento e as preces dos gentios (6:25,32), mas os filhos do reino estavam em busca de Deus e de sua justiça. Este fato é revelado na parte inicial do modelo de Jesus.
A oração é dirigida a "Pai nosso, que estás nos céus", uma expressão usada vinte vezes em Mateus, como um título para Deus. Jesus ressalta fortemente, através do Sermão, esta íntima relação pessoal dos seus discípulos com um Deus pessoal (Mateus 5:16,45,48; 6:1,4,6,8,9,14, 15,26,32; 7:11,21). Os cidadãos do reino são filhos de Deus (5:45) e podem dirigir-se a ele de um modo que reivindica o mais íntimo e mais pessoal relacionamento de todos (Romanos 8:15; Gálatas 4:6). A divina Paternidade, da qual Jesus fala, não é a ampla relação que todos os homens têm com ele, na criação (Atos 17:28-29). Este é um relacionamento escolhido pela fé, um relacionamento que se revela no modo marcante que aqueles que o escolhem se assemelham ao seu Pai (Mateus 5:8,44-45,48) e fazem sua vontade (7:21). Assim é como a oração do cristão começa: como um filho dirigindo-se a seu pai, com todos os direitos e privilégios que este relacionamento sugere (7:11). Somente aqueles que receberam o "evangelho do reino" têm o privilégio de dizer "Pai nosso, que estás no céu." Mas não há nada estreitamente exclusivo com esta família. O mundo todo está convidado a entrar nela (Mateus 5:13-16). A escolha é nossa.
As súplicas da oração começam com Deus no centro de interesse. "Santificado seja o teu nome". O "nome" de Deus, neste apelo, se refere, como em outros lugares das Escrituras, não a uma palavra em particular, mas à natureza, o caráter e a personalidade de Deus (veja o uso inverso de pessoa e nome no Salmo 91:14 e João 1:12). Santificar o nome de Deus significa simplesmente reverenciá-lo, colocá-lo naquele alto e santo lugar que lhe pertence, como o Deus de toda a criação e o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Naturalmente, ele já é o santo Deus e não há meio sob nosso comando para torná-lo mais santo. A preocupação desta petição é que homens em toda parte reconheçam, em seus próprios corações e vidas, o que é manifestamente verdadeiro. Cada filho deste Pai deseja que todos os outros corações o conheçam e o glorifiquem. Assim, nossas orações devem começar, não com uma preocupação para conosco, mas com uma preocupação pela honra de nosso Pai. A oração deve começar com louvor.
Este tema é continuado na súplica "Venha o teu reino, faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu". Cremos que esta dupla petição seja um caso de paralelismo, a mesma coisa repetida com palavras diferentes. O grego para reino (basileia) tem em sua raiz a idéia de soberania e domínio e sugere, apenas por extensão, os conceitos acessórios de território e súditos. Este "reino" é o domínio do céu, na pessoa de Jesus Cristo, e o reino não vem a nações ou a terras, mas a indivíduos que aceitam a vontade de Deus em seus corações. O reino de Deus foi destinado a vir em poder do Senhor crucificado e ressuscitado (Marcos 9:1; Romanos 1:4), mas a preocupação, nesta petição como na anterior, não é que o poder seja dado a Cristo (o que era inevitável) mas que os homens o reconhecessem e se submetessem a esse poder alegremente. Assim, a oração é estendida, mas a preocupação continua a mesma: que o nome de Deus seja exaltado, que os propósitos de Deus sejam cumpridos, que a vontade de Deus seja feita entre os homens. Nossas orações precisam ser preenchidas, de uma maneira preeminente, com esta preocupação central e vital. Deveria ser suprema, na mente de cada filho de Deus. De outro modo, nossas orações por outras necessidades ficarão para sempre desconjuntadas e deslocadas. Esta é uma das lições da oração-modelo.
30. Deus se Preocupa com "Pequenas Coisas", Também
A ordem da oração-modelo de Jesus esclarece que a glória de Deus e o cumprimento de sua vontade no mundo têm sempre que estar no centro da vida e do pensamento do cristão. Suas orações, como sua vida, deveriam começar e terminar ali. É justamente em tal nota que o trecho do Sermão que contém esta oração instrutiva conclui (Mateus 6:33). Entretanto, isto não exclui que trazemos nossas próprias necessidades e fardos ao trono de Deus. Isto se torna evidente pelas três (alguns dizem quatro) súplicas conclusivas da oração (Mateus 6:11-13). Todas estas centram-se em necessidades humanas básicas.
"O pão nosso de cada dia dá-nos hoje" (Mateus 6:11). Com estas palavras, o Senhor faz uma súbita mudança da exaltação para uma coisa comum. A aparente descontinuidade dela fez com que muitos antigos comentaristas espiritualizassem o "pão", mas não há nada no contexto que o justifique. Na superfície das coisas, simplesmente parece que as considerações materiais devessem ser deixadas por último, depois do perdão e da força para resistir à tentação. Mas não é aí que Jesus as põe (tanto aqui como em Lucas 11:2-4). Ele, certamente, não pretende que as necessidades materiais se tornem a preocupação predominante (Mateus 6:19-32), mas também ele não está diminuindo sua importância. O "Verbo" que se fez carne entendeu, por experiência, as necessidades corporais dos homens (Hebreus 2:18; 4:15) e demonstrou quão seriamente ele as tomou em sua compaixão pelos enfermos e pelos famintos (Marcos 1:40-41; Mateus 15:32; 25:41-43). A inclusão desta breve súplica demonstra que não há assunto tão pequeno que não o possamos trazer, com confiança, ao nosso Pai. Paulo insiste nisto: "Não andeis ansiosos de cousa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas diante de Deus as vossas petições, pela oração e pela súplica" (Filipenses 4:6). Pedro diz o mesmo: "...lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós" (1 Pedro 5:7). Uma vez que tenhamos determinado fazer sua vontade a todo custo, podemos falar livremente com ele de todas as nossas necessidades, desde a menor até a maior.
Esta simples petição fala, não somente, da ampla abrangência do cuidado de Deus, mas de nossa própria total dependência dele. "Pão", como aqui usado, provavelmente representa todas as necessidades corporais da vida: alimento, abrigo, saúde, família, etc. Em qualquer caso, não podemos, com nossa desassistida força, suprir uma delas sequer. Como Clovis Chapell observou certa vez, não seríamos mais capazes de criar um pão do que de criar o universo. "Ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela se contém" (Salmo 24:1). Daí não termos outra escolha que não confiar em Deus, mesmo ao mais elementar nível.
A tradução "pão de cada dia" é algo como uma conjetura educada, desde que a expressão "de cada dia", não ocorre com certeza em qualquer outro lugar da literatura grega. Ela pode sugerir o pão para o dia vindouro ou o pão suficiente para nos sustentar. Em qualquer dos casos, Jesus nos ensina a não pedir mais do que o suprimento para um dia. Isto é uma dura tarefa para pessoas como nós, inclinados a sermos capazes de nos desesperar, se não tivermos garantida e bem guardada uma provisão para a vida inteira. Se seguirmos o conselho do Senhor, deixaremos de confiar no pão (João 6:25) e aprenderemos a nos apoiar inteiramente em Deus e em suas promessas. Aprendendo a viver confiantes com o que temos cada dia traz-nos à mente o experimento do maná de Deus com Israel, enquanto eles estavam no deserto. "Ele te humilhou," escreveu Moisés, "e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná . . . para te dar a entender que não só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da boca do Senhor" (Deuteronômio 8:3). Jesus já tinha usado esta passagem uma vez, com grande proveito (Mateus 4:4). Podemos fazer o mesmo.
Como quer que, então, pudesse ter parecido a princípio que esta oração pelo pão fosse uma súplica de um nível muito baixo, ela se revela ter um poderoso benefício espiritual. Ela nos ensina a fé. E esta é uma oração para o pobre como para o rico, igualmente; pois não importa quão pouco ou muito tenhamos ou quão duramente lutemos para obtê-lo e conservá-lo, só Deus pode adquiri-lo. Se aprendermos a confiar nele, os filhos de Deus podem viver serenamente na confiança já expressa por Davi: "Fui moço, e já, agora, sou velho, porém jamais vi o justo desamparado, nem a sua descendência a mendigar o pão" (Salmo 37:25). E se aprendermos este tipo de confiança sobre o pão, ela nos libertará para irmos em busca de coisas que são ainda mais importantes.
31. As Coisas Sem as Quais Não Podemos Viver
"E perdoa-nos as nossas dívidas . . ." (Mateus 6:12). Tendo começado com a petição que trata do cuidado de Deus conosco ao nível mais elementar, as necessidades materiais diárias, Jesus inclui duas petições que dizem a respeito de alguns imperativos absolutos da vida espiritual. A primeira é um apelo de perdão. Se há algo de enigmático sobre a forma que este apelo toma, é o uso da palavra "dívidas". O significado pretendido por nosso Senhor é esclarecido pelo relato de Lucas da oração-modelo, que tem "pecados" em vez de "dívidas" (11:4). Jesus está simplesmente usando uma metáfora para nosso fracasso diante de Deus. Devíamos algo a ele, como suas criaturas e seus filhos, que não pagamos e que agora estamos incapazes de pagar. O pedido de perdão está no tempo presente e fala à mercê do presente atual, não ao tempo futuro do julgamento.
Este simples apelo de perdão pelos nossos pecados, como uma necessidade do cidadão do reino, dá testemunho do fato que, ao tornar-nos cristãos não termina a batalha com o pecado, nem nossa necessidade de graça. Tem que haver uma contínua e crescente sensibilidade ao pecado e a todas as coisas vergonhosas e desonrosas. Alguns discípulos deixam-me com um pressentimento assombrado, por sua teimosa recusa em confessar e procurar o perdão, até mesmo, pelos erros mais óbvios. Admiramo-nos se eles jamais experimentaram o arrependimento ou, tendo-o experimentado, deixaram-no de lado permanentemente, como um evento antigo. Se jamais conhecemos uma verdadeira mudança do coração para com Deus, então estamos ainda em nossos pecados e tudo o mais não vale nada. O pecado não é somente um fenômeno que acontece só uma vez, para o cristão (1 João 1:7-9). Nem o arrependimento é. Esta é a razão pela qual é um pensamento feliz saber que a misericórdia de Deus também não é uma oportunidade única, e que sua graça é maior do que todos os meus pecados.
Deus está, certamente, ciente de nossas necessidades materiais mas podemos sobreviver à perda do "pão de cada dia". Na verdade, há indicação de que podemos ser chamados a fazer isso. Paulo fala de fome, sede, frio, e nudez, que ele sofreu a serviço de Cristo (2 Coríntios 11:27). Mesmo as vidas do povo de Deus não estão isentas da morte (Lucas 21:16; Apocalipse 6:9). Mas a perda que não podemos agüentar é a da divina misericórdia e força. Podemos sofrer a perda de todas as coisas, mas não podemos sofrer a perda de Deus.
". . . Como nós temos perdoado aos nossos devedores" (Mateus 6:12b). Jesus acrescenta esta observação ao apelo para o perdão. O tempo do verbo, aqui, fala do que tem estado acontecendo no passado até o presente. É interessante notar que as pessoas que são implacáveis e difíceis de suplicar são geralmente pessoas que acham quase impossível confessar e renunciar aos seus próprios erros. Aqueles que recusam misericórdia aos outros evidentemente demonstram a Deus uma total falta de espírito de humilde penitência, necessário para obter o perdão divino (6:14,15; 5:7). Isto é poderosamente expresso na parábola do servo que teve perdoado o débito do incrível valor de $10 milhões e saiu e rudemente agarrou pela garganta o companheiro que lhe devia $17 (Mateus 18:21-35).
"E não nos deixes cair em tentação . . ." (Mateus 6:13). Esta petição reflete o desejo do homem perdoado de viver uma nova vida, vencendo as fraquezas que antes o haviam abatido. Deus planeja que seu povo não somente seja perdoado, mas também transformado. "Tentar" e "tentação", no Novo Testamento, são virtualmente traduções, da mesma palavra grega, respectivamente (peirazo; peirasmos). Significa experimentar ou pôr à prova. Estas provações podem vir de Deus mesmo e serem planejadas pelo bem de seus filhos (Tiago 1:2). Nossa fé pode ser testada por um duro mandamento (Hebreus 11:17). Tentação ou provação, pode vir pela perseguição, que obviamente tem sua origem em Satanás (1 Pedro 4:12), mas pode ser usada por Deus para purificar nossa fé (1 Pedro 1:6-7). Sofrimento físico, aflição e calamidade podem ser fonte de provação, como foi a verdade no caso de Jó. Satanás foi a fonte das dificuldades de Jó, mas Deus usou-as para beneficiar seu servo. Tal foi o caso de Paulo e seu espinho na carne (2 Coríntios 12:7). Mas o entendimento clássico de tentação e, eu creio, o que está agora em consideração, é a tentação para o mal. Estas são as tentações referidas em Tiago 1:12-14, onde o autor está se esforçando para explicar que tais tentações não vêm de Deus. As tentações, das quais a súplica da oração-modelo busca livramento, têm a ver com o "mal" ou com o "maligno" (6:13b).
Por que haveríamos de procurar ajuda de Deus em matéria de tentações que provêm de nossas próprias concupiscências e de maquinações do Diabo? Porque nosso Pai tem absoluto controle sobre o Tentador, o qual não pode funcionar sem sua permissão (Jó 1:10-12; 2:3-6), e porque ele prometeu dar-nos forças, pelas quais podemos "suportar" a tentação (1 Coríntios 10:13).
É este um pedido para escapar completamente da tentação? Isto é inconcebível, em vista de tais passagens como 1 Coríntios 10:13; Hebreus 4:15; etc. O que é muito mais provável, como evidência o apelo paralelo para sermos livrados do maligno, é que este é um rogo para sermos salvos do poder da tentação, de modo que não sejamos sobrepujados e levados a cair por causa disso. Então, em nosso tempo de forte tentação, corramos diretamente a nosso Pai "a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna" (Hebreus 4:16).
32. O Cristão e o Jejum
"Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas . . ." (Mateus 6:16). Com estas palavras, Jesus começa o último dos seus três exemplos da verdadeira piedade em contraste com a postura vazia dos escribas e fariseus. Se aprendemos as lições ensinadas nos dois primeiros casos, não há grandes surpresas neste terceiro estudo. Seus ouvintes são, de novo, chamados a dirigirem seus corações a Deus e longe de si mesmos. Desta vez, o veículo de sua mensagem é o jejum.
O jejum era uma parte estabelecida na adoração do Velho Testamento. Havia apenas um único jejum público ordenado, o Dia da Expiação (Levítico 16:19-31) mas, em tempos de crises especiais, tanto a nação inteira (2 Crônicas 20:3; Esdras 8:21; Neemias 9:1) como os indivíduos, jejuavam (2 Samuel 12:16; Neemias 1:4; Salmos 35:13; 69:10). Nos anos do cativeiro, alguns novos jejuns foram evidentemente adicionados para comemorar as calamidades que aconteceram à nação, nas mãos dos babilônicos (Zacarias 8:19). Nos dias de Jesus, os fariseus tinham tornado o jejum privado em uma rotina habitual de jejum duas vezes por semana (Lucas 18:12).
A prática do jejum em Israel tinha um propósito espiritual. Esta abstinência de alimentos por breves períodos (usualmente um dia) nunca se pretendeu que fosse ascética ou terapêutica. Ele era apenas um meio de humilhar o espírito diante de Deus, em tempos de grande aflição (Salmo 69:10), e tinha uma quase inseparável ligação com a oração (Jeremias 14:12). O jejum era uma expressão de tristeza e se dizia que ele "aflija a alma" (Isaías 58:5). Ele era, portanto, acompanhado freqüentemente, no Velho Testamento, com os costumeiros sinais de luto: o uso de roupa de pano de saco e a cobertura de si mesmo com pó e cinzas (Neemias 9:1; Ester 5:1; Daniel 9:3).
Infelizmente, até mesmo o jejum do Dia da Expiação, que era para ser uma expressão nacional de humilde contrição pelos pecados de Israel, freqüentemente se tornava nada mais do que um ritual vazio. "Eis que", disse Deus através de Isaías, "jejuais para contendas e rixas . . . jejuando assim como hoje não se fará ouvir a vossa voz no alto" (58:4). A história do Velho Testamento se encerra com esta magoada pergunta do Senhor ao seu povo: "Quando jejuastes e pranteastes . . . foi para mim que jejuastes?" (Zacarias 7:5).
Foi no espírito dos profetas hebreus que Jesus repreendeu o mecânico jejum dos fariseus. Seu farsa infantil, a cara triste, a higiene negligenciada, era tudo com um só fim: "parecer aos homens que jejuam . . ." (6:16,18). O pecado dos "hipócritas" não estava na tristeza de suas faces ou na sua aparência desalinhada. Tal comportamento poderia, naturalmente, caracterizar o genuíno penitente que estava cativo da aflição de sua alma. O seu pecado não estava no fato de que outros soubessem que eles estavam jejuando. Jesus já havia esclarecido que Deus pode ser glorificado quando outros vêem nossas boas obras (5:16). O desastre ocorre quando fazemos nossas boas obras para obter glória para nós mesmos. Não é a adoração pública que ele reprova, mas a adoração para publicidade.
O ponto que Jesus faz em sua terceira ilustração da verdadeira piedade para com Deus é eminentemente claro, mas o assunto do próprio jejum tem sido a fonte de perguntas. O Senhor pretendia ordenar o jejum para os cidadãos do reino ou estava ele simplesmente falando aos seus seguidores judeus em termos que eles poderiam entender (por exemplo, "a oferta ao altar", Mateus 5:23-24)? Ele foi certa vez criticado pelos seus modos festivos e pela falha de seus discípulos em jejuarem como o faziam os fariseus e os discípulos de João (Marcos 2:18-22). Sua resposta foi que jejuarem seus discípulos enquanto ele ainda estava com eles seria tão impróprio como prantear em um casamento. Mas, ele disse, quando ele não estivesse mais lá, sua tristeza os levaria a jejuar. Tudo isto nos diz que os discípulos de Jesus não praticavam o jejum como um ato de devoção habitual. Diz-nos também que Jesus via o jejum como a expressão natural de tristeza e profunda preocupação e o achava impróprio para um tempo de alegria. Sua declaração de que seus discípulos haveriam de jejuar quando ele fosse afastado deveria ser entendida, não como um mandamento, mas como o reconhecimento de uma aflição que estava por vir. Mesmo isto não pode ser usado para descrever todo o período messiânico. Naquele tempo, Deus prometeu que seus jejuns se tornariam em alegres festas (Zacarias 8:19).
O que é evidente, quando lidamos com a relação dos cristãos com o jejum é que Jesus não instituiu nenhum dia de jejum para a igreja, quer público, quer privado. Não há também, nenhuma indicação de que ele ordenou o jejum como um ato usual de devoção. O que ele ensinou é que haverá tempos de profunda preocupação, quando o jejum será um companheiro natural de nossas orações. Isto parece ser exatamente o que era praticado na igreja de Antioquia, e por Paulo e Barnabé (Atos 13:3; 14:23) e deveria ser nosso guia atualmente.
O ativismo natural da mente ocidental nos levou a gastar pouco tempo em oração e na simples contemplação de Deus e sua palavra. Nossos labores seriam, provavelmente, muito mais frutíferos se gastássemos mais tempo em meditação e oração pensativa antes de começarmos nosso trabalho. E se a natureza crítica de nossas petições nos levassem a humilhar-nos diante de Deus e colocarmos nossos corações totalmente sobre ele pelo jejum, nada impróprio terá acontecido. O único cuidado de nosso Salvador é que adoremos a Deus por ele mesmo e não por orgulhosa ostentação.
33. O Coração Dedicado
Em Mateus 6:19-24, Jesus esboça seu tema do absoluto amor do cristão a Deus, mas de uma nova direção. A primeira e fundamental ameaça a este amor nasce do eu: o orgulho e a arrogância que corrompem todas as nossas tentativas de piedade (6:1-18). Seguindo de perto o problema do ego, está o desafio do "mundo"; não o universo, nem o povo que está nele, mas o "mundo" como uma disposição da mente, um sistema de valores, um modo de olhar a vida que entesoura o presente e o tangível, acima de tudo (Lucas 12:15).
Esta parte do Sermão é um apelo a dedicação total na escolha entre a terra e o céu. Jesus começa demonstrando a razão pela qual esse compromisso deve ser feito a Deus e continua com duas ilustrações calculadas para mostrar a miséria e a impossibilidade de tentar "ficar em cima do muro".
"Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra . . ." A advertência de Jesus sobre os tesouros terrestres não deve ser banalizada em uma proibição de contas bancárias, ou a mera possessão de qualquer coisa material. Esta admoestação não é para a questão de quanto dos bens deste mundo o cidadão do reino deveria possuir, mas diz respeito à sua atitude para com eles. Os "tesouros" deste texto são entendidos como sendo tudo aquilo em que um homem põe todo o seu coração. Não são só coisas a que damos valor, mas coisas que valorizamos acima de todas as demais. Nossos tesouros e nossas pessoas se tornam uma só coisa.
As observações de Jesus sobre a transitoriedade e a incerteza de tais coisas, como roupas, alimento e dinheiro, não constituíam novidade para seus ouvintes. O mundo dos dias de nosso Senhor era ainda mais visivelmente frágil do que o nosso. Em suas simples condições de vida, a podridão e o bolor, os insetos e os vermes atacavam seus armazéns com fúria, e suas paredes de adobe não ofereciam resistência aos ladrões, que podiam aniquilar uma vida inteira em uma noite. Nossa moderna refrigeração, bancos bem guardados e seguro contra desastres, nos levam freqüentemente a nos sentirmos seguramente afastados da inconstância do mundo antigo, mas todos nós deveríamos não acreditar. Todas as "coisas" são sujeitas, no final, à decomposição, não obstante o talento do homem. É impossível segurar a riqueza material contra a devastação do tempo e da circunstância. Ela é retirada de nós ou somos separados dela (Eclesiastes 6:13-15; Lucas 12:20), e se a tivéssemos para sempre, isso não nos traria satisfação duradoura (Eclesiastes 5:9-10; 6:7). Jesus pretende proteger-nos do horror de ver nossas vidas todas se desfazerem em fumaça (2 Pedro 3:10).
Não é preciso muito intelecto para ver que repousar a própria alma em tal insubstancial vapor é um ato de tolice, mas não devemos jamais subestimar o poder da cobiça para virar nosso senso comum em trêmula gelatina. Estamos vivendo numa época que avalia os homens pela riqueza que ajuntam. É loucura, naturalmente, mas este espírito pode infiltrar-se em nós antes que o saibamos e, subitamente, vemo-nos escavando insensatamente, em busca de "coisas" como todo mundo. O materialismo está destruindo muitos discípulos, alguns até quando estão "indo à igreja" fielmente. A charada continua, mas o coração deles não está mais nela. A prosperidade tornou-se a prova para nós que vivemos naquela que é, talvez, a mais rica sociedade da história humana, e esta prova é severa. Thomas Carlyle observou certa vez que, para cada dez homens que podem agüentar a adversidade, há um que pode suportar a prosperidade.
". . . mas ajuntai para vós outros tesouros no céu . . ." Esta não é uma exortação a que encontremos um modo de transferir as coisas que entesouramos na terra para um banco celestial. Se for, não há informação disponível de como fazê-lo. Uma vez, ouvi falar de um homem cujo amor a sua casa e a sua terra, juntamente com suas especulações milenaristas, o levaram a procurar um meio de garantir a devolução de sua propriedade, quando o Senhor vier para estabelecer seu reino na terra. Os tesouros do céu são totalmente de um tipo diferente daqueles que poderíamos acumular aqui.
A mensagem de Jesus é simples: "Aprende a apreciar as coisas do céu, as coisas que pertencem a vosso Pai. Somente estas durarão." Seu convite não é simplesmente a um tesouro melhor e mais durável, mas a uma total lealdade, um compromisso absoluto. Ter seu tesouro no céu significa, simplesmente, submeter-se completamente ao que está no céu: o domínio soberano de Deus ("faça-se a tua vontade . . ."). Este é o tema que continua nos versículos seguintes (6:22-24). A chave para o entendimento de todo este trecho é encontrada em 6:21: "onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração." O Senhor está muito mais preocupado com o que um homem faz com seu coração do que com o que ele faz com seus bens. As coisas não são nosso problema. Deus criou-as. A apreciação das coisas não é nosso problema. Elas têm um propósito dado por Deus. O amor pelas coisas, sim, é nosso problema (1 Timóteo 6:9-10): a disposição de permitir que algum lixo roído pelas traças tome o lugar do Deus incorruptível em nossos corações.
34. A Mente Singela
Para cada um de nós há somente uma breve e frágil existência para escolhermos o tesouro que moldará nossa eternidade. É uma escolha que pede tanto sobriedade como urgência. Jesus pleiteia que coloquemos nossa confiança no Deus eterno, cuja graça e poder transcendem o tempo, não nas "coisas" corruptíveis, que o tempo destrói (veja 1 Timóteo 6:17). Este é, exatamente, o ponto da observação de Moisés em seu discurso de despedida a Israel: ". . . Ele te humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná . . . para te dar a entender que não só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da boca do Senhor" (Deuteronômio 8:3). A riqueza inerte deste mundo não é mais do que pó na boca, mas ter uma justa relação com Deus, esta é a coisa que faz um homem verdadeiramente rico.
É uma falha fatal do caráter "desejar ser rico", qualquer que seja a razão (1 Timóteo 6:9). Este é um dos sintomas da "loucura pelas coisas". Não é encorajador ouvir um cristão dizer que quer obter riqueza para poder sustentar pregadores do evangelho ou cuidar dos pobres ou fazer alguma outra boa obra. É bem provável que, antes que esses necessitados vejam a cor daquele tão desejado dinheiro, a alma desse cristão já tenha se tornado cativa da cobiça. Que ele aceite com grato contentamento o que Deus já lhe deu e o use de maneira altruísta. Se um filho de Deus se tornar rico, que nunca seja porque ele assim o planejou.
Se tivermos êxito em colocar nosso tesouro no céu, será porque pusemos todo o nosso coração na tarefa. Não há lugar para vacilação, indecisão ou indiferença em nossa atitude para com Deus e o seu reino. Temos que escolher o céu, e escolher sem restrição. Como um escritor observou, não há nada mais perigoso do que tentar pular um abismo em dois saltos.
"São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas." (Mateus 6:22-23). Jesus continua sua instrução sobre a batalha do cristão para manter o mundo fora de seu coração, com uma simples ilustração. Ele compara a função do olho para o corpo com a influência da meta suprema de uma pessoa sobre o seu coração. O olho age como a fonte da luz para o corpo. Um olho "bom" (são, perfeito) enche o corpo de luz. Um olho "mau" (malsão, defeituoso) deixa o corpo na escuridão. A aplicação vem em sua observação conclusiva (versículo 23b): "Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão!" Sendo o olho a janela pela qual todo o corpo é tanto iluminado como escurecido, dependendo de sua condição, assim os "olhos do coração" (Efésios 1:18) determinam se o espírito do homem é inundado de luz ou mergulhado nas trevas sem Deus. É bastante trágico ser-se fisicamente cego, mas quando é negado ao espírito a verdadeira visão, quão mais profunda essa escuridão da alma é! Um coração singelo dá claridade e integridade. Um coração dividido dá confusão e desordem. Há tristeza numa pessoa que é sempre indescisa e vai através da vida na constante agonia de sua indecisão. Ela nunca sabe quem ela é ou o que ela deve fazer, nenhum princípio que guie, nenhum compromisso que comande, e cada encruzilhada é um trauma renovado. Quão grande é essa escuridão!
O olho "bom" é o coração que ouve o evangelho com simplicidade sincera ao máximo. É a mente que recebe o evangelho com decisão irrestrita. A visão espiritual é enuviada pela preocupação insaudável com as coisas. O materialismo se torna a catarata da mente. Uma razão pela qual muitas pessoas simplesmente não podem ver o evangelho nem entender a Bíblia é porque isso não se ajusta com suas pressuposições sobre a importância da riqueza. Os cristãos que subitamente ficam confusos e incertos quanto às exigências da vida no reino estão freqüentemente experimentando, não tanto uma luta intelectual, quanto uma espiritual. A luz do evangelho não chega até aqueles cujas lealdades estão divididas. Como Jesus certa vez observou, "Se alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus ou se eu falo por mim mesmo" (João 7:17). Tiago diz bem a mesma coisa nas exortações práticas de sua franca epístola: ". . . pois o que duvida é semelhante à onda do mar, impelida e agitada pelo vento. Não suponha esse homem que alcançará do Senhor alguma cousa; homem de ânimo dobre, inconstante em todos os seus caminhos" (1:6-8).
As bênçãos do reino de Deus não são rateadas na base de percentagens: tantas bênçãos por quanto bem foi feito. Com Jesus é tudo ou nada. Ou damos tudo e recebemos tudo, ou cambaleamos e vacilamos e não obtemos nada. Aqueles que, afortunadamente, aproximam-se do reino do céu, têm que aprender o poder e a disciplina de escolher "a boa parte" (Lucas 10:42), fazendo "uma coisa" (Filipenses 3:13), andando no "caminho apertado" (Mateus 7:13). Esta lição é bem expressa nas palavras de um hino: "Pois nunca poderemos experimentar os prazeres do seu amor até que coloquemos tudo no altar; pois o favor que ele mostra e a alegria que ele concede são para aqueles que confiarem e obedecerem."
35. A Impossibilidade das Lealdades Divididas
Um dos fatos menos notáveis sobre os fariseus é que eles eram "avarentos" (Lucas 16:14). Jesus relatou a parábola do Administrador Infiel, para o benefício deles, mas escarneceram de sua lição. Não seria, pois, surpreendente que um sermão, que era em grande parte dirigido aos modos tortuosos e corruptores da mente farisaica, deveria conter uma rija advertência sobre os perigos de uma tão grande afeição pelas coisas. A cobiça é sutil. Ela é exatamente o tipo do câncer espiritual que parece conviver facilmente com uma grande demonstração de piedade. Ela não aparenta a escancarada feiura da imoralidade grosseira, entretanto, este "mundanismo respeitável", por via de sua sutileza, torna-a ainda mais perigosa.
"Ninguém pode servir a dois senhores . . ." (Mateus 6:24). Para mostrar a impossibilidade de tentar "conciliar" entre Deus e o mundo, Jesus emprega a ilustração de um homem tentando servir a dois senhores. A força de sua linguagem será melhor sentida se compreendermos que a palavra traduzida como "servir" vem do grego douleuein, que significa "ser um escravo de". A palavra traduzida como "senhor" é kurios, que sugere total propriedade e domínio. Um homem simplesmente não poderia ser um escravo de dois proprietários, ambos exigindo total servidão. O esforço resultaria em não satisfazer a nenhum senhor e tornar desgraçada a vida do escravo que o tentasse. Ele acabaria sendo forçado por uma situação impossível e intolerável a resolver sua desgraça, escolhendo um deles.
"Riqueza" é usada tanto aqui como em Lucas 16:9,11,13. O Senhor está lidando com o amor ao dinheiro, como um rival do verdadeiro compromisso com Deus. Em Lucas, as expressões "riquezas da origem iníqua" e "riquezas da origem injusta" (16:9,11) são usadas provavelmente significando não tanto que havia algo intrinsecamente mau com as riquezas, como que o dinheiro e as posses materiais têm sido acompanhados, muito freqüentemente, com afeições e comportamento iníquos.
Não há tal coisa como uma pequena cobiça. O amor às coisas não admite rivais e Deus, no final, será expulso (1 João 2:15-17). Por esta razão, torna-se perigoso agasalhar em nosso coração qualquer fascinação pela riqueza deste mundo. O materialismo tem um apetite voraz e cedo consumirá a personalidade que lhe oferecer uma abertura. Entretanto, quando ele finalmente domina sem restrição, ele não traz nem paz, nem satisfação e nenhuma felicidade duradoura. Deus também deseja ter-nos exclusivamente para ele, mas em nosso benefício, não no dele. O dinheiro nos consumirá. Ele nos completará. Homens que foram feitos para Deus não terão paz separados dele.
O mundo greco-romano, ao qual o evangelho chegou primeiro, era um mundo onde os homens não eram chamados para escolher entre deuses, mas chamados para servir tanto quanto possível. Havia sempre lugar na coleção dos deuses romanos para mais um deus ou mais outro culto de mistério e os homens estavam mais preocupados com o perigo de servir tão poucos deuses do que em servir a deuses demais (Atos 17:22-23). Nenhuma de suas divindades fazia qualquer reivindicação exclusiva sobre suas vidas e as exigências que faziam eram mais rituais do que morais.
O único afastamento significativo das religiões excessivamente acomodatícias do mundo antigo era a religião dos judeus. O Deus de Abraão, Isaque e Jacó estava implacavelmente em guerra com todas as outras divindades, não tolerando nenhum rival, exigindo absoluta lealdade (Êxodo 20:3-4; Deuteronômio 6:4-5). E era este espírito e este desafio à escolha radical e inequívoca que Jesus pressionou em todo o seu ensinamento e, especialmente, aqui no Sermão da Montanha.
Não deveria surpreender-nos que "o Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe" (Atos 17:24) haveria de exigir o primeiro lugar em nossas vidas. Qual outro lugar concebível poderia ocupar aquele de quem recebemos nosso alento? Está além da imaginação pensar que o verdadeiro e santo Deus haveria de sujeitar-se a ser classificado, em nossos corações, abaixo da mera e inerte riqueza. Mesmo nossas famílias não devem rivalizar com ele (Mateus 10:37), e, mais significativo de tudo, nem mesmo nossas próprias vidas (Lucas 14:26).
A riqueza deixará de atrair-nos tão perniciosamente quando, finalmente, constatarmos que as riquezas não têm nenhum poder ou realidade independente; que mesmo a riqueza, como toda a criação, é, em última análise, atribuível ao grande e santo Deus. Ele é aquele que ". . . tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento" (1 Timóteo 6:17) e enche os nossos "corações de fartura e de alegria" (Atos 14:17). Ele é mais do que isso. Ele é o doador de "Toda boa dádiva e todo dom perfeito" (Tiago 1:17). Em Cristo, habita "a plenitude da divindade," ele nos aperfeiçoou (Colossenses 2:9-10). Nossa fascinação pelo dinheiro é justamente outro caso em que precisamos evitar a loucura dos antigos gentios que "... mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente" (Romanos 1:25).
36. O Mundanismo da Preocupação
Ansiedade por coisas e circunstâncias é uma fraqueza da qual nos rimos. Ela parece uma coisa tão própria da criatura, um exercício eminentemente humano. Mas Jesus não trata ligeiramente dessa ansiedade. A preocupação é vista, na perspectiva divina, como uma forma sutil, mas real, de mundanismo e o Senhor a trata sob o título de materialismo. Algumas pessoas aspiram a ter riqueza, enquanto outras estão sob o terror da pobreza. Ambos os grupos são igualmente ocupados com coisas. Em Mateus 6:25-34, Jesus adverte seus discípulos que a ansiedade por coisas representa tão grande ameaça à devoção a Deus de todo o coração quanto a cobiça (veja Lucas 12:13-31, onde o Senhor de novo associa as duas). Este é um fato com o qual muitos de nós tardamos em tratar. Temos vivido muito comodamente com ataques regulares de histeria por suspeita de alguma futura privação. Aos nossos temores, como efetivamente às nossas paixões, tem sido permitido consumir nossas energias, dominar nossas vidas e furtar nossos corações. Satanás pouco se interessa se estamos consumidos pela ganância ou obsessos pela preocupação, desde que nossas mentes estejam postas em coisas, em vez de em Deus. As conseqüências de tal mundana ansiedade não são só espiritualmente lamentáveis, elas podem ser fatais.
"Por isso vos digo: Não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber" (Mateus 6:25). Três vezes, nesta parte do Sermão, Jesus ordena aos seus ouvintes que não estejam aflitos e preocupados pelas coisas necessárias a sustentar sua vida presente: alimento, bebida e roupas (6:25,31,34). Sua advertência, tornada mais urgente pela repetição, tem a intenção de alertar-nos contra o perigo real que uma impaciência demasiada sobre as "necessidades da vida" representa para nós. O "por isso" do Senhor, no versículo 25, torna claro que ele está continuando a tratar do tema "Deus X coisas", e que as instruções que se seguem se apoiam sobre a verdade que os homens não podem servir a Deus aceitavelmente, com um coração dividido (6:24). Por esta razão, torna-se ainda mais interessante notar que a palavra grega (merimnate) traduzida como "andeis ansiosos" vem de uma raiz (meridzo) que sugere ser puxado em duas direções, distraído, e, portanto, ansioso, perturbado. Lucas usa esta mesma palavra para relatar a descrição de Jesus do estado da alma de Marta, quando muito ocupada com seus deveres na cozinha (10:41), e Mateus a usa quando registrando a explicação do Senhor do terreno espinhoso, na parábola do Semeador, como aqueles cujas vidas tenham sido afogadas "pelos cuidados [merimna] do mundo" (13:22). Deus e sua vontade são inevitavelmente retirados do coração daqueles que vivem em constante temor de que possam a qualquer momento ser privados das necessidades da vida.
Temos ainda que entender que, como em sua advertência sobre a acumulação dos bens deste mundo, Jesus pretende, por sua proibição da ansiedade, levantar a questão sobre onde deve ser posta a confiança de uma pessoa, e não, proibir um esforço consciente para ganhar a vida. Trabalhar como um meio de ganhar o sustento não só é tolerado pelas Escrituras, é ordenado (Efésios 4:28) e os preguiçosos não são tratados gentilmente (Provérbios 6:6-11; 24:30-34; Eclesiastes 4:5). Não há nada espiritual com a indolência. "Se alguém não quer trabalhar", escreveu Paulo, "também não coma" (2 Tessalonicenses 3:10). Esta advertência, então, não é dirigida ao previdente cuidado de um marido ou pai consciencioso em prover para as futuras necessidades de sua família (1 Timóteo 5:8; 2 Coríntios 12:14). Não há, certamente, intenção de desaprovar a carga do cuidado que o cristão sente por seus irmãos (2 Coríntios 12:25; 11:28; Filipenses 2:20) ou pelas "cousas do Senhor" (1 Coríntios 7:32). O que o Senhor atinge aqui é o investimento dos cuidados primários de uma pessoa em como se manter respirando e os insensatos temores associados com isso.
Que Jesus está primariamente interessado com a escolha entre o mundo e o reino é evidenciado pelo contexto global de sua advertência sobre a preocupação. O pensamento que começa com "Não andeis ansiosos pela vossa vida", no versículo 25, não é completado antes do versículo 33: "Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino . . ." Esta é a mesma construção "não . . . mas . . ." que o Senhor usou em João 6:27, quando insistindo no mesmo ponto: "Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna . . ." Aqui, como em Mateus, a intenção do grande Mestre não é exigir absoluta abstenção de uma e a exclusiva busca da outra. Ele está simplesmente nos desafiando a decidir o que terá o lugar mais alto em nossos corações: comida, bebida e vestimenta ou a justiça do governo do céu, ou seja, o que perece ou o que permanece. Deus tem que ser sempre o primeiro amor daqueles que escolhem o segundo.
Até aqui, neste sermão, Jesus tem deixado claro que podemos perder a eternidade pela avareza, ou podemos ser privados dela pelo temor ansioso. Dada a conseqüência de ambos, um desses caminhos parece tão repreensível quanto o outro.
37. Lições dos Pássaros e das Flores
Em Mateus 6:25, Jesus emite sua advertência sobre uma ansiedade insensata pelas necessidades da vida, o sombrio temor de que Deus possa não prover o que nós, em nossa fraqueza, não podemos prover por nós mesmos. Ele continua sua advertência com uma série de argumentos que tornam claro que nossa incessante aflição por necessidades e circunstâncias futuras marcham em sentido contrário ao da própria natureza de Deus e de seu evangelho e é, conseqüentemente, desnecessária, inútil e insidiosamente destrutiva da fé (6:25-30).
Não se discute que os homens sejam criaturas frágeis e dependentes. Se determinamos encarar a vida por nossa conta, temos a maior causa de ansiedade, o rico como o pobre. O século XX não mudou isso. Nem a riqueza, nem os programas do governo são defesas contra a privação. As fortunas se perdem, os governos caem, e as circunstâncias mudam com regularidade perturbadora. Os favoritos de hoje são os rejeitados de amanhã. Não é, portanto, motivo de surpresa que o mundo dos homens impenitentes seja uma estremecida massa de temor ansioso e trêmulo.
Mas, que tal aqueles que são cidadãos no reino de Deus? É concebível que eles, também, sejam destroçados pelo mesmo constante medo de calamidade futura? E se assim for, o que isto diz sobre a certeza das promessas de Deus ou a constância de seu amor? Os cristãos devem ser, na terra, as pessoas mais positivas e confiantes no futuro. E isto não é mero exercício de psicologia, a farsa radiante e sem fundamento dos secularistas tentando mostrar uma fachada de coragem. O otimismo dos cristãos repousa solidamente no amor de Deus, um amor já maravilhosamente manifestado no mundo. Jesus fala de algumas destas evidências em seus argumentos contra a ansiedade.
"Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que as vestes?" (Mateus 6:25b). A palavra traduzida como "vida" ("psuche", freqüentemente traduzida como "alma") se refere aqui à vida natural do homem e não à sua natureza espiritual, mais alta. Isto se evidencia pelo uso paralelo de "corpo". O Senhor começa ao nível do chão, com o argumento da criação, um argumento do maior para o menor. O próprio fato de estarmos vivos, ele diz, reflete a vontade divina. Por que o Criador nos daria vida, só para nos matar de fome? Se ele nos deu o dom maior da vida, por que ele retiraria os benefícios menores, necessários a mantê-la? Não podemos confiar naquele que nos deu vida para nos dar alimentos? Nossas vidas não são um golpe de sorte, e sua continuação não é dependente de um acaso cego. Fomos criados à imagem de Deus para propósitos que ele seguramente mostrará, por sua fiel providência. Qual é o nosso problema? Esquecemos a maravilha de nossas origens e, portanto, caímos no ceticismo sobre nosso futuro.
"Observai as aves do céu . . ." (Mateus 6:26). "Considerai os lírios do campo . . ." (Mateus 6:28-30). Nestes dois apelos, Jesus recorre, novamente, à natureza das coisas, mas agora argumenta do menor para o maior. Olhai ponderadamente (emblepsate), ele insiste, para o tipo da rica provisão que Deus faz para algumas das suas criaturas mais humildes, os pássaros, e perguntem-se quão rico e pleno mesmo será seu cuidado com aqueles que, não somente foram feitos à sua imagem, mas que se tornaram pela sua graça algo ainda mais notável: seus filhos. Aprendei a lição (katamathete) dos "lírios", ele continua. Note como estas flores do campo, silvestres e incultas, florescem pela simples providência de Deus, e ainda são mais suntuosamente vestidas do que Salomão, em seu mais grandioso dia. Se Deus cobre com tal beleza a efêmera relva do campo, como supõe você que ele vestirá aqueles cujo destino é a eternidade? Por que, então, Jesus pergunta, fazemos de nosso esforço para ganhar as provisões da vida uma luta tão agoniada, uma luta que termina consumindo toda a nossa personalidade? E a sua resposta é: porque nossa fé é muito pequena; porque temos tão pouca confiança em Deus (versículo 30).
"Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida?" (Mateus 6:27). No meio de nos ajudar a vermos a razão pela qual nossa relação especial com Deus deveria dar-nos grande segurança do futuro, o Senhor faz uma pergunta calculada para mostrar o absurdo absoluto e a futilidade de sermos impacientes com coisas que não temos poder para mudar. Precisamos fazer o que podemos. Os pássaros são incapazes de trabalhar nos campos e os lírios de costurar, mas nós somos capazes de dar alguma contribuição para nossas necessidades. Mas há limites, e não faz sentido para nós gastar nossas energias e sobrecarregar nossas emoções, quando já fizemos tudo o que está dentro de nosso controle. Muitas vezes, nossos temores são de catástrofes imaginárias, mas mesmo quando a fonte de nosso medo é real, toda a nossa agitação não adianta nada contra as coisas que não podemos mudar e serve apenas para incapacitar-nos para o bem que, de outro modo, poderíamos fazer. Como no caso dos pássaros e dos lírios, Deus cuidará do que não podemos cuidar.
A questão que precisa nos tocar no meio de nossa ansiedade pelo futuro é sugerida na triunfante afirmação de Paulo em Romanos: "Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou a seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura não nos dará graciosamente com ele todas as cousas?" (8:31-32). As pessoas que são dominadas por ansioso temor sobre o que vão comer, beber e vestir crêem realmente que Jesus morreu por seus pecados? "Ó homem de pequena fé!"
38. Uma Fé Muito Pequena
Jesus, tendo feito seu apelo racional contra os temores mundanos, repete com insistência, a advertência com que ele começou: "Portanto, não vos inquieteis . . ." (Mateus 6:31). Então, ele acrescenta uma última e eficaz observação:
"Porque os gentios é que procuram todas estas cousas" (Mateus 6:32). As referências de Jesus aos "gentios" ou às "nações", no Sermão da Montanha, não falam tanto à raça deles quanto a sua ignorância espiritual, falam sobre aqueles que não conhecem a Deus. Avançando mais nesta direção, os apóstolos Paulo, Pedro e João, mesmo ao escrever a discípulos que não eram judeus, referem-se aos descrentes geralmente como "gentios" (1 Coríntios 5:1; 1 Tessalonicenses 4:5; 1 Pedro 2:12; 4:3; 3 João 7; Apocalipse 11:2).
Como ele havia feito antes (Mateus 5:47; 6:7), Jesus repreende seus ouvintes por serem nada melhores em seu comportamento do que os ateus. Ele não descreve os gentios como "ansiosos" sobre alimento e vestes, mas diz que eles "procuram" por estas coisas. Que as duas expressões significam o mesmo, torna-se evidente pelo seu uso intercambiável num ensinamento similar do Senhor, em Lucas 12:22,29. Por ambos os termos, Jesus não quer dizer só "preocupação", mas a máxima preocupação. Os gentios, em suas trevas, tinham o alimento e as vestes como seu interesse supremo. Este interesse dominava e comandava suas vidas. Nada sabendo de um Deus de graça, benevolente, eles viam a vida como um assunto de acaso cego ou de fatalidade inalterável. Sua ansiedade por coisas era completamente consistente com sua visão do mundo. Que mais havia? Mas que cristãos não encontrassem mais paz de espírito do que aqueles que estavam sem "esperança e sem Deus no mundo", era tanto impensável como vergonhoso.
Há um sentido em que todos os homens, até o mais ímpio, são mais importantes para o Todo-poderoso do que pássaros e flores, mas Jesus não está se dirigindo a eles aqui. Ele está falando somente àqueles que são filhos de Deus, não meramente pela criação, mas pela redenção. E então ele está dizendo: "Vocês são o próprio povo de Deus. Como podem estar tão ansiosos e perturbados?"
"Fé", no reino de Deus, é muito mais do que um vago princípio. É uma força ativa, prática, que afeta toda a vida. "Pouca fé" é uma fé que não foi cuidadosamente cogitada e aplicada. A história dos Doze e seu relacionamento com Jesus é uma história do crescimento de uma muito pequena fé. A princípio, quando eles começaram a segui-lo, eles tinham confessado livremente e entusiasticamente que ele era o Cristo, o Filho de Deus (João 1:41,45,49), mas é evidente, por eventos mais tarde, que as implicações desse fato não tinham despontado plenamente neles. Isto é dramaticamente ilustrado pelo terror que se apossou deles quando uma súbita tempestade no Mar da Galiléia ameaçou virar o barco. Eles já tinham estado com ele por mais de um ano. Eles o tinham observado tornar a água em vinho, em Caná; tinham visto Jesus devolver o filho morto revivido aos braços de sua mãe viúva, em Naim; experimentaram a miraculosa pesca nas águas junto a Cafarnaum; mas se eles pensaram em tais coisas no meio da agitação de seu barco, isso não serviu para acalmar seu crescente pânico. Pense nisto: Aquele que fez o céu e a terra está dormindo aos pés deles e eles estão com medo de se afogarem!
Mais tarde, quando a mera palavra do Senhor tinha acalmado a tempestade, os doze ficaram maravilhados "Quem é este que até os ventos e o mar lhe obedecem?" (Mateus 8:23-27). Ele era mesmo como o tinham confessado: o Filho de Deus; mas eles estavam ainda aprendendo o que isso significava. E assim também é, freqüentemente, conosco. Confessamos que ele é o Rei da Glória, e de fato, de algum modo, acreditamos, mas isso ainda não chegou a influenciar nosso pensamento sobre a totalidade da vida. E assim, para nós como para eles, ele tem que dizer, reprovando-nos: "Ó vós de pouca fé".
Mas em qual situação nossa fé é tão pequena? Eis a questão. Muito pequena para dar-nos conforto no tempo do sofrimento. Muito pequena para dar-nos coragem em face da provação? Ou, ainda mais comovente, muito pequena para nos salvar para o céu? Quão pequena é esta fé que vive em temerosa ansiedade pelas coisas? Ela tem que ser pequena, mesmo, pois Jesus uma vez disse a seus discípulos repreendidos: "Se tiverdes fé como um grão de mostarda . . . nada vos será impossível" (Mateus 17:20). É muito o interesse do Senhor com nossos modos ansiosos. Ele não está apenas dando conselho prudente; ele está emitindo uma ordem sobre a qual gira nosso relacionamento com o reino de Deus. Encarar este fato honestamente pode servir, às vezes, para encher-nos de desespero. Estamos tão dispostos ao temor crônico e, tanto quanto chegarmos a odiá-lo, nossa luta com nossos temores parece sempre ser mais uma longa, persistente guerra de desgaste do que um rápido, decisivo combate. Compartilhamos a angústia de um pai sofredor que, meio duvidoso, trouxe seu filho atormentado para que Jesus o curasse. "Eu creio", ele implorou, "ajuda-me na minha falta de fé" (Marcos 9:24). Será de ajuda para nós se percebermos que a liberdade do temor para a qual Jesus nos chama é uma lição que aprendemos com o tempo, pela longa prática, lembrando-nos vezes seguidas do que a cruz diz sobre a fidelidade constante do amor de nosso Pai e piedosamente levando nossos pensamentos sobrecarregados a ele (Filipenses 4:6). Finalmente, como nosso irmão Paulo antes de nós, "aprenderemos" (4:11-12) e seremos mantidos no inexpugnável abrigo da paz de Deus (4:7). "Não andeis ansiosos", ele nos disse. Em resposta, digamos: "Não estaremos ansiosos". Seja forte e persevere. Lembre-se: a fé pode crescer.
39. Deus Acima de Tudo
"Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça . . ." (Mateus 6:33). Esta ordem final é o complemento positivo das advertências anteriores de Jesus, contra uma inquietação perturbada e excessiva com as coisas (6:25,28,31). Agora, pela última vez e da maneira mais clara, o Filho de Deus declara o que tem que ser a paixão dominante de cada cristão. Não há nela nenhuma surpresa para os que têm estado ouvindo. O sentimento desta sentença representa o tema dominante do Sermão, um tema que emergiu repetidamente (5:6,16,48; 6:20). O verdadeiro servo de Deus tem que procurar seu reino e sua justiça acima de tudo. É somente Deus quem merece e ordena nossa ambição e interesse total. É no seu reino que devemos entregar nossos corações, incondicionalmente. É em sua justiça que devemos despender nossas energias, sem restrição. Aqui jaz a chave que abre todas as portas, o tesouro que atende a todas as necessidades.
"Seu reino", neste texto, não se refere à soberania geral de Deus, na criação e na História, mas a seu específico domínio sobre o seu povo remido. E mais, não se refere tanto ao povo que se submete a este domínio (a igreja), como ao reino em si. Entender este forte apelo como um chamado à absoluta lealdade à igreja como uma instituição seria uma trágica desorientação. Ele é simplesmente uma intimação aos homens para que aceitem a vontade de Deus como o supremo bem.
Aqueles, cujas especulações milenaristas os levam a ver nas palavras de Jesus uma referência a algum reino apocalíptico futuro, deixaram de ver que a ênfase não está no que Deus fará acontecer no futuro, mas no que os homens têm que fazer em resposta ao que Deus já fez e está fazendo. O Senhor está fazendo um chamado ao dever presente, e não a uma mera antecipação passiva. Não questionamos que o "reino" possa abranger o reino de Deus em seu Filho, desde a ascensão até o julgamento, mas eventos futuros não parecem ser o principal cuidado do Senhor em Mateus 6:33.
Uma vez que o reino, nesta passagem, está se referindo ao domínio soberano de Deus sobre seu povo, o que temos que "procurar" é a submissão de nossas vontades a vontade dele. Cada pensamento tem que ser levado "cativo . . . à obediência de Cristo" (2 Coríntios 10:5). A ênfase, parece-me, não é tanto temporal ("espere para a inauguração do reino") como moral ("prepare seu coração para receber o domínio do Ungido de Deus").
E por que Jesus acrescentou "e sua justiça?" Isto avança seu pensamento ou simplesmente o repete? Pareceria haver pouca diferença entre o reino de Deus e a justiça, à qual este reino chama todos os homens. Mas alguma distinção pode existir. A "justiça" do Sermão da Montanha não é a justificação pela fé, ainda que a salvação pela graça esteja implícita em toda a estrutura do sermão. Como o contexto demonstra, esta "justiça" é a justiça de uma vida mudada. É a justiça prática de um verdadeiro amor aos outros (5:20-48) e um coração singelo para com Deus (6:1-18). O reino do céu pretende produzir, não somente um novo relacionamento com Deus, mas uma vida nova e transformada também. A procura para esse reino não será superficial nem estreita. Ela afetará profundamente cada faceta de nossas vidas: casamento, lar, família, profissão, finanças, estilo de vida, ad infinitum. O Senhor nos tomou até o ponto central, em sua instrução. Como John R. W. Stott o resume: "Então, justo como Jesus já nos chamou no Sermão para uma maior justiça, um amor mais amplo e uma piedade mais profunda, ele agora nos chama para uma ambição mais alta" (Christian Counter Culture, pág. 169).
". . . e todas estas cousas vos serão acrescentadas" (Mateus 6:33b). Enquanto atrai seus ouvintes para uma meta mais elevada, Jesus não descarta o cuidado com o alimento e o abrigo, como sendo sem mérito. Ele, simplesmente, nos diz que se queremos segurança "destas coisas", teremos que deixar de procurá-las e buscar Deus. Se procurarmos o presente, perderemos ambos, ele e a eternidade. Se procurarmos o céu, a terra será recebida também. Não podemos orar por nosso pão do dia-a-dia enquanto não tivermos buscado primeiramente a glória de Deus e sua vontade, ainda mais diligentemente.
Há um princípio muito importante envolvido neste relacionamento do pão e do reino. Se nos entregarmos absolutamente à perseguição de coisas materiais, isso servirá para corromper todas as outras ambições. Se, contudo, buscamos primeiro o reino de Deus, todas as outras aspirações são realçadas e enobrecidas porque elas são sempre feitas para servir a um fim mais alto. A vida pode parecer que apresenta-nos uma quase infindável variedade de opções mas, no fim, só há duas. Ou servimos o céu, ou servimos a nós mesmos. Isto esgota as alternativas. O Sermão do Monte é muito claro a respeito disso.
40. "Não Julgueis, para que não Sejais Julgados"
Muitos comentadores têm achado Mateus 7:1-12 uma passagem desafiadora, difícil de ajustar dentro da estrutura do resto do Sermão. Ela parece, ao primeiro exame, consistir de três parágrafos independentes, sem um tema comum. Isto fez com que alguns presumissem que eles tivessem sido enunciados em outras ocasiões e, arbitrariamente, incluídos aqui. Esta é uma solução desnecessariamente radical que só serve para lançar dúvida na exatidão do relato de Mateus.
O que estes ensinamentos, aparentemente não relacionados, podem ter em comum é que provêm alguns avisos necessários a ponderar a instrução anterior de Jesus. Se correto, o sentido das palavras admonitórias finais do Senhor seria algo como isto:
Nosso próprio acurado entendimento da justiça do reino não deverá produzir em nós um espírito de julgamento áspero e reprovador contra aqueles que estão tendo uma luta em servir a Cristo. Os homens precisam ser ajudados a ver a natureza da verdadeira justiça, mas não por um descuidado e convencido hipócrita que está mais preocupado com os pecados alheios do que com os próprios. Se o Sermão for aplicado primeiro em casa, facilmente encontraremos a compaixão e a humildade para tratar dos pecados alheios (7:1-5).
A partilha do evangelho do reino é um trabalho absolutamente vital, mas precisamos estar avisados a não desperdiçar nosso tempo com aqueles que não têm nenhum interesse nele. O reino de Deus não é propagado por um cego fanatismo mais do que pelo exercício de uma árida crítica. O filho do reino está em busca daqueles cuja atitude torna-os maduros para receber as boas novas da redenção, e não de homens e mulheres cujo orgulho impossibilita-os de ouvir e entender (7:6).
E finalmente, o reino não é obtido por esforços heróicos e meritórias realizações, mas simplesmente por pedi-lo com seriedade. O reino é uma dádiva do amor de Deus (7:7-12).
"Não julgueis, para que não sejais julgados" (Mateus 7:1-2). A palavra grega krinete, aqui traduzida como "julgar", pode conter, tanto no grego como no português, uma extensa escala de significados, desde discernimentoaté condenação. O contexto aponta claramente para este último sentido. Nem o exercício de uma judiciosa discriminação (exigida claramente por 7:6,15-20), nem a existência de tribunais de justiça estão sendo proibidos. É um espírito condenatório sem misericórdia que Jesus rejeita. Isto é corroborado pelo material paralelo em Lucas, onde a advertência contra o julgar os outros é precedida pela positiva "Sede misericordiosos, como também misericordioso é vosso Pai" (6:36). Nesta admoestação, Jesus volta ao tema do amor fraternal, que atingiu o clímax em Mateus 5:43-48. No relato de Lucas do Sermão, os dois trechos são imediatamente juntados (6:27-38). O ponto de nosso Senhor é que pessoas tão necessitadas de misericórdia não têm nenhum direito para ser tão sem misericórdia com os outros. Esta advertência é apenas a face oposta de sua promessa anterior, que aqueles que mostram misericórdia receberão misericórdia (Mateus 5:7) e aqueles que perdoam serão perdoados (Mateus 6:12). Aqueles que condenam outros sem compaixão ou intento redentor podem esperar o mesmo tratamento nas mãos de Deus, uma expectativa que causa calafrio.
"Porquê vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio?" (Mateus 7:3-5). Porque o tipo de julgamento em discussão é sem amor e egoísta, ele é freqüentemente acompanhado de hipocrisia. Por esta razão, Jesus pinta o quadro patético e humorístico de um homem tentando extrair um grão de areia do olho de outro, enquanto uma trave está saliente no seu. Espiritualmente falando, há uma grande quantidade destes cegos oculistas que estão muito preocupados em ver as faltas dos outros e estão esquecidos da enormidade das próprias. Afortunadamente, uma séria atenção com nossos próprios erros tem o efeito de nos equipar com humildade suficiente para tratar paciente e habilmente com os pecados alheios (Gálatas 6:1-3; Tito 3:2-3).
A maior dificuldade prática que se prende a este familiar conjunto de versículos é a idéia popular de que ele quase proibe toda forma de reprovação, seja qual for o motivo. O largo contexto do Novo Testamento torna impossível este entendimento. O ensinamento de Jesus contém muita repreensão (por exemplo, Mateus 23 e o texto presente), entretanto, nunca áspera ou severa. Como o próprio Senhor observou, "Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele" (João 3:17). E esta é a chave. Não é a reprovação amorosa e que resgata que o Senhor rejeita aqui, mas os ataques sem amor que servem somente para alimentar o ego do "juiz."
O evangelho da graça não pode ser pregado sem convencer os homens do pecado (João 16:8) e chamá-los a mudar o coração (Lucas 24:47; Atos 2:38; 3:19; 17:30). Mesmo as almas do povo redimido de Deus não podem ser protegidas sem se admoestar os insubmissos (1 Tessalonicenses 5:14) e procurar converter "o pecador do seu caminho errado" (Tiago 5:19-20). Mas tal correção é oferecida com amor que redime, não como o veículo do orgulho e da ira. A justiça do reino adverte, mas não ataca. Os cidadãos do reino de Deus, lutando com seus pecados e assediados por fraquezas, necessitam de um irmão e não de um "juiz". Em todos os nossos tratos com outros, precisamos lembrar que não somos agentes do julgamento do Senhor, mas de sua salvação. A vingança pertence ao Senhor. Nossa tarefa é buscar e salvar o perdido.
41. Sobre Pérolas e Porcos
"Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis ante os porcos as vossas pérolas" (Mateus 7:6). Dada a ênfase, nos versículos precedentes, à compaixão para com as faltas dos outros, a linguagem do Senhor aqui pode parecer um tanto surpreendente. Não é como se Jesus nunca usasse fortes metáforas para descrever a atitude espiritual de certas pessoas. Ele se referiu a Herodes Antipas como "essa raposa" (Lucas 13:32) e aos fariseus como "serpentes, raça de víboras" (Mateus 23:33). Mas esta passagem difere. Nenhum grupo específico de homens está sendo visado. "Cães" e "porcos" não se referem aos gentios ou a certa classe de pecadores extraordinariamente repreensível. Eles são simplesmente figuras nas proverbiais afirmações, nos moldes de 2 Pedro 2:22. Ambos os provérbios ilustram a futilidade de tentar oferecer algo de grande valor a alguém incapaz de apreciá-lo. "O que é santo refere-se aos sacrifícios do Velho Testamento, que só os sacerdotes podiam comer (Êxodo 29:23; Levítico 2:3). O significado especial deste alimento sagrado seria totalmente perdido num cão vadio (não os cães de estimação de Mateus 15:26-27), que simplesmente o engoliriam sem saboreá-lo mais do que se fosse um pedaço de lixo podre. De maneira similar, não adianta tentar ensinar aos suínos o valor especial das pérolas, que qualquer porco que se preze alegremente pisotearia, para correr a comer a mais repulsiva lavagem. Nenhuma gratidão por tal generosidade deveria ser esperada dessas partes. Sua resposta pode ser mais do que indiferente; pode ser violenta.
Como estes provérbios se ajustam ao contexto das palavras anteriores de Jesus sobre o julgamento severo? Eles provêm uma ponderação importante. Mesmo que homens falíveis, pecadores, estejam mal preparados para ter parte no severo julgamento de seus pares, não se espera deles, portanto, que olhem os homens com ingenuidade. Ao enviar os doze a ensinar, Jesus advertiu: "Eis que eu vos envio como ovelhas para o meio de lobos; sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas" (Mateus 10:16). A precaução do Senhor não era cínica, porém prudente. Ele quer que seus discípulos sejam inteiramente inofensivos em seu relacionamento com outros, mas ao mesmo tempo que reconheçam que nem todos os homens têm fé e que alguns serão instigados à animosidade pelo evangelho.
Que aplicação o Senhor pretende que façamos destes provérbios que quase parecem estar fora de seu contexto? Guelich sente que estas são palavras de advertência aos discípulos contra a apostasia e conseqüente perda do que é santo e precioso (Sermon On The Mount, pág. 355-356). Isto parece improvável, desde que são os próprios discípulos que estão sendo exortados a não oferecerem coisas santas e preciosas aos desinteressados. É muito mais provável que Jesus esteja advertindo seus seguidores a não forçarem o evangelho nos ouvidos desinteressados e indiferentes. Suas palavras não pretendem ser desdenhosas ou depreciativas e não se aplicam aos descrentes como uma classe, mas àqueles cujo espírito torna-os incapazes de entender o evangelho (Romanos 8:7; 1 Coríntios 2:14). Mais tarde, ele dá quase o mesmo conselho aos Doze, instando com eles para que preguem aos "dignos" mas para que não percam o seu tempo com aqueles que não os ouvirão (Mateus 10:11-14). Triste como é, há algumas pessoas que, não importa quão pacientemente ensinadas, simplesmente não têm "ouvidos para ouvir" (11:15; 13:13-14).
Há uma importante lição para aprendermos em tudo isto. Podemos ter um especial desejo de ensinar e converter a Cristo uma certa pessoa ou grupo de pessoas. Pode ser um ente querido ou um amigo especial, ou mesmo uma classe especial ou nação de pessoas. Não há nada de errado em tal profundo desejo pela salvação de outros, mas não deve cegar-nos quanto ao seu desinteresse e indiferença e o desperdício de esforço que poderia ser melhor empregado em corações mais receptivos. A paciência é boa, mas não devemos continuar sempre a tentar tirar água de um poço evidentemente seco. Outros corações estão almejando ouvir. Estes são aqueles que necessitamos estar à procura. É uma coisa de partir o coração ser diariamente testemunha do estado perdido de seus próprios filhos, pais, esposa, esposo, amigos. Que vamos fazer quando aqueles que amamos são tão desinteressados? O Senhor está nos dizendo, "Saia e ensine os filhos de alguma outra pessoa, a mãe e o pai de alguma outra pessoa." Paulo tinha esta dura experiência. Ele amava sua nação com paixão absoluta (Romanos 9:1-3), mas ela não tinha "ouvidos para ouvir". Que teve ele que fazer? Ainda orando por seus perdidos irmãos na carne (Romanos 10:1), ele se voltou para investir suas energias naqueles cujos corações eram mais receptivos, os gentios (Atos 13:46-48; 18:6). Eles não eram "seu tipo de pessoas". Eles eram moralmente corruptos, degradados, idólatras; mas eles estavam querendo ouvir e aprender. Quando aqueles em nossa própria comunidade, nosso próprio povo, não respondem positivamente ao evangelho, precisamos procurar outras comunidades, outro povo, e pregar a eles. O evangelho e o tempo são muito preciosos para serem desperdiçados com aqueles que não se importam. O mesmo podia ser dito de pregadores que trabalham ano após ano com igrejas que não mostram nenhum interesse em crescer em Cristo ou cumprir sua grande obra. Estes pregadores precisam deixar estas rotinas sem esperança e juntar seu trabalho com discípulos que, ainda que atrasados agora, estão abertos e querendo aprender e crescer.
42. Um Reino para os que Pedem
"Pedi e vos será dado . . ." (Mateus 7:7). Há algo poderosamente confortante neste trecho final (7:7-12) do corpo central do grande Sermão de Nosso Senhor, mas está sujeito a sérios equívocos. Este convite de Jesus é tão memorável por si mesmo, tão facilmente guardado no coração, como alguma grandiosa certeza que abrange tudo, que tem sido freqüentemente visto como a lâmpada de Aladim de cada desejo humano, a garantia de que se orarmos por ele, Deus concederá. Não é este o caso, e somente tirando-se esta promessa de seu contexto poderia tal ponto de vista ser sustentado.
Por que Jesus encerra sua discussão da justiça do reino com estas palavras de forte encorajamento? Se Mateus 7:1-5 é dirigido àqueles inclinados a se tornarem fariseus do reino, este trecho é dirigido àquele bem maior número que poderia desesperar-se diante das exigências de amor. Em sua fraqueza e indignidade, eles vêem os elevados padrões do reino como inalcançáveis. O Senhor agora torna claro que é justamente a tais corações, que almejam uma justiça por uma desesperada necessidade, que o reino do céu se entrega. Ele não é um reino para os que merecem, mas para os que desejam, um reino para os que pedem.
"Pois todo o que pede recebe . . ." (Mateus 7:8). Quem quer que seja a pessoa mandada pedir e qualquer que seja a bênção que ela procura, não pode haver dúvida, pelas palavras de Jesus, que Deus a concederá. Há absoluta certeza disto. Seis vezes, em dois versículos, Jesus diz isso. Mas aplica-se esta promessa, sem condição, a todos, e não há limites sobre o que pode ser pedido?
Pelo contexto geral do Sermão, é evidente que o "todo" de Jesus não pode ser universal. Ele já advertiu que nem o hipócrita interesseiro, nem o ritualista insensato receberão qualquer recompensa do Pai (6:1,7). Com a mesma certeza, está excluído o homem dividido, cujo pedir, buscar e bater são esporádicos, incertos e desanimados (6:22-24; Tiago 1:5-8). O "todo" desta promessa é claramente referente ao homem de espírito humilde e de coração puro das bem-aventuranças (5:3-12). Há uma passagem similar em Jeremias: "Então me invocareis . . . e eu vos ouvirei. Buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes de todo o vosso coração" (29:12-13).
O objeto do pedir, do buscar e do bater é deixado sem ser dito em nosso texto. Significa isto que qualquer pedido, que é verdadeira e sinceramente feito pelo cidadão do reino, será concedido? Não há limites aqui? Ajudar-nos-á a entender o verdadeiro ponto desta passagem se lembrarmos a preocupação central do Sermão. Como um contínuo e invariável tema, a exposição de Jesus sobre a natureza e máximo valor do reino de Deus está sendo interligada através de todos os versículos de Mateus 5 e 6 e, aqui nesta passagem, atinge o grande final. O reino descrito e exaltado é agora oferecido a cada coração humilde e contrito. Não é simplesmente qualquer pedido que o Senhor convida seus ouvintes a fazerem com confiança, mas um pedido pelas bênçãos do reino do céu. Ainda que a oração seja tratada no Sermão, não é meramente tratada para ensinar sobre a oração em si, mas para ilustrar a vida totalmente consciente de Deus e a importância de santificar Deus e sua vontade acima de tudo (6:5-15). Apoio para este entendimento é encontrado no relato paralelo de Lucas do mesmo ensinamento, onde "o Espírito Santo" (11:13) substitui as "boas coisas" de Mateus que o Pai dará "aos que lhe pedirem" (7:11). Deus sabe que temos carência das necessidades físicas da vida (6:32) e nos encoraja a orar por elas (6:11), mas estas não são os verdadeiros tesouros que formam a idéia principal deste sermão. As "boas coisas" deste texto são espirituais.
"Ou qual dentre vós é o homem que, se porventura o filho lhe pedir pão, lhe dará pedra? . . . quanto mais vosso Pai que está nos céus dará boas cousas aos que lhe pedirem?" (Mateus 7:9,11). A base de nossa confiança em procurar o reino do céu repousa seguramente no desejo e capacidade de Deus de fazer "boas dádivas" a seus filhos. Algumas de nossas orações podem não receber resposta positiva porque nosso Pai, em sua graça e sabedoria, sabe que elas não serão "boas dádivas". Mas nosso desejo pelo "pão do céu" será atendido. A "justiça, paz e alegria" do reino de Deus (Romanos 14:17) são "boas" sem qualificação, e é a vontade do Pai dê-las a cada um que as procura de todo o coração. E, quanto aos nossos outros desejos, há uma grande certeza em saber se, em nossa inocência e sinceridade do espírito ("porque não sabemos orar como convém", Romanos 8:26), pedirmos pedra em vez de pão, nosso Pai não o concederá. O pensamento de ser capaz de pedir a Deus qualquer coisa com absoluta certeza de recebê-la seria um pensamento assustador. Alex Motyer o exprime bem: "Se fosse o caso que, seja o que quer que peçamos, Deus fosse obrigado a conceder, eu seria o primeiro a não orar mais, porque eu não teria confiança suficiente em minha própria sabedoria para pedir a Deus qualquer coisa . . ." (conforme citado por John R. W. Stott em Christian Counterculture, p. 187). Há poucos de nós que não tenham vivido o bastante para agradecer ao nosso Pai celestial por orações que ficaram sem resposta.
43. A Regra de Amor
"Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a lei, e os profetas". É conveniente que prestemos alguma atenção especial a Mateus 7:12, porque ele é um dos versículos mais conhecidos da Bíblia e, bastante triste, muito pouco praticado por aqueles que o conhecem.
A "regra de amor" veio a ser identificada de um modo especial com Jesus, mas o Senhor aqui a descreve como a verdadeira essência da "lei e dos profetas" (note Romanos 13:9-10). Memorável como é, esta passagem não abre nenhum novo assunto ético, mas é simplesmente uma reafirmação de Levítico 19:18: ". . . amarás a teu próximo como a ti mesmo." Mas, se o mandamento para fazer aos outros o que quisermos que eles nos façam não é excepcional para Jesus, há certamente uma intensidade especial que ele lhe dá, pelo exemplo forte de seu próprio amor: "Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei. . . ." (João 13:34).
Talvez a primeira coisa que precisa ser notada, sobre a "regra de amor", é que ela nos compele a tratar os outros começando por nós mesmos. Não devemos determinar nosso tratamento aos outros olhando para eles e perguntando o que eles merecem, mas iniciando conosco mesmo e perguntando o que nós quereríamos e necessitaríamos. Os filhos de Deus devem usar o seu entendimento de interesse próprio inato, para aprender como tratar os outros de um modo gracioso e amável. Como, precisamos perguntar, desejaríamos ser tratados se estivéssemos nas mesmas circunstâncias que agora enfrentam nosso companheiro? Que bem esta simples regra de conduta penetra nossos subterfúgios para nos justificarmos! Subitamente, para o coração humilde, o caminho se torna notavelmente claro.
Mas se é assim, por que é que mais pessoas não praticam este princípio que haveria de, tão obviamente, revolucionar o mundo? Basicamente, porque muitas pessoas são egoístas e egocêntricas. Todos os esforços para alterar os homens, educando-os pela "regra de amor", têm falhado porque os objetos destes esforços repressores continuam a ser essencialmente egoístas. Somente quando aquela velha tendência a servir-se a si próprio for interrompida é que os homens se libertarão para tratar os outros da maneira como gostariam de ser tratados.
Como então os homens vão ser liberados de seu básico egoísmo e ficarem livres para ver os outros como eles vêem a si próprios? Olhando primeiro para Deus. Nossa fascinação por nós próprios só pode terminar quando ficarmos fascinados por Deus. Não é o maior mandamento de todos "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração . . ."? (Mateus 22:36-39). Quando um amor absoluto por Deus nos tirar de um absoluto amor próprio, libertar-nos-emos para amar os outros como nos amamos a nós mesmos. Até que isso aconteça, o tipo de amor próprio demasiado, que guia muitos homens, impossibilitará que jamais sejamos capazes de ver os interesses dos outros do mesmo modo que vemos os nossos próprios. O que isto diz é que somente Deus pode livrar-nos de nós mesmos e capacitar-nos a amar os outros de modo sem egoísmo. "Nós amamos porque ele nos amou primeiro" (1 João 4:19). Esta é a razão precisa por que nenhum homem que não olhou para a face de um Deus santo e amoroso, e caiu de joelhos em humilde gratidão, pode jamais praticar a regra de amor.
Este simples fato, muito provavelmente, explica porquê Jesus levanta de novo o assunto do amor ao próximo no contexto de Mateus 7. Ele pode ajudar-nos a entender o sentido do "pois" de nosso texto (7:12). Lloyd-Jones sente que Mateus 7:12 é uma volta ao assunto do julgar aos outros, e isto podia ser, mas é difícil tratar 7:6-11 como nada mais do que um parêntese. Parece mais provável que o Senhor está baseando sua instrução para o tratamento dos outros no gracioso tratamento que Deus dá a seus filhos (7:9-11). A misericórdia de nosso Pai e a generosidade para conosco não foi o que merecemos, mas o que desesperadamente necessitamos. Certamente, então, aqueles que têm recebido tal graça são exortados a tratar os outros, não na base do que eles merecem, mas do que eles necessitam. Então, Jesus fecha o núcleo de seu Sermão como ele o começou: com um apelo por uma verdadeira justiça que se revela num amor sem egoísmo pelos homens, um amor que repousa solidamente no gracioso amor de Deus por nós.
44. O Desafio a Escolher
O corpo do grande discurso de nosso Senhor na Montanha, sem erro, foi concluído em Mateus 7:12. A natureza radical e não convencional do Reino, seus cidadãos e sua justiça foram clara e poderosamente traçados (5:3-7:12). Os demais versículos do Sermão (7:13-27) contêm o apelo de Jesus pelo compromisso de seus ouvintes.
Este notável discurso espiritual, que dá definição a toda verdadeira pregação do evangelho, não foi pretentido meramente para informar, mas para persuadir. O Sermão da Montanha toca nossa vontade, bem como nosso entendimento. É um chamado a escolha radical. E o Grande Pregador não pretende que escapemos dele ou de sua mensagem. Ele está dizendo, com efeito: "Meu Sermão está terminado. Agora você tem que decidir o que você fará a respeito dele. Pondere cuidadosamente. Escolha sabiamente. Vida e morte estão no rumo que você tomar."
O que é óbvio em tudo isto é o fato que, não obstante todo o poder de Deus, os homens podem rejeitar sua vontade. Seu longo e árduo trabalho redentor resulta, finalmente, não em um decreto irresistível (Atos 7:51; Hebreus 10:29); mas em um convite solene (Mateus 11:28-30). O homem não é um robô. Sua vontade, por determinação de Deus, é inviolável. Jesus pode suplicar, mas não pode compelir. Assim, ele nos ensina pacientemente e, então, insistentemente solicita.
Ao fazer seu apelo de encerramento, o Senhor fala só de duas alternativas: duas portas, dois tipos de fruto, dois fundamentos. A escolha pode ser difícil, porém não é complexa. Temos que decidir entre o caminho da submissão e da confiança e o caminho da rejeição e da rebelião. Ele insiste com seus ouvintes para que escolham entre estas alternativas, considerando não somente suas exigências, mas também suas conseqüências. Aonde esta estrada me levará? Que tipo de fruto esta árvore produzirá? Resistirá esta casa à mais violenta tempestade?
As exortações deste trecho final podem ser divididas em três unidades (7:13-14; 15-23; 24-27). Entre duas admoestações a escolher sabiamente, está inserido um aviso sobre o perigo da sábia escolha apresentada por falsos mestres.
O Caminho Estreito
"Entrai pela porta estreita (larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz para a perdição e são muitos os que entram por ela), porque estreita é a porta e apertado o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela" (Mateus 7:13-14). Aqui Jesus abertamente insiste com seus ouvintes para que escolham o caminho que é duro e apertado e rejeitem um trajeto mais fácil e mais confortável. Ele até deixa claro que a estrada à frente é tão inexoravelmente exigente quanto a porta pela qual nela se entra, e mais do que isso, pode ser, algumas vezes, um caminho solitário, uma vez que muitos homens não o acharão a seu gosto. O convite ao reino feito pelo Senhor, notavelmente honesto, torna excessivamente repugnantes os apelos carnais e as promessas açucaradas de alguns pregadores modernos.
Não há nada de surpreendente neste convite. É um convite a entrar num reino cuja feição mais saliente tem sido a estreiteza de sua visão e a singeleza de seu compromisso (5:48; 6:19-24,33). A porta estreita é a soberana autoridade do Senhor, e o caminho apertado a obediente submissão a sua vontade. Aqueles que entram não se encontrarão mais fazendo a coisa esperada, tradicional, óbvia. Seguindo o Filho de Deus, suas vidas serão tão diferentes como seus destinos.
Obviamente, há muitas coisas que aqueles que escolhem a estrada estreita do reino têm que deixar para trás. Estaremos abandonando a multidão despreocupada que nunca tem que perguntar se o que está fazendo é agradável a Deus. O que é mais importante, estaremos nos desfazendo de nossa velha personalidade, com seu modo arrogante, teimoso e egoísta e entregando a mente e o pensamento a um Soberano mais sábio e mais benevolente (Mateus 16:24-25; 2 Coríntios 10:4-5). Somente deste modo chegaremos a ser mansos e misericordiosos, pobres de espírito e puros de coração, capazes de amar nossos inimigos e orar por aqueles que nos perseguem.
Mas se o caminho estreito do reino constringe o espírito obstinado e a mente voltada para si mesmo, ele não estreita o amor (Filipenses 1:9; Efésios 3:17-19); não constringe a paz (Filipenses 4:7); não seca a alegria (1 Pedro 1:8); não espreme a misericórdia (Efésios 2:4); não esmaga a bondade (2 Coríntios 9:8); não estrangula a esperança (Romanos 15:13). Tudo isto abunda na estrada estreita. A única coisa que a porta estreita arranca de nós é aquela impiedade que nos envenena e destrói. Somente o homem que ainda ama essa impiedade se sentirá oprimido e sufocado na estrada do Rei. O pecado é o ladrão que veio "roubar, matar e destruir", mas o "Bom Pastor" veio para que os homens tenham vida, e tenham-na abundantemente (João 10:10).
45. Buracos na Estrada Estreita
"Acautelai-vos dos falsos profetas que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores" (Mateus 7:15). Apenas uma segunda vez, no Sermão, Jesus inicia suas palavras com um sóbrio "acautelai-vos" (grego proskete). A primeira aborda o perigo de dentro: hipocrisia (6:1). Ele agora fala do perigo de fora: os falsos mestres. Há algumas pressuposições naturais, que ficam por trás da insistente advertência do Senhor (John R. W. Stott, Christian Counter-Culture, pág. 197).
A primeira é que os falsos profetas não eram só uma possibilidade teórica, mas uma palpável e ameaçadora realidade. O Filho de Deus está nos dizendo que o reino do céu tem que ser procurado em um mundo onde mentiras e enganos a seu respeito abundarão. Não há nada de novo nisto. O Velho Testamento está repleto de advertências sobre falsos profetas (Deuteronômio 13:1-3; 18:20-22; Jeremias 23:13-32; 27:9-10; 29:8-9; Ezequiel 13:1-23; 22:28; Miquéias 3:11; Sofonias 3:4). Jesus, na última semana antes de sua morte, soará um alarme final sobre o futuro aparecimento dos pseudo-profetas e pseudo-cristãos (Mateus 24:5,11,24) e as epístolas do Novo Testamento revelam que o mundo dos apóstolos estava cheio deles (Atos 20:28-29; 2 Coríntios 11:1-4,13-15; Gálatas 1:6-9; Colossenses 2:8,16-19; 2 Tessalonicenses 2:8-12; 1 Timóteo 1:19-20; 4:1-2; 2 Timóteo 2:16-17; 4:3-4; Tito 1:10-11; 2 Pedro 2:1-2; 1 João 2:18-23; 4:1-3; 2 João 9-11; Judas 3-4; Apocalipse 2:15,20-24).
É evidente, pelo Novo Testamento, que nunca houve um tempo quando os cristãos não estivessem empenhados em controvérsia com alguma forma de falso evangelho. Aqueles que querem servir o Senhor, mas serem livres de qualquer preocupação opressiva com os falsos mestres, estão simplesmente esperando pelo impossível. Ninguém vai firmar-se seguramente ao caminho estreito sem ter alguns difíceis encontros com pseudo-discípulos que tentam subverter sua fé. Há um número de cristãos que ainda se agarram ao mito de que houve um tempo idílico na Historia do povo de Deus, quando o falso ensinamento era desconhecido e a paz e a unidade reinavam supremas. Pela segurança de nossa própria fé, precisamos abandonar essa ilusão e perceber que "através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus" (Atos 14:22) e que algumas dessas tribulações virão de nossos próprios irmãos, que falarão "cousas pervertidas, para arrastar os discípulos atrás deles" (Atos 20:30). Nosso Salvador nos deu esta advertência desde o início. A maior ameaça contra os que estão sinceramente procurando entrar pela porta estreita é aquele grupo de enganadores que parece estar sempre rondando, quando assuntos de vida e de morte estão sendo deliberados. Estes falsos discípulos são mestres em tornar obscuro o que é eminentemente óbvio: a diferença entre a vontade de Deus e a dos homens, a distinção entre o caminho largo e o estreito.
Mas quem são esses falsos profetas de quem Jesus fala? Eles parecem ser não somente do futuro, mas do presente, professores que estavam de pé até então para impedir a entrada das almas sinceras no reino de Deus. Pensamos, quase imediatamente, nos escribas e fariseus, cujas perversões e hipocrisia foram uma preocupação dominante deste grande Sermão. É verdade que eles não eram discípulos de Jesus, mas certamente reivindicavam serem as verdadeiras "ovelhas" da pastagem de Deus. Em sua última e acusadora censura a estes hipócritas, o Senhor os acusou de fecharem "o reino dos céus diante dos homens", nem entrando, nem deixando ninguém mais fazê-lo (Mateus 23:13). Ele os chamou guias cegos de cegos (15:14) e advertiu seus discípulos para que ficassem longe do seu ensinamento (16:6-12). A advertência de Jesus, certamente, não é limitada à aplicação aos fariseus e os da sua laia, mas começa aí e avança para abranger todos aqueles que pervertem o evangelho e obscurecem a porta estreita.
A segunda pressuposição da advertência de nosso Salvador sobre os "falsos profetas" é que há um padrão objetivo pelo qual aqueles que chegam proclamando falar a vontade de Deus podem ser julgados verdadeiros ou falsos. A mesma pressuposição guiou o ensinamento de Moisés, quando advertiu que, mesmo aqueles falsos profetas que lidavam com sinais aparentes e maravilhas, deveriam ser rotulados de enganadores quando exortaram Israel a desobedecer à vontade já revelada de Deus (Deuteronômio 13:1-4). Os falsos profetas eram aqueles que falavam das "visões do seu coração, não o que vem da boca do Senhor" (Jeremias 23:16). Jesus, como Moisés, não é sincretista, juntando doutrinas radicalmente conflitantes e chamando-as igualmente verdadeiras. Ele já identificou o falso mestre em seu Sermão como sendo qualquer um que quebre o menor mandamento de seu Pai e ensine os outros a fazerem o mesmo (Mateus 5:19). O espírito existencial destes tempos faz com que os homens se afastem dos absolutos. "A verdade", para eles, é totalmente uma questão de gosto. Mas o espírito do Grande Mestre é inflexivelmente exclusivo. Ele somente, ele diz, é a revelação da Verdade e ninguém pode encontrar Deus separado dele (João 1:18; 14:6). A vontade de seu Pai (Mateus 7:21), suas próprias palavras (7:24), tem que ser o padrão do julgamento. Mestres de nosso ou de qualquer outro tempo, que dizem que "há muitos caminhos para se chegar a Deus" não foram mandados pelo seu Filho Unigênito. Eles são falsos. Eles são enganadores.
46. Olhando sob a Pele do Carneiro
Uma terceira pressuposição, por trás da advertência de Jesus contra os falsos mestres, é que eles são perigosos. Estes pseudo-profetas não são só indivíduos momentaneamente desencaminhados. Eles são corruptos até o âmago, falsos na própria essência de suas vidas espirituais (". . . por dentro são lobos roubadores"). Como o príncipe bestial que os domina (1 Pedro 5:8), seu propósito não é servir, mas devorar. Eles não nutrem seus seguidores, eles os consomem (Atos 20:29-30; 2 Pedro 2:3).
Mas o perigo real destes falsos profetas está em seu habilidoso engano. Eles chegam vestidos de ovelhas. Seu verdadeiro caráter e intenção estão sempre ocultos por uma aparência de piedade. Eles se fazem passar por discípulos. O ignorante e o desprevenido que tratam descuidadamente com superficialidades estão destinados a serem enganados por estes espertalhões que, longe de serem abertamente carnais e repulsivos, são, como Paulo os descreve, religiosamente atraentes (2 Coríntios 11:13), experientes na vida (Colossenses 2:8) e encantadores (Romanos 16:17-18). Eles são justamente o tipo de pessoa que levaria os observadores superficiais a perguntar como estes professores bons, sinceros e instruídos poderiam estar errados. Se quisermos andar em segurança no caminho estreito, não é suficiente sermos sinceros; temos que ser prudentes, também (Mateus 10:16).
"Pelos seus frutos os conhecereis . . ." (Mateus 7:16). A advertência do Senhor sobre os falsos profetas com certeza iria levar um arrepio de medo através dos corações dos discípulos. No mundo, o reino de Deus tinha muitos inimigos. Isto não era novidade. Mas havia uma ameaça que vinha de dentro, de seus próximos e íntimos camaradas! Como poderiam eles saber em quem confiar? Como distinguir o falso do verdadeiro?
O medo dos pseudo-discípulos tem levado alguns cristãos à paranóia. Eles percebem falsos mestres atrás de cada moita e estão constantemente numa disposição de ânimo interrogativo e investigativo. Mas não há nada nas palavras de Jesus que deveria tornar seus discípulos num temperamento suspeito, até mesmo cético, com todos os seus irmãos. É ao nível do fruto que estes julgamentos têm que ser feitos e não antes que o broto surja fora da terra. Como diz Bonhoeffer: "Não há necessidade de ir espiar dentro dos corações dos outros. Tudo o que necessitamos fazer é esperar até que a árvore produza fruto, e não teremos que esperar muito tempo" (O Custo do Discipulado, página 146).
Por esta razão não precisamos hesitar em ser justos com os professores que atravessam nosso caminho, dando-lhes o benefício da dúvida até que as circunstâncias estejam claras. Isto não nos tornará confiantemente simples ou nos tornará em carne fresca para cada enganador. O fruto revela a árvore no tempo certo. E parece melhor ser momentaneamente enganado por um lobo ocasional do que estar constante e impetuosamente tentando arrancar a lã de cada uma das ovelhas do senhor.
Ainda, julgamentos terão que ser feitos e advertências emitidas quando chega a colheita do fruto dos falsos mestres. Ainda que a proibição do Senhor de julgar os outros (Mateus 7:1) elimine um julgamento duro e injusto, ela certamente não proibe a examinação dos professores e dos assim chamados profetas. Os espíritos têm que ser provados para determinar "se procedem de Deus" (1 João 4:1). O conselho do Senhor aqui não é o mesmo que na Parábola do Joio (Mateus 13:36-43). Ele não tem nada a ver com fazer o julgamento divino final dos homens e portanto não precisa ser reservado para Deus e a vida futura. Jesus está simplesmente dando conselho prudente sobre como os falsos mestres podem ser reconhecidos e evitados. Os eventos do dia-a-dia os revelarão. Todos os disfarces cairão, finalmente. As pretensões não podem ser mantidas para sempre. As árvores darão fruto.
Mas qual será a natureza do engano destes profetas e qual é o fruto pelo qual eles têm que ser provados?
Os falsos profetas da era do Velho Testamento eram homens dos quais todos falavam bem (Lucas 6:26). Sua pregação era sempre confortante, mesmo quando as circunstâncias exigiam advertência e repreensão (Jeremias 6:14). Eles profetizavam mentiras (Jeremias 27:9-10), mas eram sempre mentiras atraentes que serviam a seus próprios propósitos egoístas (Miquéias 3:11).
A advertência presente de Jesus revela que as coisas não devem ser diferentes na era do evangelho. Os falsos profetas haveriam de falar mentiras intencionais (1 Timóteo 4:2), de modo a atender aos fregueses que buscam enganos confortantes (2 Timóteo 4:3-4). Descuidados das reais necessidades do povo de Deus, estes professores lhes diriam o que eles queriam ouvir. Tais pregadores provavelmente farão pouca ou nenhuma menção à justiça de Deus, o horror ao pecado, a necessidade do verdadeiro arrependimento, ou ao inferno (Atos 24:25). Eles não declararão "todo o desígnio de Deus" (Atos 20:27). Não haverá "caminho apertado" em sua pregação.
Mas qual é o fruto destas "árvores corruptas"? O próprio fato de que eles são chamados "falsos profetas" mostra que o fruto de suas bocas é corrupto, falso. Seu ensinamento não passará no exame da palavra de Deus (Atos 17:11). Mas desde que a boca fala "do que está cheio o coração" (Mateus 12:34), o mal na nascente vai revelar-se tanto no caráter como no ensinamento.
A melhor defesa contra estes enganadores é amar o Senhor supremamente e apreciar sua palavra. Aqueles que estão sinceramente procurando o caminho apertado e a porta estreita não serão arrastados por estes hipócritas egoístas.
47. O Caráter dos Falsos Mestres
Os falsos profetas são, por último, não simplesmente errados em seu ensinamento, mas também em seus corações. A desonestidade com a mensagem do evangelho vai criar a desonestidade na vida. As forças interiores que produzem a mensagem desviada, a princípio (orgulho da vida, temor dos homens, amor ao dinheiro, concupiscência da carne, etc.) inevitavelmente se manifestarão no comportamento, ainda que sutilmente. Esta é a razão pela qual a advertência de Jesus sobre os falsos profetas leva tão naturalmente a uma discussão para testá-los pelo seu caráter, bem como pela sua mensagem. Os supostos profetas têm que ser provados, primeiro, ao nível de seu ensinamento. O que eles têm a dizer deverá ser comparado com o evangelho proclamado "desde o começo" (1 João 1:1-3; 2:18-24; 4:1-3; Gálatas 1:6-8) e, quando o seu ensinamento não for igual ao evangelho, o ensinamento deve ser rejeitado (2 João 9-10). Do ponto de vista de nossos próprios tempos, todos os professores que chegam proclamando nova revelação divina deverão, em vista do fato que a divulgação da vontade de Deus em Cristso foi completada há muito tempo (João 16:12-13; 2 Timóteo 3:16-17; 2 Pedro 1:3; Judas 3) e a conseqüente terminação do ofício profético (1 Coríntios 13:8), ser rejeitados completamente. Mas, finalmente, o fruto da árvore corrupta será produzido e sua natureza revelada. Os falsos mestres não podem ser bons homens. O ímpio pode, às vezes, pregar um puro evangelho, mas os falsos mestres são incapazes de viverem vidas verdadeiramente piedosas.
A analogia de Jesus referente à natureza: a árvore é conhecida pelos seus frutos, frisa o ponto que a cidadania do reino não é matéria de aparência, mas de existência. As pessoas, como as árvores, produzem o tipo de fruto que sua natureza exige. Portanto, ser um cristão não é simplesmente questão de fazer alguma coisa nova, mas de ser algo novo. É o tipo de vida que começa no coração, no centro da personalidade. Esta é a razão por que só é produzida por um novo nascimento (João 3:3-5). Alguns têm tentado seguir a Cristo acrescentando alguma nova dimensão a suas vidas, quando é a vida em si mesma que tem que ser mudada. Pode-se atar uvas aos espinhos e figos aos cardos, mas eles não crescerão ali. Um lobo pode vestir-se de lã, porém não pode produzi-la. O verdadeiro filho do reino é diferente. Como Jesus disse, "do seu interior fluirão rios de água viva" (João 7:38). O pecado, em todas as suas manifestações, começa no coração (Mateus 15:19) e é, conseqüentemente, no coração e do coração que um novo tipo de fruto tem que ser produzido.
É por causa da natureza interior da verdadeira piedade que a examinação dos mestres e discípulos em geral tem sempre que ser uma procura debaixo da pele. Há uma justiça e uma piedade que surgem, não de uma humilde fé no Filho de Deus, mas de um orgulho e do desejo de excelência moral e espiritual. A sutil, porém indisfarçável, falha desse tipo de "espiritualidade" é a total ausência nela de qualidades das bem-aventuranças: a mansidão, a compaixão e a auto-negação, a piedosa tristeza pelo pecado. Haverá também, sobre esta atraente pátina religiosa, uma incapacidade para produzir o fruto do Espírito: "amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio" (Gálatas 5:22-23).
É por esta mesma razão que João, lutando em suas epístolas com os mestres gnósticos que ameaçavam, com suas perversões, dominar as igrejas, insiste não só num exame doutrinário dos professores, mas num exame ético. Como muitos movimentos religiosos que apareceram desde então, o gnosticismo floresceu porque ele pegou o espírito da época, que era reivindicar uma profunda espiritualidade que transcendia todas as questões morais e éticas. Os mestres gnósticos ofereciam um novo e aperfeiçoado evangelho, que não sofria o desprezo do mundo em geral e dava liberdade das agonizantes questões da justiça prática. Seu sucesso aconteceu quando abalaram a confiança dos santos fiéis, tanto no evangelho como em sua própria salvação. Em resposta, João fala francamente: "Aquele que diz: Eu o conheço, e não guarda os seus mandamentos, é mentiroso" (1 João 2:4); "Aquele que diz estar na luz e odeia a seu irmão, até agora está nas trevas" (2:9); "Nisto são manifestos os filhos de Deus e os filhos do diabo: todo aquele que não pratica justiça, não procede de Deus, também aquele que não ama a seu irmão. Porque a mensagem que ouvistes desde o princípio é esta . . ." (3:10-11). Mas, quanto à grande popularidade destes pregadores e de sua mensagem? Isto não mostra que eles são verdadeiros profetas? João, de novo, responde claramente: "Eles procedem do mundo; por essa razão falam da parte do mundo, e o mundo os ouve" (4:5).
Os cristãos precisam orar pelo discernimento, pela sabedoria e pela fé para não serem enganados pelos falsos mestres, que cobrem seu erro com uma piedade aparente, mas superficial. Eles precisam, também, procurar a libertação da mentalidade do "sucesso", que vê cada avanço carnal como testemunho da verdade de sua mensagem, enquanto os mandamentos de Deus são abandonados, tanto na pregação como na vida. Para os discípulos que lutam laboriosamente com um mundo antagônico e os ímpios desejos que aparecem até mesmo dentro de suas próprias personalidades, tais profetas de um "novo evangelho" sempre terão um apelo poderoso, mas o apelo é da escuridão, não da luz. "Acautelai-vos dos falsos profetas". "Pelos seus frutos os conhecereis".
48. O Que é o Reino de Deus
"Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus" (Mateus 7:21). Como é evidente por esta contundente advertência, o discipulado superficial não é invenção do século vinte. Jesus estava atormentado por ela desde o início de sua pregação pública (João 2:23-24). As fileiras dos entusiásticos, mas insensatos "fãs", pareciam crescer juntas com sua popularidade inicial, e ele estava constantemente preocupado em sacudi-los para terem consciência sóbria do que significava segui-lo (Lucas 14:25-35). Entretanto, estes mesmos eram os naturais herdeiros dos fariseus, e dos insensatos ritualistas que, séculos antes, tinham feito nascer a apaixonada e, freqüentemente, fulminante repreensão dos profetas do Velho Testamento (Isaías 1:11-17; Amós 5:21-24).
Com linguagem que se tornou ainda mais penetrantemente franca, Jesus se volta dos falsos profetas para os falsos seguidores e seus falsos padrões. É perigoso para um homem tomar a estrada larga que vai para destruição, de propósito, mas é infinitamente mais perigoso tomá-la, crendo que é o caminho para vida. Gritos entusiásticos de "Senhor, Senhor" podem ser nada mais do que um conveniente bocado de lã para encobrir um coração obstinado. Pode nem haver um lobo debaixo desse pelego, mas ali há certamente um bode! Profissões vazias são tão perigosas para a estrada estreita como os falsos profetas.
Não há nada de mau quanto a uma sincera confissão de fé no Filho de Deus e o reconhecimento aberto que ele é o Senhor. Na verdade, não pode haver verdadeiro discipulado sem esta confissão (Mateus 10:32-33; Romanos 10:9-10). Mas a tragédia se instala quando isto é tudo que existe, uma declaração verbal da soberania de Jesus, sem qualquer evidência de submissão (Lucas 6:46).
Quem são estes ousados confessores? Eles não são hipócritas conscientes, pois Jesus diz que eles não entenderão a rejeição deles no juízo final (7:22). Eles não são preguiçosos imprestáveis, porque Jesus não disputa sua proclamação de zelosa atividade em seu nome. Seu problema é simples. Em todo o seu dizer e fazer, eles não tinham feito aquilo que ele esperava deles e que era fazer a vontade de seu Pai.
Neste ponto, os que aspiram a trilhar a estrada estreita têm que ser muito claros. No reino de Deus, nada será recebido como substituto para a obediência! Certamente não a mera confissão oral. Absolutamente não a diligente prática de ordenações religiosas que se originam no homem antes que em Deus (Marcos 7:1-8). Não, nem mesmo a fiel observância de certos seletos mandamentos de Deus, enquanto outros estão sendo estudiosamente negligenciados ou desobedecidos (Mateus 23:23). E, por último, não será nem aceitação, quando um só de todos os mandamentos de Deus está sendo teimosamente recusado, ignorado ou pervertido (Marcos 10:17-22; Tiago 2:8-11).
Isto não tem nada a ver com a justificação pelas obras. Tem a ver com a sincera fé, lealdade indivisa e absoluta confiança. Haverá sempre misericórdia do Senhor para aqueles cujo coração está totalmente decidido a agradá-lo em todas as coisas, pois eles estarão sempre querendo aprender mais, buscar o perdão, e fazer melhor. Mas para o homem que seleciona e escolhe o seu caminho através da vontade divina, nem toda a zelosa atividade religiosa que possa ser montada será suficiente para cobrir o fracasso.
"Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! porventura não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres?" (Mateus 7:22). O fato que estes desobedientes confessores fazem a proclamação não contestada, que não somente ter possuído, mas ter exercido, dons miraculosos pelo poder de Cristo sugere que eles eram discípulos. Muitos sentiram que proclamações deles tinham que ser falsas, mas não necessariamente.
Quaisquer que fossem seus imensos fracassos como homem, Balaão certamente profetizou pelo poder de Deus (Números 22:35; 23:16). Não pode haver muita dúvida de que Judas Iscariotes, como um dos doze, empregou poderes miraculosos (Mateus 10:1). Os discípulos carnais de Corinto certamente o fizeram (1 Coríntios 1:4-7; 3:1-3). Dons espirituais jamais foram uma garantia da espiritualidade ou da divina aceitação do mestre; somente de que a mensagem era verdadeira.
Assim nós, também, podemos pregar o verdadeiro evangelho a muitas pessoas e fazer "muitos milagres," mas afinal sermos rejeitados simplesmente porque não obedecemos ao Senhor (1 Coríntios 9:27; 13:1-3; Filipenses 1:15-17). Estes professores, que se iludem a si mesmos, estavam fazendo a pergunta errada. O grande trabalho que Deus tinha feito por meio deles não serviu para ganhar a salvação; se eles tivessem verdadeiramente servido e agradado o Senhor, isso sim, ganharia a salvação (Lucas 10:20).
49. A Humilhação Final
"Então lhes direi explicitamente: Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim os que praticais a iniqüidade" (Mateus 7:23). A cena que Jesus descreve com estas palavras finais sombrias é a de um grupo de entusiastas que usaram seu nome livremente e fizeram muito alvoroço sobre seus laços íntimos com ele. Pelo modo ardente e reverente com que eles devem ter falado do Filho de Deus, os observadores os haveriam, sem dúvida, julgado como estando entre seus mais devotos discípulos. Ali, certamente, deve ter havido freqüentes e ferventes declarações de que eles conheciam o Senhor. Isto era o talismã espiritual deles, o encanto que lhes deu segurança.
E foi justo neste exato ponto em que eles estavam mais orgulhosos, e numa hora e local quando seria mais desesperadamente devastante, que Jesus promete fazer sua profissão. Na presença de toda a humanidade em assembléia, incluindo cada pessoa que jamais o havia ouvido proclamar que ele era deles, ele haveria de dizer, "Nunca vos conheci . . ."! A absoluta humilhação de tal momento, para tal povo haveria de ser quase indescritível.
Em Lucas, o Senhor pinta um quadro similar de homens chorando por reconhecimento no juízo final (13:22-30). Mas ali é para aqueles cujo medo da "porta estreita" lhes tira a vontade de até dizer "Senhor, Senhor", quanto mais fazer sua vontade. A base de sua reivindicação não é que eles o tenham reconhecido como um Mestre, ou lhe prestado serviço, mas que eles tinham sido socialmente conhecidos. Ele tinha ensinado em suas ruas e comido à mesa deles. Aqui está um quadro ainda mais surpreendente do que aquele dos ousados professores, pessoas que durante a vida inteira haviam rejeitado o Filho de Deus e, entretanto, ainda estavam esperando, e até mesmo acreditando, que ele não haveria de rejeitá-los. Isto dá novas dimensões à capacidade dos humanos para enganarem-se a si mesmos. Espantoso como possa parecer, há multidões de homens e mulheres, hoje em dia, que sentem que seu repúdio do Santo de Deus foi cumprido com tal cortesia e civilidade que isso não lhes custará nada na eternidade.
Em Mateus, diferente de Lucas, Jesus está tratando com aqueles que se consideram seus discípulos. O fato que o Senhor lhes diz "Nunca vos conheci" não significa, necessariamente, que eles jamais tinham sido autênticos, mas que através do tempo em que eles estiveram executando seus ostentosos "milagres" em seu nome, sua desobediência tinha-os feito estranhos para ele. Por fim, apesar de todas as declarações deles e dos fervorosos trabalhos, eles não estavam em melhor situação do que aqueles que, claramente, haviam rejeitado o Filho de Deus.
Jesus não trata com mansidão estes reivindicantes que tentaram trocar submissão por zelo. "Os que praticais a iniqüidade", ele os chama, como se para acordar seus ouvintes imediatos para o fato que, ainda que sutil, este tipo de rebelião encoberta de piedade é séria e sua condenação justa. A mesma palavra aqui traduzida como iniqüidade (grego anomia) é usada de novo por Mateus, registrando a última e forte repreensão do Senhor aos fariseus. Como túmulos caiados, eles tinham uma aparência de justiça, mas eram por dentro "cheios de hipocrisia e de iniqüidade" (23:27-28). João a emprega para descrever a verdadeira natureza e caráter do pecado: "transgressão" ou "injustiça" (1 João 3:4).
Mas se estes falsos discípulos são transgressores, eles não estão necessariamente negando que Deus tem uma lei. Para eles é questão, em algum ponto, de, recusar conscientemente a submeter-se à vontade de Deus. Eles não são pessoas que pecam por inadvertência ou fraqueza, mas por desígnio. Aqueles que pecam por fraqueza não praticam uma susposta piedade, mas a humildade e o arrependimento. Eles sabem muito bem o que o pecado custa e não querem nada dele. Jesus contrapõe os feitos destes impostores contra os daqueles que fazem "a vontade de meu Pai".
Como já foi notado, o cenário desta conversação prospectiva é o do julgamento final, onde os destinos definitivos estão sendo decididos. O "apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade", de cortar o coração, pode fazer o quadro de Gênesis, de Deus expulsando suas criaturas rebeldes do Éden, parecer quase brilhante. Houve um remédio para aquela tragédia. Para esta outra, não há nenhum. O pecado é sempre uma força separativa, operando alienação da própria pessoa e dos outros, mas o extremo horror do pecado é o expulsão sem recurso da própria presença de Deus. Com que dificuldade lutamos para imaginar como seria jamais olhar a face do amor, bondade ou pureza, jamais, tanto em sua divina fonte como refletida nos homens que foram tocados por elas. Mais de um ano mais tarde, e usando uma linguagem similar, Jesus descreverá a experiência de ser lançado ao "fogo eterno" (Mateus 25:41). Que nenhum de nós jamais possa aprender como a realidade desse momento ultrapassa estas palavras.
50. O Perigo do Engano de Si Mesmo
Já falamos brevemente sobre o sério engano de si mesmo, necessário a levar os homens e mulheres religiosos indisporem-se com o Filho de Deus, até mesmo quando ele se senta em seu trono de julgamento. Mateus 7:21-23 não descreve pessoas que estão fazendo um jogo consciente. A presença de Deus em sua glória teria a tendência para tirar o apetite de um homem pela presunção. O que estes versículos revelam é a capacidade de um ser humano para ocultar de si mesmo seus próprios motivos e escolhas. A questão importante que eles levantam é: como entramos em tal estado de engano de nós mesmos e como podemos evitá-lo?
A revelação nestes versículos, de que o dia do julgamento será um dia de surpresas, não é pouco assustadora. Não saberão os homens, no âmago dos seus corações, que não têm sido fiéis ao Senhor? Como não puderam eles perceber sua desobediência? Eles não foram pessoas ignorantes, estranhas ao evangelho do reino. Como eles puderam não saber? A resposta: o engano de si mesmo.
O engano de si mesmo é baseado na justificação de si mesmo, o uso do padrão errado pelo qual julgar-se (Lucas 16:15; 18:9-17), ou o simples fracasso na utilização do padrão verdadeiro (a palavra de Deus).
A seriedade da ameaça que isso representa para os que buscam o reino de Deus é evidenciada pelo número de advertências contra ele. Paulo diz que os homens enganam-se a si mesmos quando pensam serem sábios ou imaginam serem alguma coisa, quando não são nada (1 Coríntios 3:18; Gálatas 6:3). Orgulho e vaidade podem levar uma pessoa a acreditar em mentiras sobre si mesma, que ela própria contou. Tiago, em seu modo muito direto, adverte que é uma pessoa enganada por si mesma quem pensa que terá mérito só por ouvir a palavra de Deus, que ela nunca pratica, e ilustra seu ponto com o homem que se considera muito devoto, enquanto não exerce nenhum domínio sobre sua língua (1:22,26). Muita freqüência na igreja pode dar falsa segurança àqueles que preferem falar sobre religião verdadeira em vez de vivê-la. Pregar sólida doutrina não faz, necessariamente, uma pessoa piedosa. Finalmente, João admoesta que quando negamos que haja qualquer pecado em nossas vidas, estamos mentindo a nós mesmos (1 João 1:8). A dor psíquica de confessar o fracasso nos leva freqüentemente a procurar cobertura para nossos pecados no ativismo religioso, em vez do arrependimento e confissão.
E por que os homens trabalham tão diligentemente para convencer não só aos outros, mas a si mesmo, desses mitos sobre seu relacionamento com Deus? Porque eles acham a verdade que Deus lhes disse totalmente sem atrativo e, determinados a rejeitá-la, não querem suportar a dor de viver com uma consciência constantemente dolorida e acusadora (2 Tessalonicenses 2:10-12; 1 Timóteo 4:1-2). Algo tem que ser encontrado para encher o vazio e justificar sua desobediência.
Uma visão distorcida da "justificação pela fé" tem sido um subterfúgio popular. Em síntese, esta abordagem afirma que Cristo não tem interesse em como se vive, mas somente em como se sente. Deste ponto de vista, uma cuidadosa preocupação com a obediência aos mandamentos de Deus é vista como uma negação da graça de Deus e uma rejeição do evangelho. Às vezes, é quase o eco do espírito libertino que Paulo condena em Romanos 6:1-2: "Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante?" Quanto mais os proponentes desta idéia são reprovados por sua transgressão da vontade divina, mais eles declaram sua confiança na graça de Deus e no poder de sua fé. Mas isto não é fé em Deus, "mas fé na fé", um "fé-ismo" para servir a si mesmo. Certamente que somos justificados pela fé, mas uma fé que se manifesta pela obediência aos mandamentos de Deus (Lucas 6:46; João 14:15,21,23; 15:10,14; Gálatas 5:6; Tiago 2:14-26). Esta é, claramente, a mensagem do Sermão da Montanha.
Outro freqüente disfarce para a desobediência é "o fim justifica os meios." Que diferença faz o modo como foi feito, é o argumento, desde que o resultado positivo é conseguido. Esta pode ter sido a lógica de Davi, quando mudou a arca da Aliança para Jerusalém. O fim era bom, mas o meio foi rejeitado dramaticamente (1 Crônicas 13:1-14; 15:1-15). Foi certamente o pensamento de Saul, quando ele desobedeceu a Deus, na matança dos amalequitas. Poupar os melhores animais (uma transgressão) foi justificado como um meio de adorar a Deus (1 Samuel 15:15). Deus não se impressionou (15:22-23). Se há um ponto claramente afirmado no Sermão da Montanha, e há muitos, é que no reino do céu meios e fins são o mesmo. Meios divinamente escolhidos são adequados a fins divinamente escolhidos. Meios errados subvertem fins certos. A desobediência nunca pode produzir o coração submisso e confiante que nosso Senhor tanto deseja.
Mas, como poderemos escapar desta tendência humana pelo engano de si mesmo? Aproximando-nos das Escrituras com nossos corações dados a Deus e não com um interesse acadêmico ou institucional. Temos que enfrentar o que o Filho de Deus realmente disse, não importa que isso seja custoso, ou penoso, ou fora de moda. E então, à clara luz do ensinamento de Deus, temos que nos engajar constantemente no mais sincero sondar dos nossos próprios corações (2 Coríntios 13:5). Sem exame próprio, o engano de si mesmo é inevitável. Temos que perguntar-nos não somente se o que estamos fazendo está de acordo com a vontade de Deus, mas se o estamos fazendo pelo amor de seu Filho. Muito do que é feito "em nome de Cristo" é executado para a glória dos homens. Como é imperativo a nós o espírito de Davi: "Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno" (Salmo 139:23-24).
51. Construindo uma Vida Duradoura O Pregador acabou de pregar seu Sermão, e seu convite à ação, já começado, está agora concluído. O caminho bifurcou-se continuamente, ao longo do discurso: dois tipos de justiça, dois tipos de tesouro, uma estrada larga ou uma estreita, hipocrisia ou simplicidade, este mundo ou o próximo, nossa vontade ou a de Deus. A escolha foi clara e fortemente delineada. Não é parecer bom, ou mostrar-se piedoso, ou fazer "algo maravilhoso" em nome de Jesus que leva alguém ao reino de Deus. É obediência. Obediência como expressão de absoluta confiança. Em seu apelo conclusivo, o Senhor já pintou dois quadros para ilustrar este fato. Ele agora dá a seus ouvintes o terceiro e último. "Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica, será comparado a um homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha; e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, que não caiu, porque fora edificada sobre a rocha. E todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as pratica, será comparado a um homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia; e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, e ela desabou, sendo grande a sua ruína" (Mateus 7:24-27). Os Dois Construtores. Nestes versículos, o Senhor apresenta-nos dois construtores. Podemos descobrir a diferença entre eles observando as similari-dades. Ambos tinham o mesmo desejo: construir uma casa, um lugar para viver, um lugar de abrigo e segurança. Ambos construíram sua casa e, se as duas eram diferentes, não é mencionado. Ambas as casas foram postas à prova pela mesma tempestade. Por fim, a única diferença discernível nestes dois construtores e suas casas é o alicerce sobre o qual escolheram construir: um, sobre a rocha, o outro, sobre a areia. E, antes do dilúvio cair, ambos os homens pareciam ter tido sucesso admirável. A história sugere que, qualquer que seja a casa, todos os homens estão procurando construí-la. Poderia ser chamado "sucesso", "felicidade," "paz de espírito" ou "realização". Ela representa as aspirações comuns do coração humano, aspirações que não são necessariamente erradas em si mesmas, mas uma parte da maneira como Deus nos fez. ". . . pôs a eternidade no coração do homem" (Eclesiastes 3:11). Os diferentes fundamentos representam o modo pelo qual tentamos realizar nosso desejo de felicidade. Quanto à opinião do Filho de Deus, há somente dois fundamentos sobre os quais podemos repousar nossas aspirações para a máxima realização: submetendo-nos a sua vontade, ou rebelando-nos contra ela. A primeira casa permanecerá, a segunda cairá. Os Dois Fundamentos. O construtor prudente levou tempo para escavar um apoio sólido (Lucas 6:48). Foi trabalhoso e tomou tempo, mas sua casa e todo o seu esforço, até mesmo sua própria vida, estavam em jogo. Ele pensou no futuro e considerou mais do que os céus ensolarados do presente. Foi para a tempestade inevitável que ele construiu. O insensato construiu para o momento presente, sem ser previdente. Tudo o que pudesse ser feito com pouco esforço e conseguir resultados rápidos o atraíam. Ele supôs que, como as coisas eram, assim sempre seriam. A idéia de que sua casa pudesse ser severamente posta à prova parece que nunca entrou em sua cabeça. Ele, sem dúvida, tinha levantado e mobiliado sua casa antes que seu vizinho lutador sequer tivesse concluído seu fundamento. Construindo Antes da Tempestade. É importante perceber que, na história de nosso Senhor, há um tempo quando quaisquer diferenças entre estes dois construtores serão difíceis de ver. Ambos parecerão ter tido bom êxito, com as casas firmemente estáveis, em pé. De fato, o insensato, tendo-se poupado tantas durezas, pode parecer mesmo ter levado a melhor. E é no meio deste tempo, antes da tempestade, que temos que decidir como construir nossas casas espirituais. Certamente, será bastante fácil ver a diferença depois da tempestade, mas aí será tarde demais para adiantar alguma coisa. É agora, no sossego antes do cataclisma, que temos que agir pela fé. Temos que nos preparar para o dilúvio antes de chuva. Temos que fugir de Sodoma antes mesmo do primeiro sinal de tempestade de fogo. Para o olhar distraído, a diferença prática entre os filhos de Deus e os filhos deste mundo será difícil de ver. Ambos sofrerão problemas, conhecerão decepções, cairão doentes e morrerão. Por esta razão, as pessoas de mente leviana sempre lutarão para ver a distinção entre a verdadeira justiça e a hipocrisia farisaica, entre a estrada estreita e a larga, entre o verdadeiro profeta e o zeloso impostor. Esta é a razão pela qual uma atitude de humildade e honestidade é tão vital para aqueles que querem sobreviver à tempestade do divino julgamento. Temos que ter a mansidão de espírito que nos capacitará a ver-nos a nós mesmos como somos, e o Filho de Deus, como ele é. Está chegando o dia quando as diferenças que tendem a escapar à atenção daquele que não pensa serão claramente evidentes. Falando desse dia de ajuste de contas, em sua explicação da Parábola do Joio, Jesus promete que "Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai" (Mateus 13:43). Mesmo o mais cego dos homens verá, então, a diferença. Precisamos dos olhos para vê-la agora e, conseqüentemente, acertar nossas vidas. 52. A Rocha Inabalável Em suas derradeiras palavras (Mateus 7:24-27), com uma notável ausência de qualquer coisa pomposa ou adornada (isso não teria servido ao estilo do Mestre ou do seu Sermão), Jesus insiste com seus ouvintes para que considerem ponderadamente as conseqüências da resposta que escolherem dar-lhe. Indiferença e neutralidade não são uma opção. Todos os homens construirão. A única questão que fica é: onde? Ele confronta o ouvinte diretamente, não deixando nenhum espaço para manobra. Submeter-se-ão eles a sua vontade e farão o que ele diz ou não? A escolha é deles, mas é uma escolha radical, com repercussões radicais. O assunto, através do Sermão, foi a obediência. A voz que fala não é simplesmente a voz da verdade e da sabedoria, mas a voz da autoridade e do poder. A submissão tem que ser tanto ampla como profunda, tão ampla como seu menor mandamento (Mateus 5:19-48) e tão profunda como nossos mais íntimos pensamentos (6:1-34). E a quem estas palavras são especialmente dirigidas? Não aos ateus e aos publicanos, pois eles quase não receberam atenção neste grande discurso. O "pois" com o qual Jesus inicia este último ponto de seu Sermão nos diz que ele está tirando uma conclusão do que acabou de dizer sobre os pseudo-profetas e os falsos mestres (7:15-23). Estas palavras, como na verdade todo o Sermão, são dirigidas àqueles que fazem uma simulação do discipulado. Elas confrontam esta religiosidade superficial oferecida como um substituto para a obediência que estava então atormentando a nação de Israel, e está fazendo devastação em nosso tempo. O "homem prudente" não é o homem que ouve estas palavras e as compreende, nem mesmo o homem que ouve e crê no Filho de Deus. As pessoas, a quem o Senhor estava se dirigindo, já tinham ouvido e "crido", e até certo ponto, entendido, mas a questão em torno da qual tudo girava era se eles tinham obedecido. Não há nada que este Sermão ataque profundamente mais do que a constante citação de João 3:16, daqueles que diligentemente evitam o estudo e a prática da própria palavra daquele em quem professam crer. É uma zombaria! Naturalmente, o fato que este Sermão e estas palavras em particular, são dirigidos especialmente aos falsos discípulos, não significa que elas não têm aplicação àqueles que não fazem o menor fingimento de seguir a Jesus. Seja um simulador ou um salafrário, as conseqüências da rebelião são as mesmas. Areia é areia. A Rocha Inabalável. O homem prudente, disse Jesus, é o homem que ouve a palavra do céu e a atende, sem perguntas, sem desculpas. Por causa de uma fé obediente, seu relacionamento com o Pai e o Filho é tão inabalável como uma enorme jazida de pedra (Grego petra) numa tempestade. O Filho de Deus deu a mesma segurança em Jerusalém, no mês de dezembro, antes que ele morresse, quando ele disse de suas "ovelhas" que "me seguem" e "ouvem a minha voz" que "ninguém as arrebatará da minha mão" (João 10:27-29). Paulo repetiu Jesus quando ele assegurou aos romanos que, quanto aos que amam o Senhor e são chamados de acordo com seu propósito, nadaos separará "do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor" (Romanos 8:38-39). É a "obediência da fé" (Romanos 1:5; 16:26), como um vivo e constante princípio de vida que nos une ao Salvador dos homens, numa união inquebrável. Conforme Isaías prometeu, o Senhor Deus lançou seu fundamento em Sião, uma "pedra preciosa, angular, solidamente assentada" e "aquele que nela crê não será confundido" (Isaías 28:16; Romanos 9:33). É importante lembrar-nos de novo, neste ponto, que Jesus não está lidando aqui com a base de nossa salvação (graça), mas com a natureza da fé que responde a ele. Tiago está apenas repetindo o Sermão da Montanha quando ele nos adverte para que sejamos "praticantes da palavra, e não somente ouvintes" (1:22) e declara que a "fé, se não tiver obras, por si só está morta . . ." (2:17-26). Por que agir como se Tiago fosse um inovador, aqui? Foi Jesus quem primeiro pregou este princípio e ele o fez no "evangelho do reino" (Mateus 4:23). Esta verdade básica precisa desesperadamente ser levada a sério. Aqueles que se tornaram tão fascinados com a salvação pela graça que esvaziaram a fé de todo conteúdo, precisam perceber que estão brincando, não com a inconveniência, mas com a destruição. Há abundância de misericórdia para cada alma que se submete ao domínio de Cristo de todo o coração: Seu coração se partirá e voltará a Deus a cada transgressão; mas não haverá nenhuma compaixão para aqueles que, orgulhosamente, determinarem que a graça tornou os mandamentos do Senhor do reino sem nenhum efeito. 53. Rocha ou Areia? Jesus chamou para obediência à sua Palavra, que é tanto profunda como abrangente, mas isso não é um convite à justificação pelas obras de justiça. Ele insiste para que os cidadãos do reino procurem a perfeição do amor sem egoísmo do Pai deles (Mateus 5:43-48), mas diz francamente que eles ainda precisarão se arrependerem de seus erros (5:23) e procurar a misericórdia (5:7). Na ocasião de sua morte, quando Jesus recomenda os Doze ao seu Pai, como homens que guardaram "tua palavra" (João 17:6), ele não está dizendo que eles ficaram sem pecado desde que se tornaram seus discípulos (a história deles prova o contrário), mas que sua dedicação a ele foi autêntica e sua penitente tristeza por seus pecados pura. Aqueles que constroem suas vidas sobre "a rocha" estão dizendo duas coisas: que estão determinados a manter a palavra de Cristo a todo o custo, e que estão confiando em seu sangue redentor para a misericórdia por seus fracassos. A obediência, no reino do céu, nunca foi um meio de justificação do pecado, mas um modo de exprimir fé (Tiago 2:14-26) e amor (João 14:15,21,23; 15:10,14). Se há algum outro modo de demonstrar estas duas indispensáveis qualidades da vida do reino, ele é desconhecido pela Escritura. A despeito da clareza da escolha que o Senhor pôs diante dos seus ouvintes, há sempre aqueles que querem construir sobre a areia e chamá-la de rocha. Eles estão à procura de soluções rápidas e fáceis para seus problemas e um caminho fácil para a justiça e a paz. São tais mentes que tendem a voltar as igrejas do Senhor para uma mensagem mais popular e aceitável, uma que apara as arestas duras das exigências do evangelho e põe no seu lugar remédios psicológicos que não machucam, e não têm força. Em vez de um chamado penetrante para um coração renascido, só há intermináveis falatórios sobre "atitudes mentais positivas", "amor próprio" e "auto-aceitação". Um sentido de valor próprio e um espírito positivo não são assuntos de pouca conseqüência, porém não serão conseguidos procurando-se-os por si mesmos. Eles são o sub-produto natural da penitente procura de Deus e de sua vontade e a conseqüente certeza de aceitação em sua graça (Atos 10:34; 2 Coríntios 8:12; Efésios 1:6-7). A perda do amor próprio vem mais freqüentemente do fracasso em procurar o Senhor sincera e obedientemente. É duro para uma pessoa olhar-se no olho quando ela sabe que não está sendo autêntica para com Deus. A verdadeira graça de Cristo traz submissão e segurança. Graça barata e sem exigência serve só para enganar o superficial. É estarrecedor que este grande Sermão, com sua tremenda ênfase em entender e obedecer aos mandamentos de Deus, não tenha um grande impacto na mente cristã popular. Talvez a razão para isto repouse na idéia, largamente aceita, que desde que não estamos sob a lei, mas sob a graça (Romanos 6:14), os mandamentos de Cristo são meras orientações (graça), enquanto os mandamentos de Moisés eram estatutos para ser estritamente obedecidos (lei). Que isto é uma perversão do que disse Paulo torna-se evidente com a admirada pergunta que segue sua afirmação sobre a graça e a lei: "Havemos de pecar porque não estamos debaixo da lei e, sim, da graça? De modo nenhum" (6:15). A verdade é que Deus nunca, desde Adão, emitiu um mandamento que ele não esperasse que fosse obedecido. Sua vontade surge de sua natureza cheia de graça e justiça e é "para o nosso perpétuo bem" (Deuteronômio 6:24; 1 João 5:3). A graça de Deus não é sem lei. O evangelho é simplesmente um sistema de graça (onde há perdão por transgressões da lei de Deus) em oposição a um sistema de lei (onde não há nenhum). Não somente a graça não remove as exigências da lei divina, mas trabalha para atender essas exigências por um sacrifício redentor (Romanos 8:1-4). Sem a lei de Deus, sua graça ficaria sem significado, uma vez que a ausência de lei tornaria o pecado impossível (Romanos 4:5) e o perdão desnecessário. O homem tem estado sob a lei divina desde Adão, uma lei que se resumia melhor nos mandamentos para amar a Deus supremamente e ao próximo como a si mesmo (Mateus 22:35-40). Entretanto, essa lei nunca anulou a justificação pela fé, uma redenção tornada possível em todas as gerações por causa do que Deus planejou fazer em Cristo (Hebreus 9:15). O fato que Abel foi justificado pela fé e mostrou essa fé por uma cuidadosa obediência à lei divina, demonstra que a salvação pela graça não altera nossa responsabilidade em obedecer a Deus (Hebreus 11:4). O fato que Noé foi justificado pela fé e manifestou essa fé por uma escrupulosa submissão aos mandamentos divinos, confirma esta mesma verdade (Hebreus 11:7). Os casos de Abraão (Hebreus 11:8-9,17-19) e Moisés (11:25-27) acrescentam mais evidência. Se, então, a justificação pela fé, em eras passadas, não removeu a necessidade de obedecer aos mandamentos, conforme dados por Deus, a mesma necessidade tem que governar na era do evangelho. A graça de Deus em Cristo não nos livra da necessidade de obedecer ao Senhor, mas nos capacita a obedecer a ele sem medo de julgamento. E, por este mesmo meio, somos não só perdoados, mas transformados (Romanos 8:1,29). Esta é a mensagem do Sermão da Montanha. O Pregador nos deixou entre a rocha e a areia, entre a confiança obediente e a rejeição infiel, e nos desafiou a escolher. 54. ". . . Sendo Grande a sua Ruína" O silêncio profundo que se abateu sobre aquela encosta da Galiléia, quando Jesus terminou seu notável Sermão, deve ter sido intenso. Suas palavras tinham sido chocantes e desconcertantes. A sabedoria convencional tinha sido contestada e as tão antigas tradições rejeitadas. O reino de Deus não estava para ser revelado em alguma conquista filistina, mas num absoluto amor a Deus e num altruísta amor ao homem; e o espírito deste amor haveria de ser visto numa obediência submissa à divina vontade. Nos mais concretos termos e com radical retidão, o Filho de Deus descreveu o reino do céu como ele verdadeiramente é, e então desafiou seus ouvintes a recebê-lo. Mateus não nos diz como os discípulos responderam, mas "estavam as multidões maravilhadas da sua doutrina" (Mateus 7:28). As últimas palavras do Senhor são sombrias. Elas falam da extrema ruína, desastre de indescritíveis proporções, para aqueles que escolhessem rejeitar suas palavras e o reino de Deus entre os homens. Não há nenhum universalismo consolador no Sermão da Montanha. Não há salvação para todos, no final. Tanto quanto este grande discurso fala da extrema paz e felicidade, ela também fala, muito claramente, e finalmente, da possibilidade da total perda e miséria. É este aspecto do evangelho do reino que torna sua mensagem tão urgente e tão grave. O apego que as mentes universalistas sentem por este sermão está além da explicação. Atentam eles para os grandes ensinamentos éticos do Salvador e simplesmente ignoram o resto? Nunca, em toda a Bíblia, foram emitidas mais ominosas advertências de julgamento do que aquelas ditas na agora famosa encosta da Galiléia. Nem estão elas restritas a um estreito canto da mensagem do Senhor. A perspectiva da divina rejeição se encaixa através de todo o Sermão. Para aqueles que se recusam a fazer, de coração, a vontade de seu Pai, Jesus promete, não meramente a perda de toda a recompensa celestial (Mateus 6:1-2,5,16), mas severo julgamento, julgamento esse que é sem misericórdia (6:15; 7:1-2). O Senhor descreve o desobediente como viajando na estrada para a "perdição" (7:13) e em perigo do "inferno de fogo" (5:22,29-30; 7:19). É por esta razão que Jesus caracteriza o destino dos rebeldes, sejam inteiramente mundanos ou hipócritas religiosos, como uma "grande" ruína e uma "grande" queda (Lucas 6:49; Mateus 7:27). A perda de Deus não há de ser uma sossegada descida para o inferno, mas uma consciente e infindável alienação de tudo o que Deus é: amor, compaixão, pureza, santidade, justiça, verdade, e a acompanhante angústia que um tal horror produz (Mateus 13:41-42,49-50; 25:46). Será o destino escolhido por aqueles que se afastam do amor e do caminho de Deus, para passarem a eternidade com toda a falsidade, hipocrisia, arrogância, egoísmo, concupiscência, ódio e brutalidade da história humana (1 Coríntios 6:9-10; Gálatas 5:19-21; 2 Tessalonicenses 1:7-9; Apocalipse 14:9-11; 21:8; 22:10-15). A profundidade de tal escuridão moral, a intensidade de tal fogo espiritual, excedem qualquer descrição. Nessas trevas, com seu "fogo eterno", ali haverá verdadeiramente "choro e ranger de dentes" (Mateus 25:30,41). É preciso ser afirmado, a despeito destas palavras sombrias de advertência, que o ponto total da obra e da pregação do Senhor era para libertar os homens de tal indizível destino? Se sua pregação, às vezes, parece abrupta, é somente para despertar-nos das rotinas religiosas insensatas, através das quais seguimos nosso caminho como sonâmbulos. Jesus chama-nos a um relacionamento vital com seu Pai. É um relacionamento que nos faz verdadeiramente vivos, permeando o pensamento e a ação, transformando o caráter e a personalidade, fazendo-nos, além de qualquer dúvida, os filhos do Deus vivo. A grandeza do amor de Deus deveria ser causa suficiente para nos trazer, em alegre submissão, ao seu justo e gracioso domínio, mas a realidade de nossa natureza é que, freqüentemente, nada, salvo o trovão do julgamento divino, pode abrir nossos ouvidos à sua voz. E é com isto em mente que aquele que nos amou mais que tudo encerra o Sermão, no qual mais do que qualquer outro ele abre aos olhos humanos os maravilhosos caminhos do céu. 55. Jamais Alguém Falou Como Este Homem "Quando Jesus acabou de proferir estas palavras, estavam as multidões maravilhadas da sua doutrina; porque ele as ensinava como quem tem autoridade, e não como os escribas" (Mateus 7:28-29). Mateus não relata a resposta dos discípulos ao Sermão de Jesus, mas as "multidões" curiosas, ele diz, estavam maravilhadas. E esta não seria a única vez em que os ouvintes do Senhor seriam petrificados, surpreendidos pelo inesperado conteúdo e maneira de suas palavras. Mais tarde, alguns soldados judeus, enviados para prendê-lo, cometeriam o erro de parar para ouvir, e então voltariam admirados e de mãos vazias para seus superiores incré-dulos, sem melhor explicação para seu fracasso do que "jamais alguém falou como este homem" (João 7:46). Não há nada de misterioso em tudo isto; nem estranha manipulação da mente, nem encantamentos, nem transes. É simplesmente o efeito que ouvir a voz de Deus produz nos corações humanos. Jesus parecia, por todos os modos, ser tão normal, tão usual, um operário comum dos fundões religiosos da Galiléia, totalmente sem instrução formal e ambiente. Este fato, freqüentemente, tornou suas extraordinárias palavras incríveis para seus ouvintes (Marcos 6:2-3; João 6:15), que pareciam relutantes em aceitar seu testemunho de que seus ensinamentos procediam de seu Pai (João 7:16-17). Suas palavras não foram acompanhadas pelo tipo de flamejante demonstração que sacudia o cume do Sinai, derretia e levava ao terror os corações de Israel (Hebreus 12:18-24). Era apenas um homem falando. Entretanto, ele estava falando a absoluta, a inequívoca verdade; não simplesmente como alguém que a tivesse aprendido, mas alguém que a havia experimentado, como alguém que, afinal, era idêntico a ela (João 1:18; 14:6). Este fato sozinho estava destinado a dar uma qualidade especial e compulsiva às palavras de Jesus. Ele os ensinava "como quem tem autoridade", como alguém que sabia sobre o que estava falando. Os geralmente insensatos escribas, não sendo reais estudantes da própria lei e com pouco pensamento original, gastavam os seus dias estudando e comparando o que os rabis antigos e influentes haviam dito sobre a lei. Eles penduravam seus argumentos em infindáveis cordões de citações rabínicas e fantasiosas interpretações. Em contraste com as fracas especulações dos escribas, que tinham em volta deles o som metálico da confusão humana, a pregação de Jesus ressoava com o tom profundo da verdade confiante. Estava repleta de citações do Velho Testamento ("está escrito") e simples declarações de fato ("em verdade vos digo"). E, se os escribas citavam as interpretações dos antigos rabis com facilidade, Jesus ainda mais facilmente os contradizia. É inevitável que a voz de Deus soe como a voz de Deus, e a voz do homem como a voz do homem. Até mesmo as multidões, às vezes insensíveis, que ouviam o extraordinário Sermão do Senhor, podiam perceber a diferença, e isso os espantava. As palavras de Jesus e de todos os profetas a quem Deus mandou falar aos homens terão sempre consigo a marca de sua origem. Sua força é o poder da divina sabedoria e verdade, e todos os homens são destinados a sentir sua influência, mesmo quando eles escolhem rejeitar estas palavras. "A palavra de Deus é viva e eficaz . . . apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração" (Hebreus 4:12). À extraordinária natureza de suas palavras, como fonte de diferença e surpresa, tem certamente que ser adicionado o profundo amor de Jesus e cuidado por seus ouvintes. Enquanto os escribas lutavam meramente com palavras e argumentos, o grande Mestre, em seu ensinamento, buscava as pessoas. Muito freqüentemente os líderes religiosos de Israel viam o povo como algo a ser manipulado e usado. Deve ter ficado aparente que o Filho de Deus tinha vindo para transformar, antes que manipular, para abençoar, antes que usar. As palavras de Jesus foram sempre desafiadoras e penetrantes, mas eram refrescantes, também. E assim é como deveríamos ter esperado. Pois nunca na história humana, antes ou depois, foi a voz de Deus ouvida no mundo com tal absoluta plenitude de verdade e com tal demonstração de sua viva realidade, na carne de um homem. Nós, também, temos que confessar em admiração que "jamais alguém falou como este homem". 56. Além do Sermão: O Pregador Finalmente, não estamos tão confrontados com a compulsiva e desafiadora mensagem deste grande Sermão como estamos com a pessoa do próprio Pregador. A questão principal, com a qual ela nos deixa, não é "O que você pensa deste Sermão?" mas "O que você pensa deste Mestre?". Não há, talvez, nenhuma abordagem mais cega do Sermão da Montanha do que aquela do racionalismo religioso, que vê nele os ensinamentos morais e espirituais do "real" Jesus, antes que sua história ficasse coberta de posteriores reivindicações sobrenaturais. Eles, portanto, têm abraçado o Sermão como um tremendo avanço em ciência ética, conseguido por um Cristo puramente humano. Como tal, ele contém, para eles, sábio conselho, porém não a palavra de Deus. É estranho que homens, geralmente tão brilhantes, possam ter feito uma tal análise, patentemente falsa. A verdade é que nenhum ensinamento nos Evangelhos apresenta um tal quadro compulsivo do divino Cristo como o faz este memorável discurso galileu. Os primeiros ouvintes foram tocados pelo extraordinário ar de autoridade do Mestre. Ele era tão diferente dos escribas especuladores deles! Ele não teorizava nem hesitava. Ele não era nem tentativo nem justificativo, mas com calma segurança lançou o fundamento de um reino celestial. Não era só estilo, mas substância, e havia todas as razões para que ele falasse com autoridade. Ele era o Cristo, o tão prometido Messias, que estava destinado a cumprir o eterno propósito de Deus. Jesus não diz, meramente, que cada "jota e til" da lei e dos profetas seria cumprido, afirmando a divina origem das Escrituras do Velho Testamento, mas que ele tinha vindo para cumpri-los (Mateus 5:17-18). Este Pregador proclama ser a consumação dos tempos! Ele se vê como o Alfa e o Ômega, o fim bem como o começo. Ele era o Senhor e por fim haveria de ser o Juiz. Este pregador reivindica não somente ensinar aos homens a eterna verdade, mas ser o governador divinamente empossado de seu destino. Ele claramente se retrata como aquele que se levantará no fim da história e presidirá sobre a disposição das almas de todos (7:21-23). É a Jesus que eles têm que prestar a derradeira conta. Que enorme reivindicação de divindade é esta! E a reivindicação é aumentada pela afirmação conclusiva do Senhor sobre a base deste julgamento final. Tudo girará em torno da resposta de cada pessoa a sua palavra (7:24-27). Os ensinamentos deste Pregador não são conselhos prudentes para alguma temporada passageira, mas são válidos para todo o tempo. Eles nos encontrarão na eternidade. Ele claramente pretende que entendamos isso. Então, em vista disto, não é de admirar que ele pudesse simplesmente dizer, "Em verdade vos digo" e fazer com que soe totalmente certo. Aqueles primeiros ouvintes estavam abismados; eles estavam boquiabertos. E mesmo depois de 1900 anos, estamos abismados também! Então, como certamente temos aprendido, o Sermão, de fato, é grande. A marca da eterna verdade está sobre ele. Mas, apesar de toda a sua grandeza, o Pregador eleva-se acima do seu Sermão. Ele é o Senhor Cristo, o Filho de Deus, e está destinado a ser o Juiz de todos. Se rejeitarmos este ensinamento e este Mestre, isso faremos por nosso próprio risco eterno. Todo o céu está na mensagem e no Homem. Entretanto, apesar de todo o seu imenso poder e os assuntos importantíssimos que estão em jogo, tanto para Deus como para o homem, o Sermão não termina com uma ordem imperativa, mas com um insistente convite. Jesus proclamou o reino que é totalmente estranho aos caminhos deste mundo e destinado a sempre ser assim. Ele proferiu um chamado à revolução espiritual, a revolução do mais extenso e profundo tipo, que não deixa nenhuma parte do coração humano intocado e sem transformação. É um alto chamado, mas radical, e cada um de nós tem que decidir por nós mesmos como responderemos a este extraordinário convite. E, mais sério do que tudo, teremos então que suportar por toda a eternidade as transcendentes conseqüências desta decisão. Como o Pregador freqüentemente disse, "Quem tem ouvidos, ouça." |
------------